Gigantes no divã

À prova de fraude? -  Ronaldo Fragoso trabalha há 25 anos implantando setores de compliance em empresas preocupadas em se proteger da corrupção. Foto: Luiza Sigulem
Ronaldo Fragoso trabalha há 25 anos implantando setores de compliance em empresas preocupadas em se proteger da corrupção. Foto: Coil Lopes

Foi durante um evento com empresários e membros do Judiciário que um procurador da Lava Jato discorreu sobre os efeitos da Lei Anticorrupção, em vigor no Brasil desde 2013. “Ele dizia que altos funcionários tendiam a se arriscar em algum ato ilícito quando percebiam que o benefício da corrupção compensava os riscos da pena”, recorda-se Ronaldo Fragoso, o sócio-líder de consultoria em gestão de riscos da Deloitte no Brasil, uma multinacional com 400 funcionários no País dedicados a investigar e prevenir atos de corrupção dentro de empresas.

Se de um lado a lei passou a exigir das companhias uma tonelada de novas regras, de outro a Operação Lava Jato provocou uma crise de consciência, principalmente entre as gigantes de capital aberto. Sob o temor de assistir a um dos seus funcionários algemados em rede nacional e de quebra perder dinheiro com a fuga de investidores, a opção foi colocar a mão no bolso e gastar até alguns milhões para criar o que o mercado chama de compliance, um setor inteiro anticorrupção. Todo mundo entra na análise: do revendedor ao alto executivo.  Na Petrobras, cerca de mil pessoas são investigadas internamente. Envolvida na Laja Jato, a empreiteira Camargo Corrêa iniciou um programa de delação interna para encorajar seus 15 mil funcionários a colaborar com as investigações da Polícia Federal.

Uma pesquisa da Deloitte com 103 empresas mostra os efeitos da lei e da operação. No ano passado, 65% delas já tinham algum programa do gênero. Eram 30% em 2013. Não é para menos. A desvalorização de uma empresa envolvida em um escândalo de grandes proporções pode chegar a 90% de seu valor. “A corrupção é como um câncer mesmo. Se negligenciar, ele se espalha pelo corpo e te mata.”

Brasileiros O que é compliance e como esse termo nasceu?
Ronaldo FragosoCompliance significa estar em conformidade com determinada regra, que pode ser de natureza externa, como uma lei, ou uma orientação da própria empresa. O conceito já está nos mercados maduros há mais de 40 anos, quando os americanos adotaram o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), que serviu de norte para a nossa Lei Anticorrupção. No início, essas regras ganharam fama por penalizar funcionários corruptos até com prisão. Isso foi evoluindo até a aprovação da Sarbanes-Oxley (aplicada a todas as empresas em território americano, mesmo estrangeiras). Essas regras afetaram principalmente as empresas de capital aberto, que perceberam que não era mais possível se adequar a regras externas se a empresa não contasse com pessoas treinadas e mecanismos próprios de avaliação.

E quando esses departamentos chegaram ao Brasil?
Eles chegaram primeiro em 2002, depois da Sarbanes-Oxley, mas principalmente após a aprovação da Lei Anticorrupção. De três anos para cá, várias empresas, e não só as de capital aberto, perceberam que também poderiam ser afetadas pela legislação, principalmente as que se relacionam com governos. Foi um efeito manada.

De que forma as empresas iniciaram a readaptação?
Para começar, inicia-se uma discussão interna e treinamento de funcionários. Estruturalmente, cria-se canal de denúncia, um comitê de governança corporativa, como auditoria interna e gestão de risco.

A que tipo de empresa o compliance é aconselhável?
Aquelas com faturamento de pelo menos R$ 100 milhões por ano e muitos funcionários. Quanto maior a empresa, mais complexo o programa. Já uma microempresa só terá essa preocupação quando ganhar empregados. Mas como a lei vale para todos, pelo menos o dono e o gestor precisam ter um olho sobre isso.

E como essa nova cultura muda a percepção dos funcionários?O interesse aumenta quando eles veem algum empresário conhecido sendo preso. “Significa que alguém na minha empresa pode ser preso amanhã, até meu presidente?” E tem histórias de pessoas que eles conhecem que acabaram presas, indiciadas. Isso cria um interesse coletivo e a necessidade de as empresas tomarem providências eficientes.

As redes sociais e a “viralização” de denúncias de corrupção aceleram o combate aos desvios em uma empresa?

A velocidade da informação na rede social cria preocupação muito maior. Se antes as companhias eram mais descuidadas, hoje elas sabem que estão sujeitas a uma exposição gigantesca. O que antes demoraria meses até que a população soubesse, hoje leva minutos. A polêmica começa nas redes sociais, vai para o jornal, televisão, rádio. A gente mesmo tem um serviço chamado brand protect, que monitora a percepção das marcas de acordo com o que se fala delas nas redes.

O gigantismo das companhias no mundo globalizado facilita a prática de corrupção?
A cultura empresarial é que precisa mudar: o exemplo vem de cima, de maus administradores. Isso contribui muito para o comportamento da companhia. Agregue a isso uma empresa complexa, que atua em centenas de países, tem relacionamento com governos de tudo quanto é lugar… Mas a forma como a empresa lida com a corrupção é mais determinante do que o tamanho dela.

Essas práticas são mais frequentes no alto ou baixo escalão?
Tem de separar fraude da corrupção. Fraude é uma vantagem pessoal em uma área de suprimentos, vendas, em nível operacional. Ali os montantes não são tão relevantes. Corrupção envolve gente de alto escalão ou uma cadeia maior de pessoas e atinge grandes valores, contratos, licitação. Precisa de mais gente porque a complexidade do processo é maior.

Qual o papel dos executivos na conscientização dos funcionários?
O comportamento deles é preponderante. Essas pessoas são o exemplo. Se elas aceitam determinadas negociações, conversam com sua equipe sobre como burlar regras, esse processo se dissemina e a empresa começa a entender que isso pode ser feito, e dificilmente você consegue corrigir.

Quando o aconselhamento é melhor do que a punição? Segunda chance é permitida a um funcionário comprovadamente corrupto?
A penalidade está diretamente ligada ao fato. Se a empresa tem uma política que proíbe dar ou receber presentes com quem negocia e alguém burla essa regra, recomenda-se uma advertência, suspensão ou pena específica. Diferente de quando há uma denúncia de corrupção em um contrato, em que aquela pessoa tem relação de parentesco com a empresa contratante. Nesse caso não há nada que se possa fazer a não ser desligar o funcionário, inclusive por justa causa se a regra da empresa for clara a esse respeito. É demitir, buscar reparação na Justiça e recuperar os danos para mostrar que se está atuando.

Quanto tempo pode levar para recuperar uma empresa que passou por um grande escândalo?

A desvalorização de uma empresa chega a 50%, 80%, às vezes 90% de seu valor. Para recuperar, pode demorar um, dois, cinco anos. Mas tem caso que você não recupera nunca. Em algumas, cria-se uma bola de neve. Acaba entrando em recuperação judicial e fecha sem recuperar seu valor. Já outras reagem rapidamente e saem da crise em seis meses, um ano. A corrupção é como um câncer mesmo. Se negligenciar, ele se espalha pelo corpo e te mata.

E por que é melhor terceirizar esse ser­viço?
Quando uma empresa sofre um processo desses, ela não consegue fiscalizar e criar regras de controle interno utilizando as mesmas pessoas. Ela precisa de auxílio externo, o que traz conforto para a administração, mercado e órgão regulador, que às vezes exige a contratação de uma empresa externa para garantir a independência do trabalho.

E quanto custa para implantar um programa desses?
Pode ficar entre R$ 100 mil e R$ 200 mil, e depois amplia. Tem empresa que gasta alguns milhões, mas depende da complexidade. Agora, quando se trata de uma companhia global já com problema grave, como Siemens e Volkswagen, são centenas de milhões, até bilhões de dólares em novos programas, novo pessoal, mas esses são casos extremos.

Qual o tamanho do prejuízo que o com­pliance pode evitar em uma empresa que não esteja envolvida em corrupção?
As fraudes e a corrupção causam perdas de receita que podem chegar a 5% do faturamento. É preciso notar que a vantagem financeira da corrupção acaba se perdendo com o tempo.

No Brasil, a procura aumentou depois da Lava Jato?
É um fato. Uma quantidade muito grande de empresas colocou essa pauta nas reuniões de conselho e diretoria executiva. Sou chamado para explicar quais são as boas práticas, os passos que precisam ser dados, quais as áreas críticas, exemplos a serem seguidos… Virou assunto principalmente nas empresas reguladas, do mercado aberto, como energia, Telecom, setor público. Elas têm uma preocupação maior porque devem satisfação tanto ao mercado quanto ao órgão regulador. Elas têm de garantir que seus mecanismos respondam a requisitos do Ministério Público, CGU (Controladoria-Geral da União), Polícia Federal, Banco Central.

E como as companhias envolvidas na operação tentam se readequar?
Elas estão refazendo ou fortalecendo sua estrutura de compliance para, no final do dia, preservar o que vale: gerar e proteger valor para seus acionistas. A Siemens e a Volkswagen admitiram que suas estruturas não eram suficientes e várias delas passaram a investir nisso para reconquistar a confiança dos investidores.

Em que proporção os setores de compliance vão crescer no Brasil nos próximos anos?
Eu diria que de 30% a 50% em relação ao que se tem hoje. Falo por nós mesmos. Tivemos um incremento em mais de 50% de nossos profissionais nos últimos dois anos. As empresas terão de se movimentar nessa proporção. Se ela tem três pessoas dedicadas à área, vai precisar dobrar. Mas se tem dez, vai contratar uma ou duas.

O senso comum diz que “o Brasil é um país mais corrupto do que a média”. A atuação da Delloite no exterior comprova essa tese?
Nós usamos um índice independente de corrupção global que mostra o aumento da percepção de que a corrupção piorou no Brasil. Algumas teorias dizem que isso sempre aconteceu, mas a gente não via. Minha sensação é que, nos últimos anos, houve aumento de casos, sim. Agora, houve mais investigação também. Nós vamos conviver com isso por alguns anos ainda. Ficou parecendo que estava tudo bem nos últimos anos, mas, de repente, não estava. Agora parece que toda empresa é corrupta, todo governo é corrupto, e não é. Na verdade, não estava tão bem antes, nem está tão ruim agora.

E é possível apontar um país em que as práticas empresariais sejam notadamente honestas?
Não existe nenhum país 100%. Os índices dos países nórdicos e do Canadá estão bem acima do nosso. Eles são considerados mais honestos em diversos aspectos, como atravessar na faixa e só quando o sinal permite. Coisas que aqui a gente ainda vai demorar um tempo para assimilar. Mas isso não quer dizer que não haja corrupção nesses lugares. Sempre existiu e sempre vai existir. O que se pode fazer é reduzir a corrupção.

Como a Deloitte lida com os casos de corrupção fora do Brasil?
Temos um centro de governança corporativa global em que discutimos essas práticas no mundo todo. O que está acontecendo nos Estados Unidos, Londres, Japão, França, no Brasil, no Chile. O nosso modelo de lei anticorrupção é muito parecido com a lei norte-americana. Essas coisas conversam entre si.

A politização da Lava Jato não pode prejudicar o futuro de algumas construtoras, trazendo riscos para o País?
Todos vão sofrer, seja a Petrobras, sejam as construtoras. Mas acredito que elas estão fazendo a lição de casa para restabelecer a confiança perdida. Não acho que será uma catástrofe que vá matar as empresas. A Lava Jato já cria mudanças internas. Será um fator determinante para o futuro do País ao criar uma consciência coletiva sobre a importância de inibir a corrupção.


Comentários

Uma resposta para “Gigantes no divã”

  1. Avatar de MONTAX - informação
    MONTAX – informação

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