Existem duas questões latentes que são discutidas sobre comunicação pública envolvendo internet. Uma é a vitória e os novos desafios do Marco Civil da Internet, sancionado em abril, hoje referência mundial de governança multissetorial e multilateral; Outra é a questão do acesso universalizado à ela, já que hoje, somos 85,9 milhões de internautas, ou exatos 51% dos brasileiros com mais de 10 anos de idade, segundo a pesquisa TIC Domicílios, do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br).
O Índice Qualcomm da Sociedade da Inovação (QuISI) colocou o país como o 4º mais conectado entre 20 países da América Latina e do Caribe – atrás de Uruguai, Chile e Argentina. A pesquisa mede o grau de adoção, assimilação e usos das tecnologias da informação e comunicação na sociedade. Em paralelo, segundo a medição recente da ComScore, o Brasil é a quinta maior audiência na internet no mundo – com 68 milhões de usuários únicos – atrás apenas de China, EUA, Índia e Japão.
Brasileiros gastam mais de 29,7 horas por mês online em computadores desktop. Essa é a maior média entre oito países da América Latina. A Pesquisa Brasileira de Mídia, da Secretaria de Comunicação da Presidência, que entrevistou cerca de 18 mil brasileiros, revelou que 47% da população tem o hábito de se informar pela internet, mas o meio campeão ainda é a televisão, em que 97% dos entrevistados afirmaram assistir – por esta razão, entidades ressaltam a importância da discussão em paralelo da Regulação da Mídia –pauta que discute a concentração, concessões e diversificação do conteúdo –, que impacta também na internet.
Por esta razão, conversamos com três especialistas, que deram suas opiniões sobre quais os desafios para a próxima gestão sobre internet, comunicação e democratização dos acessos. Segue!
1- Juventude, acesso e inovação
Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e do Creative Commons no Brasil. Integra programa “Navegador” da Globonews:
“O principal desafio é enxergar a questão da tecnologia e da juventude como essenciais para o desenvolvimento futuro do país. Existe uma onda de empreendedorismo jovem no Brasil, que não só precisar ser apoiada, mas precisa também ser a origem de um movimento transformador. Em outras palavras, entender que as tecnologias da comunicação e informação são parte essencial da infraestrutura do país e devem ser tratados como tal. Outra medida é lançar um plano nacional de banda larga que entenda que o país tem dimensões continentais e com isso pense em como melhor incentivar a conectividade do país. Criar uma política econômica para atrair datacenters. Além disso, conectar o país a redes de produção e pensamento globais, incluindo o envolvimento das universidades brasileiras em um processo de atração de talentos e internacionalização da criatividade. O Brasil até hoje não tem nem sequer uma cidade considerada como “Cidade Criativa” pela UNESCO. Outros países latino-americanos, incluindo a Colômbia e a Argentina já fazem parte dentro desse processo. Em síntese, o custo da inovação caiu muito. É preciso aproveitar isso com criatividade, com a definição de objetivos precisos e com o aproveitamento da bonança de jovens conectados que o Brasil tem. Nesse sentido, pesquisa recente da União Internacional das Telecomunicações apontou o Brasil como sendo o quarto país do mundo em jovens entre 17 e 24 anos conectados à internet há mais de 4 anos. Aproveitar essa bonança demográfica, que nos traz uma vantagem competitiva preciosa mas temporária, é essencial”.
2- O ponto de convergência entre internet e regulação de mídia
Bia Barbosa, jornalista integrante da gestão 2013-2014 do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação:
“Estamos na vanguarda internacional em termos de regulação da internet. Do outro lado a gente tá muito atrasado em questão do acesso. A gente precisa ter investimento para garantir que ele seja universalizado, políticas públicas de infraestrutura e de barateamento de custos. Ainda temos a demanda sobre a regulamentação da radiodifusão, uma agenda que ainda é muito importante. O Código Brasileiro de Telecomunicações é da década de 1960. Países vizinhos como Argentina, Uruguai, Equador já avançaram nessa atualização. E como a gente não tem uma legislação que proíba a chamada propriedade cruzada, ou seja, que uma mesma empresa controle canais de rádio, TV, revistas e internet, isso permite com que os grandes grupos, que já controlam a produção e difusão de informação passem a ser também os grandes produtores de informação na internet. Não dá para pensar que vamos ter a garantia de uma comunicação democrática no país se não trabalharmos estas duas questões em paralelo, para que de fato todos os setores e as diferentes opiniões também encontrem espaço na esfera pública midiática.”
3- A defesa dos princípios da internet
Demi Getschko, Conselheiro do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) desde 1995, 1º brasileiro a entrar para o Hall da Fama da Internet:
“Acho que nossa missão principal agora é defender os princípios básicos que nortearam a Internet até hoje. Ela é um paradigma que trouxe rupturas em muitas áreas. Mais que isso, na ordem de expansão da rede, de um início praticamente acadêmico passamos a uma expansão em que a comunidade toda (segmento privado, governo, operadoras de telecomunicação e as estruturas jurídicas e legislativas) passou a ser usuária da rede e a ser por ela afetada. Por isso, há agendas diferentes em ação no que tange à gestão da rede, e a melhor prática deve ser multissetorial, dando espaço a todos que dela queiram participar. A entrada em cena das redes sociais e o poder que as máquinas de busca alavancaram ainda mais seu crescimento e o Marco Civil conseguiu cristalizar conceitos da rede – neutralidade, baixa barreira de entrada e privacidade dos usuários. Dentre as rupturas mais complexas que precisamos fazer está a compatibilização de legislações nacionais com o caráter sem fronteiras da rede. Além da mediação com as formas de serviços sobre ela, já que traz enormes impactos em modelos econômicos pré-estabelecidos.”
Bônus: Internet é ferramenta para democracia
Deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do Marco Civil da Internet:
“Em 2014, o Brasil assumiu a liderança no debate sobre internet ao aprovar o Marco Civil, já considerado a melhor lei do mundo sobre o assunto. A legislação garante a neutralidade da rede, a liberdade de expressão, a privacidade e a segurança dos internautas, nos dá a certeza de que podemos cobrar o respeito aos nossos direitos on-line. Enquanto países enxergam o Marco como referência, no Brasil o desafio é tornar a lei conhecida, para que os usuários possam cobrar seu cumprimento. Precisamos, também, levar o acesso à internet a todos os brasileiros, para tal está sendo discutido o programa Banda Larga Para Todos. A Internet tornou-se uma importante ferramenta não apenas para a comunicação, mas para a educação, a cultura e para a própria democracia também, já que garante mais transparência e mais participação na tomada de decisões públicas”.
Aliás, a edição de agosto da Brasileiros conversou com especialistas de todas as áreas para entender quais são as principais demandas deste país que cresce, e quais as ações prioritárias para um próximo governo. Imperdível.
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