Ainda é cedo para decretar a aposentadoria de cartões magnéticos, crachás, listas de senhas e o número crescente de apetrechos que bancos, empresas, clubes e repartições públicas têm obrigado clientes, visitantes e funcionários a carregar consigo em nome da segurança. Mas a tendência é que, pouco a pouco, caixas eletrônicos, catracas e outros dispositivos de acesso consigam reconhecer as pessoas com base apenas em suas características físicas, a chamada biometria. A solução tecnológica ideal, no fim, pode estar na ponta dos dedos, na palma das mãos, na íris, na voz, nas feições ou em qualquer outro detalhe que permita distinguir os seres humanos uns dos outros.
Quando o Bradesco começou, ainda em 2006, a cadastrar seus correntistas com base no desenho das veias da palma das mãos, ou palm vein, parecia ser questão de semanas, ou meses, para que os outros bancos iniciassem a contraofensiva tecnológica. Mas só agora, seis anos depois, alguns dos principais concorrentes decidiram entrar em campo para valer. Itaú, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil iniciam neste semestre campanhas de cadastramento em massa dos seus clientes.
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O Itaú iniciou os testes com clientes no ano passado, utilizando a tecnologia de reconhecimento das impressões digitais, e parte agora para a massificação do uso entre a clientela. “Nossa expectativa é de que, até o final de 2012, todas as novas contas-correntes adotem essa tecnologia. Em 2013, nossa meta é ter dispositivos de biometria em 70% dos nossos caixas eletrônicos”, informa a instituição.
A Itautec, empresa que fornece a tecnologia para o banco, administra a implantação do sistema, mas já trabalha em novas frentes. “Não existe um tipo de biometria mais adequado para todas as situações. Eles podem ser combinados, o que nos permite pensar, por exemplo, em utilizar o reconhecimento facial em agências”, afirma João Lo Ré Chagas, gerente executivo de Integração da fabricante. Ele cita a possibilidade de, no futuro, usar câmeras para identificar clientes logo ao passar a porta giratória, o que permitiria a oferta de serviços ou atendimento diferenciado.
A tecnologia de reconhecimento facial já é aplicada pela Itautec no sistema de cadastramento do Programa Passaporte Brasileiro. Além da captura de digitais e da imagem das assinaturas, a empresa gerencia as fotografias dos viajantes, que são feitas em um padrão que permite o seu uso pelas autoridades de outros países.
O diretor de Canais Digitais Bradesco Dia e Noite (BDN), Luca Cavalcanti, diz que o banco tem a seu favor, além do pioneirismo, o fato de a identificação das veias da mão ser o sistema com menor probabilidade de falha entre os existentes. “Já passamos por todas as fases de aprendizado e amadurecimento do uso da tecnologia.” A instituição espera ampliar a base de clientes cadastrados, “muito rapidamente”, de quase 9 milhões para 15 milhões em todo o Brasil. Atualmente, o banco realiza cerca de 1,5 milhões de transações diárias com biometria.
O sistema palm vein é utilizado em mais da metade dos caixas automáticos do Japão, país líder no mundo no uso desse sistema de segurança. Não por acaso, a fabricante japonesa Fujitsu é quem fornece a tecnologia ao Bradesco. Segundo Edson Siqueira, diretor de vendas da empresa no Brasil, a probabilidade de alguém não conseguir ser reconhecido pelo dispositivo que lê a palma da mão, o que os técnicos chamam de falso negativo, é de uma em dez mil. Quanto à possibilidade de ter a identidade trocada com outra pessoa – o temido falso positivo – trata-se de um risco de apenas oito chances em dez milhões.
Por ter custo mais alto, o palm vein é o mais indicado em situações específicas. Nos EUA, como por aqui, o objetivo é combater fraudes, mas o sistema é usado na identificação de clientes de seguro saúde. “Se quero trancar uma porta, a primeira pergunta é o que vai ser guardado. Do contrário, os ladrões vão tentar roubar o próprio cadeado”, afirma Siqueira. No Japão, a razão principal do uso é evitar que os clientes sejam obrigados a encostar a mão em uma mesma superfície. Basta posicionar a mão sobre a bandeja e o usuário tem a palma percorrida por um raio de luz, que não emite calor, mas é capaz de capturar a imagem do desenho das veias, que é comparada com o cadastro digitalizado.
O Banco do Brasil resolveu ficar de fora das discussões sobre qual a melhor modalidade de biometria: após realizar uma bateria de testes no segundo semestre de 2011, optou por homologar três sistemas – impressão digital e leitura de veias das mãos e dos dedos. Até o fim deste ano, de 4,5 mil a 5 mil terminais de autoatendimento serão equipados com o sistema, mas a escolha do método de reconhecimento será feita conforme o resultado de cada licitação. Em 2013, outros três mil deverão ser adaptados.
“Não encontramos nenhuma limitação para aplicar qualquer uma das modalidades escolhidas”, explica o gerente executivo de Segurança da Informação do Banco do Brasil, Luiz Fernando Martins. Ele ressalta uma característica importante, presente em todas as tecnologias modernas de biometria: só organismos vivos são reconhecidos pelas máquinas, o que elimina a ameaça macabra de um cliente ter, por exemplo, um dedo arrancado por alguém que queira tomar o seu lugar.
Outro fator-chave na implantação de sistemas biométricos é a preocupação dos clientes com a privacidade de seus dados. “Estamos negociando com bancos europeus, e lá a primeira pergunta é onde vão ficar guardadas suas digitais”, conta Lo Ré, da Itautec. “Acontece que o que fica guardado é apenas um mapa digital com as distâncias entre pontos específicos das impressões.”
No Brasil, a biometria também terá um longo caminho a percorrer na esfera dos serviços públicos, que promete ser a grande responsável pela popularização da tecnologia. A Caixa Econômica Federal está cadastrando clientes para permitir, ainda neste ano, o uso da impressão digital para efetuar saques do Bolsa Família e para permitir que os beneficiários do INSS façam a prova de vida nos terminais de autoatendimento de cerca de 500 agências. O cadastro também será usado no projeto Registro de Identidade Civil (RIC), do Ministério da Justiça. Na expansão da base de clientes cadastrados, a Caixa conta com o apoio do Tribunal Superior Eleitoral, que forneceu ao banco um milhão de registros biométricos de eleitores.
Ainda que o Brasil tenha tudo para se destacar mundialmente pela escala da aplicação das soluções de biometria, o Japão tende continuar à frente no desenvolvimento de aplicações. Lá, a última ideia em desenvolvimento por pesquisadores é o assento de carro capaz de reconhecer a pressão que o motorista faz ao sentar-se. Uma prova de que praticamente não há limites para as características que tornam as pessoas únicas no mundo.
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