Composto por profissionais, equipamentos e processos para a coleta e o armazenamento de materiais biológicos, um biobanco tem como finalidade a manutenção de amostras para projetos de pesquisas que levam a um melhor entendimento dos processos de aparecimento e evolução das doenças, oferecendo suporte para o estudo, cura e tratamento. O banco de tumores, um tipo específico de biobanco, representa hoje uma das principais armas da humanidade na luta contra o câncer. O Brasil possui hoje 24 bancos do gênero em atividade, além de três novos que devem começar a funcionar nos próximos anos. Pioneiro, o Banco de Tumores do Hospital A.C. Camargo (também chamado Hospital do Câncer) é um dos principais e mais completos da América Latina, fundado em 1997.
A iniciativa da instituição tem possibilitado a realização de pesquisas de ponta na área, comparáveis aos estudos realizados nos melhores centros de saúde e pesquisas do mundo. “Para produzir projetos científicos bem delineados e dar respostas a questões clínicas, precisamos de amostras, tanto para análise e busca de marcadores quanto para validar coisas que estão na literatura e novos achados”, diz a médica Isabela Werneck da Cunha, responsável pelo banco do A.C. Camargo. “O banco é o local onde são armazenados os tecidos excedentes de biópsias para pesquisas.”
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As amostras são coletadas junto aos pacientes do hospital, durante o tratamento. Os tecidos são retirados no momento da cirurgia ou biópsia, sempre submetidos ao procedimento médico tradicional. Quando o paciente precisa fazer uma biópsia ou precisa retirar um tumor, o cirurgião leva o material a uma sala do próprio centro cirúrgico, onde o patologista retira fragmentos e os congela para serem guardados no banco. É a chamada peça cirúrgica, que, após ser retirada do paciente, tem uma parte destinada à avaliação do tratamento pelo médico, enquanto outra é reservada para estudos posteriores. O processo segue princípios éticos estabelecidos em legislação nacional, também adotados no restante do mundo. As regras garantem que a instituição em nenhum momento permitirá a identificação do paciente que autorizou a doação. “A parte do tecido que seria dispensada é retirada e acondicionada em um tubo especial, com um código de barras que mantém a privacidade do doador”, completa Isabela.
A disponibilidade de material biológico é de fundamental importância para a medicina moderna. É por meio dele que pesquisas, não só na área oncológica, são desenvolvidas para a compreensão dos mecanismos celulares ligados à formação das doenças. O Hospital A.C. Camargo conta com cerca de 16 mil amostras de doadores em sua colmeia (como são chamados os arquivos onde os tecidos são catalogados e organizados). Essas amostras serviram como base para estudos sobre câncer de mama, tireoide, pulmão, entre outros. Nos 15 anos desde sua fundação, o material foi usado em 42 artigos publicados em revistas científicas internacionais. O fator de impacto dos periódicos que publicaram os estudos cresceu de 2,2 para 4,1 nos últimos anos. Esse índice leva em conta o número de vezes que os textos foram citados, para medir a relevância da publicação.
Desde a fundação do banco, a produção de estudos produzidos pela própria instituição também saltou: de 107, no início, para 229, em 2010, o último ano avaliado. Para ter acesso às amostras armazenadas, o pesquisador precisa ter seu projeto previamente aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa, que assegura o cumprimento dos princípios da legislação brasileira para todos os trabalhos que demandam a utilização de amostras de tecidos humanos.
Os avanços dos estudos relacionados a genômica, investigação molecular e aplicação de modernas técnicas de análise de DNA, RNA e proteínas têm proporcionado vitórias consideráveis em relação à confiabilidade das informações clínicas, tornando-se instrumento imprescindível para a pesquisa de tecidos biológicos. É justamente aí que se encontra o diferencial do biobanco do Hospital do Câncer. Sua estrutura tem capacidade para ir além da coleta e armazenamento de tecidos humanos congelados. Com seu Banco de Macromoléculas, o A.C. Camargo pode fornecer material de pesquisa em nível molecular.
Assim, é possível desenvolver tratamentos mais eficazes, baseados em características de um tumor em particular ou de um grupo específico de pacientes. “A maior parte dos bancos só possui a parte de tecidos congelados. Aqui, podemos especificar quais moléculas precisam ser analisadas, sendo o DNA para estudos genéticos e o RNA para estudos de regulação gênica. Assim, podemos saber quais genes estão ou não ativados naquele determinado tumor”, diz a coordenadora do setor de Macromoléculas, Dirce Maria Carraro.
O Banco de Macromoléculas totaliza cerca de cinco mil amostras, entre DNA e RNA. Os estudos moleculares que dependem desse acervo dispõem de esquema totalmente informatizado, com equipamentos de última geração e equipe qualificada. “Em um tumor, a quantidade de material genético disponível é muito grande. Normalmente, naquela quantidade pequena que é retirada existe material suficiente para vários estudos. Nós centralizamos a concentração das moléculas, RNA e DNA, e com isso ganhamos qualidade, pois é um procedimento muito bem estabelecido para evitar a degradação das moléculas. A manipulação de DNA requer cuidados, procedimentos e protocolos que são muito mais eficazes quando se tem um laboratório especializado. Aproveita-se muito mais este material, que envolveu um trabalho enorme para ser coletado”, conclui a doutora Dirce.
Desde sua fundação, o banco ofereceu amostras para projetos da própria instituição e também para outras, por meio de parcerias com colaboradores como o MD Anderson Cancer Center, dos Estados Unidos; a International Agency for Research on Cancer (IARC), da OMS, na França; a Universidade de Helsinque, na Finlândia; a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; a USP-Ribeirão Preto; o Instituto Nacional do Câncer (Inca); o Hospital de Câncer de Barretos; a Unesp de São José do Rio Preto e Bauru, entre outros.
Tendo em vista os avanços em pesquisa e tecnologia, torna-se inevitável a pergunta: é possível esperar uma cura para o câncer nas próximas décadas? Quem responde é novamente Isabela Werneck: “O câncer é uma doença, uma desorganização da proliferação celular. Só que os mecanismos que levam a isso são particulares a cada tipo de câncer. Se pensarmos que existem mais de 300 tipos e que cada paciente ativa uma determinada via, o que percebemos é que é uma doença muito mais complexa do que se imaginava antigamente. A cura globalizada, infelizmente, deve demorar muito. Provavelmente, não será assistida por nossa geração. Mas, hoje, existem tipos de males específicos, cujo mecanismo molecular podemos compreender, já temos drogas específicas para aquele defeito molecular e, por meio do tratamento, pode-se chegar a um índice de cura maior. É ai que se encontra a importância de estruturas como o banco de tumores”.
Mesmo que uma fórmula mágica para a cura do câncer esteja distante, a boa notícia é que novos biobancos devem fortalecer a batalha contra a doença, como o Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) e o Instituto Sírio-Libanês de Pesquisa, que devem estar com suas estruturaras de armazenamento de tumores em pleno funcionamento nos próximos meses.
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