Sob a capa bacharelesca e midiática do justiçamento moralista, a Operação Lava Jato é, simultaneamente, uma tragédia e uma farsa. Seu fim último sempre foi criminalizar a esquerda em geral, o PT em particular e Lula em especial, e para isso tem lançado mão de todos os meios, mas seus efeitos sobre a economia são trágicos e sua suposta “limpeza” do ambiente político é farsesca.
Passados três anos do início da Operação, de acordo com as estimativas do Ministério Público e da Polícia Federal apenas a Petrobrás perdeu cerca de R$ 6,2 bilhões em pagamentos de propinas, outros R$ 42 bilhões foram desviados em formação de cartel, superfaturamento em obras e fraudes em licitações.
Os valores são vultuosos e explicitam os problemas estruturais da relação entre o setor público e a iniciativa privada no país. Não se trata de um problema recente, o capitalismo brasileiro se formou tardiamente com o capital estatal absorvendo riscos em setores que exigiam mais densidade tecnológica e de financiamento e gerando demandas e retornos para o capital privado nacional, ambos amalgamados pela presença do capital privado internacional.
A sobreposição dos interesses privados sobre os interesses públicos é uma das características nefastas da economia de mercado, mas no caso do Brasil – país cuja elite transitou do mundo do colonialismo para o universo da indústria cultural sem Iluminismo e valores modernos interligando uma ponta e outra – o privado se reduz ao familiar e o público se resume ao estatal, daí a profusão de problemas oriundos da lógica dos favores, compadrios, clientelismos, fisiologismos e toda sorte de patologias de uma cultura política com déficit de republicanismo, tanto entre a classe política quanto entre a elite econômica, mas também perpassando todas as relações do nosso tecido social tão permeável pelos pequenos delitos do cotidiano. Tal problema precisa ser enfrentado, entretanto, não é lícito associar imediatamente a defesa da Operação Lava Jato à defesa do combate à corrupção no Brasil. Vejamos.
Prejuízos econômicos provocados pela Operação Lava Jato
A força tarefa da Operação Lava Jato tem promovido o desmonte de importantes setores da economia nacional, tais como a indústria petrolífera, a construção civil, a metal-mecânica, a indústria naval, a engenharia pesada, além do programa nuclear brasileiro. O resultado é uma baixa de cerca de R$ 142 bilhões nesses setores.
Ou seja: a Lava Jato já produziu três vezes mais prejuízos econômicos do que aquilo que ela avalia ter sido desviado com corrupção. Estima-se que em 2015 e 2016 a Operação Lava Jato tenha sido responsável por um impacto negativo de 2,5% do PIB em cada ano; mais ainda: em 2015 a força tarefa provocou a redução do equivalente a 2,0% do PIB em investimentos da Petrobrás e a diminuição do equivalente a 2,8% do PIB em investimentos das construtoras e empreiteiras; em 2016 calcula-se que a Operação tenha sido responsável pelo encolhimento de 5,0% dos investimentos em formação bruta de capital fixo no país. Além disso, a perda acumulada com a queda na arrecadação de impostos para União, Estados e Municípios, pode ultrapassar a cifra dos R$ 10 bilhões em 2017. Evidentemente, tais números também são reflexo da crise econômica, mas não é possível compreender a recessão brasileira sem levar em consideração como a Lava Jato funciona apenas lançando mais gasolina em um incêndio de proporções significativas.
Prejuízos sociais provocados pela Operação Lava Jato
Do ponto de vista do mercado de trabalho, a Lava Jato é responsável pela perda, direta ou indireta, de cerca de 3,5 milhões de postos de trabalho em 2015 e 2016.
A construção civil experimentou queda de 441 mil empregos entre 2015 e 2016, a construção pesada queda de 293 mil empregos entre janeiro de 2015 e janeiro de 2017, o setor naval queda de 44 mil empregos entre 2014 e 2016, a indústria extrativa e mineral queda de 38 mil empregos; apenas na Petrobrás o número de trabalhadores próprios caiu de 86 mil para 68 mil e o número de trabalhadores terceirizados diminuiu de 360 mil para 120 mil, entre 2013 e 2016. Talvez não seja exagero supor que cerca de ¼ do desemprego no Brasil tem relação direta ou indireta com os impactos da Operação Lava Jato.
Entre 2014 e 2016, a Odebrecht demitiu cerca de 160 mil trabalhadores, a Andrade Gutierrez demitiu 85 mil, a Camargo Correa 25 mil, a Queiroz Galvão 13 mil e a UTC 14 mil, apenas para mencionar algumas empresas mais diretamente envolvidas no caso. Não se trata aqui de contemporizar ou minimizar a responsabilidade de um empresariado caracterizado por práticas de mercado conhecidamente predatórias, mas é curioso observar como enquanto as empresas desmontam, seus proprietários seguem desfrutando de prisão domiciliar e de patrimônios vultosos.
Ineficiência na recuperação dos valores mercantis e na promoção de valores éticos
Apesar de estimar um prejuízo de cerca de R$ 6,2 bilhões apenas na Petrobrás, a Lava Jato até agora só conseguiu efetivamente devolver R$ 662 milhões para a empresa, pouco mais de 10% de todo o valor desviado. O baixo desempenho deve-se a dificuldades econômicas e jurídicas intrínsecas a esse tipo de processo e ao fato de que parte dos recursos desviados segue empatada sob forma de imóveis e outros patrimônios, mas há por trás disso também um outro fator pouco problematizado no debate público: cada delação premiada inclui uma chamada cláusula de performance, ou cláusula de sucesso, que consiste em uma negociação onde o delator recebe uma porcentagem do dinheiro que a delação ajudou a encontrar, o caso do de Alberto Youssef é emblemático e ele receberá 2% de todo o dinheiro que ajudará a recuperar, até agora o doleiro deve receber algo em torno de R$ 20 milhões até o final da ação.
Considerando o número de delações premiadas e a ausência de clareza na negociação das cláusulas de performance, são 77 ex-executivos apenas da Odebrecht, não seria surpreendente se a maior parte do dinheiro encontrado fosse devolvida aos delatores por meio desse expediente que, apesar de legal, é explicitamente anti-ético.
Mais ainda, em média cada fase da Operação custa cerca de R$ 156 mil aos cofres públicos, até março de 2017 foram deflagradas 38 fases totalizando cerca de R$ 5,9 milhões, ou seja: é absolutamente factível que as quantias de dinheiro devolvidas a cada delator seja maior do que o custo de cada fase da Operação, daí sua flagrante ineficiência econômica, pois, trata-se de utilizar recursos públicos para devolver dinheiro a corruptos e corruptores.
Conclusão
Há na nossa trajetória histórica uma articulação espúria entre Estado e mercado, contemporaneamente visível na ligação entre a licitação de grandes obras e o financiamento de engrenagens políticas. A iniciativa privada paga suas benesses, propinas e afins com recursos públicos; os potentados eleitorais negociam seus interesses pessoais oferecendo como moeda de troca as empresas estatais.
No capitalismo cleptocrata brasileiro, de altíssimos retornos com baixíssimos riscos, nem a iniciativa privada tem suficiente iniciativa nem o poder público é de fato público. Fica o dilema: é possível acabar com a corrupção sem inviabilizar o crescimento econômico? Ou, por outra, é possível retomar o crescimento econômico sem reiterar a corrupção? Enquanto não houver uma reforma política e uma reforma fiscal capazes de ajustar a relação entre os interesses privados e os interesses públicos no Brasil seguiremos caminhando pelo submundo das delações premiadas e dos acordos de leniência, com a judicialização da política e a policialização da economia.
O combate à corrupção é mais do que necessário nessas plagas, mas, para além da constatação óbvia, reiterada à exaustão e de maneira quase entediante, sobre a mistura entre o público e o privado no Brasil, o campo progressista precisa se ocupar de debater regulamentações e normas para public affairs, advocacy e lobbying no país. Nesse sentido, a Operação Lava Jato está longe de ser a panaceia que resolverá nossos problemas, dada sua ineficiência econômica, sua parcialidade política e seu caráter anti-nacional e anti-popular.
*Cientista político, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, coordenador da Cátedra Celso Furtado-FESPSP
** Os dados mencionados no artigo sistematizam informações de relatórios da Consultoria Tendências, da Consultoria GO Associados, da FGV, da FIESP e do Valor Data.
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