Resumo
O tratamento do câncer de próstata tem passado por diversas mudanças nos últimos anos devido ao aprimoramento de tecnologias e maior conhecimento a respeito da doença e sua evolução clínica. No entanto, ainda representa um tumor de difícil tratamento quando ocorre o seu reaparecimento após o tratamento inicial.
Um recente estudo sobre o assunto, intitulado Salvage Radical Prostatectomy for Radiation-recurrent Prostate Cancer: A Multiinstitutional Collaboration, reuniu oito centros de referência internacional em pesquisa de câncer, incluindo a Universidade de São Paulo.
A análise de 404 pacientes com câncer de próstata no período de 25 anos mostrou que há possibilidade de cura mesmo após recidiva da doença. A pesquisa teve a participação de 18 profissionais, entre os quais, três médicos brasileiros, e foi publicada pela revista de maior impacto atualmente na área de urologia, European Urology. Após sua publicação, o artigo foi escolhido como o melhor trabalho de pesquisa clínica entre todos os textos veiculados pela revista no ano passado e o prêmio foi entregue ao médico Daher Chade, durante o 27o Congresso Anual da Associação Europeia de Urologia em Paris, França.
Os resultados desta pesquisa motivaram a mesma revista a organizar um novo estudo de revisão sobre o tema, com a participação dos principais pesquisadores no assunto, o que reforçou ainda mais uma mudança de paradigma no tratamento do câncer de próstata reincidente.
Palavras-chave: Câncer de próstata, Radioterapia, Terapia de Sobrevida
(*) Daher Chade é urologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, além de pesquisador do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center de Nova York e presidente do Departamento de Urologia da Associação Paulista de Medicina.
Introdução
O câncer de próstata representa o tumor maligno de maior incidência nos homens após os 50 anos de idade no mundo, e o segundo em taxa de mortalidade nesta população. No Brasil, estima-se que aproximadamente 60 mil novos casos serão diagnosticados neste ano de 2012, o que representa mais de 30% dos diagnósticos de câncer em homens. Com o advento do exame de PSA (antígeno prostático específico) e o aumento de longevidade da população, principalmente em países desenvolvidos, foi verificado um grande aumento do número de casos nos últimos 20 anos.
O sucesso do tratamento do câncer de próstata depende primariamente do estágio em que a doença é diagnosticada. Os pacientes que apresentam doença disseminada para outros órgãos ao diagnóstico não têm chances significativas de cura. No entanto, tanto aqueles que apresentam doença localizada na próstata quanto pacientes com tumor localmente avançado podem ser submetidos a tratamentos com intuito curativo. Neste cenário em que há possibilidade de eliminação do câncer, a escolha do tratamento inicial baseia-se na avaliação do paciente, com relação à sua condição clínica e estimativa de sobrevida, e na classificação de risco do tumor (agressividade do câncer de próstata medido em graus de Gleason).
Os principais tratamentos curativos do câncer de próstata atualmente são através da cirurgia (chamada prostatectomia radical) ou da radioterapia (externa ou braquiterapia). Apesar de haver importantes diferenças em relação aos riscos e complicações de cada procedimento, o tratamento mais utilizado nesta etapa é a cirurgia. No entanto, uma parcela importante dos pacientes com câncer localizado ou localmente avançado de próstata opta pela radioterapia como tratamento primário, com o objetivo de evitar as complicações inerentes ao tratamento cirúrgico.
Tanto os pacientes submetidos à cirurgia quanto à radioterapia como tratamento inicial podem apresentar o ressurgimento do câncer de próstata. Quando os pacientes operados apresentam reincidência do tumor e não há sinais de disseminação da doença para outros órgãos, a radioterapia pode ser utilizada, ainda com o intuito de eliminação completa do câncer (tratamento de resgate). Este uso da radioterapia de resgate já é bem conhecida, com diversos estudos demonstrando seus benefícios nesta situação. Já os pacientes que foram submetidos à radioterapia como tratamento inicial, quando sofrem a recidiva do câncer de próstata, são habitualmente fadados ao tratamento hormonal não-curativo, mesmo não havendo sinais de disseminação da doença. A cirurgia de resgate não costumava ser indicada por falta de dados, demonstrando a eficácia do procedimento neste momento. Porém, há um risco de até 60% dos pacientes submetidos à radioterapia como tratamento primário apresentar recidiva da doença, dependendo da série analisada. Dentre estes pacientes, no entanto, aproximadamente 95% são encaminhados para tratamento hormonal, apesar de haver claras evidências de recidiva localizada exclusiva (quando não há sinais de disseminação da doença), o que possibilitaria um tratamento localizado potencialmente curativo.
O estudo publicado na revista European Urology consistiu em uma nova possibilidade de tratamento de muitos homens com câncer de próstata reincidente. Apesar de diferentes estudos previamente mostrarem a eficácia da técnica cirúrgica, esta forma de tratamento não foi adotada pela comunidade médica até o momento, pois não havia um estudo que pudesse reunir dados suficientes para uma mudança de conduta.
A pesquisa foi liderada pela instituição americana Memorial Sloan-Kettering Cancer Center de Nova York, e reuniu três outras instituições norte-americanas, três europeias e uma brasileira (Universidade de São Paulo). Foram analisados 404 pacientes no período de 1985 a 2009, operados nestas instituições após apresentarem recidiva do câncer de próstata e descartado por exames de imagem a possibilidade de disseminação da doença fora da próstata (metástases).
O estudo também teve o objetivo de identificar fatores que determinam a recorrência bioquímica, as metástases e os óbitos após a prostatectomia radical de resgate, de modo a auxiliar os médicos na seleção de pacientes para tal procedimento.
Desenvolvimento
Os resultados foram muito promissores, levando-se em conta que estes pacientes seriam considerados anteriormente portadores de um tumor incurável e submetidos ao tratamento sistêmico hormonal, o qual é incapaz de eliminar definitivamente o câncer. A idade mediana dos pacientes foi de 65 anos e o PSA mediano de 4,5 ng/mL. O tempo entre a radioterapia e a cirurgia foi em média de 41 meses, variando de 27 a 58 meses. Mais da metade dos pacientes apresentava câncer de próstata de intermediário ou alto grau de agressividade (classificação de Gleason maior ou igual a 7), sendo que aproximadamente 25% dos casos não possibilitaram a classificação do grau. O tumor apresentava-se nos exames pré-operatórios em estágio localmente avançado (acometendo tecidos fora da próstata, porém sem evidência de metástases à distância) em 18% dos pacientes.
A análise da próstata retirada na cirurgia de resgate (exame anátomo-patológico da peça cirúrgica) mostrou que 24% dos casos apresentavam tumor de alto grau (Gleason 8 ou maior). Dentre os pacientes operados, 16% apresentavam acometimento dos linfonodos, o que significa um claro sinal de doença disseminada. Além disso, 25% apresentavam margens cirúrgicas positivas, o que aumenta o risco de nova recidiva após a cirurgia.
Dentre os 404 pacientes, 195 apresentaram recorrência bioquímica do tumor (ou seja, quando o PSA volta a aumentar após o tratamento, porém não há sinal da doença por exames de imagem), 64 desenvolveram metástases, e 40 morreram em decorrência do câncer. As estimativas estatísticas de sobrevida após dez anos da cirurgia foram de 37% sem recorrência bioquímica, 77% sem metástases, e 83% não apresentaram óbito pelo câncer.
Os principais determinantes da eficácia da cirurgia foram o grau de agressividade do tumor (classificação de Gleason) no momento da recidiva do tumor e o valor do PSA.
Após a publicação deste estudo, a Associação Europeia de Urologia coordenou um painel de especialistas dos maiores centros oncológicos europeus e americanos, os quais analisaram os 40 principais estudos publicados sobre o assunto num novo estudo de revisão. Novamente o Memorial Sloan-Kettering de Nova York liderou o estudo, também com a participação da Universidade de São Paulo.
Além da eficácia oncológica, o artigo avaliou potenciais complicações cirúrgicas e a comparação da cirurgia de resgate com as outras técnicas disponíveis, como HIFU (ultrassom de alta intensidade) e crioterapia (técnica de congelamento do tumor).
As pesquisas selecionadas como base para esta análise consistiu partirem de um total de 572 publicações científicas sobre o assunto. Dentre estas, 273 foram escolhidas para análise completa dos textos, dos quais foram selecionados os 40 melhores artigos publicados até o momento.
O estudo de revisão mostrou que, para a apropriada seleção dos pacientes que podem se beneficiar da cirurgia de resgate, são importantes os seguintes exames de imagem: cintilografia óssea, tomografia computadorizada e ressonância magnética. Nesta fase, a ressonância magnética tem atualmente a vantagem de detectar lesões que apenas podem ser evidenciadas através da utilização de uma nova tecnologia chamada de sequência de difusão, disponível nos equipamentos mais modernos. Após demonstrada ausência de doença disseminada para outros órgãos, realiza-se a biópsia de próstata para comprovação da recidiva local.
Confirmada a recorrência do tumor, a orientação atual da maioria dos autores é de indicar cirurgia de resgate em casos com expectativa de vida maior de dez anos, definida conforme as comorbidades clínicas e a idade do paciente.
Os resultados oncológicos do artigo de revisão evidenciaram achados semelhantes ao nosso estudo prévio, com sobrevida global variando de 54% a 89% após dez anos da cirurgia de resgate. Um dos estudos analisados demonstrou que não houve benefício no tempo de sobrevida dos pacientes que receberam tratamento hormonal em conjunto com a cirurgia.
Ficou evidente que os estudos publicados antes de 2000 apresentavam resultados inferiores aos artigos publicados após aquele ano. Além de melhores resultados oncológicos em relação ao controle do tumor pela cirurgia, houve redução dos casos de câncer localmente avançado (acometimento fora da próstata), o que contribuiu no resultado obtido. Um dos estudos da revisão encontrou um aumento de 20% de sobrevida 5 anos após a cirurgia quando comparados os casos operados antes de 1993 versus os casos operados após este ano.
Dentre as principais complicações, a incontinência ocorre em aproximadamente 20% dos casos, a disfunção erétil (impotência) em metade dos casos que apresentavam potência sexual preservada antes da cirurgia, e ainda estreitamento da uretra, que varia de 10% a 30% dos casos. Da mesma forma que os resultados oncológicos, as complicações também têm ocorrido com menor frequência nos estudos mais recentes.
Conclusão
Portanto, neste novo estudo, foi concluído que esta é a melhor terapêutica em relação a qualquer outra opção, pois evidenciaram uma alta incidência de cura do câncer recorrente e uma baixa taxa de efeitos adversos decorrentes do tratamento cirúrgico. Com isso, se reafirmou que a cirurgia voltou a ser considerada o melhor tratamento para o câncer reincidente de próstata após radioterapia, quando não há evidência clínica de metástases.
Até este estudo, acreditava-se que as novas tecnologias poderiam ser equiparadas ou superior ao resultado obtido com a cirurgia, o que não se confirmou. Os dados levantados ainda revelaram que a técnica cirúrgica pode ser realizada por via aberta (cirurgia convencional), laparoscópica ou robótica, com eficácia similar. Os resultados demonstram que as novas tecnologias, como o HIFU, são inferiores aos da cirurgia ou não possuem estudos que comprovem com nível de evidência suficiente para promover mudança de conduta.
Desta forma, com o estudo premiado pela Associação Europeia em conjunto com o novo artigo de revisão, há uma possibilidade de mudança significativa na conduta do tratamento do câncer de próstata reincidente daqui para frente, influenciando a vida de muitos doentes nesta fase do tratamento.
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