Oito pacientes paraplégicos, voluntários do projeto Andar de Novo – consórcio internacional liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis – conseguiram recuperar parte dos movimentos de suas pernas e a sensação do tato. Os resultados inéditos, e que surpreenderam tanto pacientes como uma equipe de cientistas mundo afora, foram publicados na Scientific Reports nesta semana.
“É um dia histórico para a ciência brasileira, por que mostra que no Brasil também pode se fazer ciência de ponta e ciência que pode ter impacto na vida de milhares de pessoas mundo afora”, ressalta Nicolelis em entrevista a Brasileiros.
O artigo científico reflete os resultados dos primeiros doze meses da pesquisa clínica do projeto. A conclusão é que após uma espécie de treinamento “cerebral”, com uso de um exoesqueleto artificial, conectado a um sistema não invasivo que liga o cérebro humano a um computador e ainda sessões usando realidade virtual, os pacientes conseguiram recuperação neurológica parcial, ou seja, retomaram parcialmente a habilidade motora, a sensação tátil, além de funções viscerais.
Em resumo, os oito pacientes brasileiros, muitos com lesão na medula espinhal há mais de dez anos, conseguiram tomar decisões conscientes para mover seus membros inferiores e obterem repostas de seus músculos. Os resultados também surpreenderam o próprio Nicolelis, co-diretor do Centro de Neuroengenharia da Duke University, na Carolina do Norte, EUA.
“Foi um treinamento que ninguém havia testado antes, ligando o cérebro diretamente a artefatos robóticos, e ninguém tinha previsto a possibilidade de uma recuperação clínica. Essa recuperação foi chocante para nós também”, lembra.
Segundo o neurocientista, os pacientes já apresentam maior evolução desde os resultados publicados pelo recente artigo na Scientific Reports.
“No artigo relatamos os doze primeiros meses de trabalho, mas estamos acompanhando esses pacientes num total de 28 meses. E a recuperação nos últimos 16 dobrou quando comparada a essas que estamos relatando”, acrescenta.
O anúncio marca quase três anos desde a apresentação do “chute inicial” da Copa do Mundo quando o brasileiro Juliano Pinto, paraplégico do pescoço para baixo, conseguiu dar o chute em uma bola na abertura do mundial. Juliano usava o exoesqueleto desenvolvido pelo consórcio internacional.
Um novo tratamento
As descobertas do projeto Andar de Novo representam um avanço significativo no tratamento da paralisia. Nicolelis explica que apesar dos pacientes terem sido diagnosticados como paraplégicos completos – sem nenhum movimento e sensibilidade – é provável que, do ponto de vista anatômico, a lesão original não tenha destruído todas as fibras da medula, podendo algumas terem sobrevivido, mantendo-se silenciosas por muitos anos.
Dessa forma, o treinamento a longo prazo com a interface cérebro-máquina pode ter estimulado a organização plástica no córtex. “Ao reinserir a representação dos membros inferiores e locomoção no córtex, os pacientes podem ter sido capazes de transmitir algumas informações do córtex pela medula, através destes pouquíssimos nervos que podem ter sobrevivido ao trauma original. É quase como se nós tivéssemos os religado novamente”, destaca o neurocientista em vídeo publicado hoje na página do Projeto Andar de Novo no Facebook.
Ao “religar” com sucesso os nervos dos membros inferiores aos estímulos cerebrais, a pesquisa levanta a hipótese de que no futuro as interfaces cérebro-máquina podem não somente serem uma tecnologia assistiva para restaurar a mobilidade como também levar a outras terapias.
Cada um dos oito pacientes responderam de forma distinta, mas todos reportaram restauração do movimento muscular e da sensação tátil. Alguns conseguiram, inclusive, recuperar suas funções viscerais, de forma que agora conseguem dizer quando precisam ir ao banheiro. Apesar de nenhum deles terem conseguido andar ainda, uma das pacientes conseguiu fazer o movimento do caminhar e gerar força suficiente para o exoesqueleto movimentar.
O projeto continua sua pesquisa e desenvolvimento e agora com um maior número de pacientes. Atualmente 16 voluntários se dedicam ao treinamento “cerebral”. Ao mesmo tempo, Nicolelis e cientistas do consórcio preparam e concluem novos artigos, com publicação iminente. “Estamos estudando em detalhes essa recuperação para ver até onde ela vai, por que ela não parou ainda”, destaca.
Do ponto de vista tecnológico, o exoesqueleto também aguarda avanços, que segundo Nicolelis superam os publicados pela Scientifc Reports. “Nós temos uma outra novidade que vai ser ainda mais chocante que esta”, antecipa. Novidade esta que, por enquanto, segue sob sigilo, diz o neurocientista.
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