Moeda contra o crime

cédula Nota de dois cocais, alternativa ao real  que aqueceu a economia e livrou dos assaltos  São João do Arraial, a 253 quilômetros de Teresina
Nota de dois cocais, alternativa ao real que aqueceu a economia e livrou dos assaltos São João do Arraial, a 253 quilômetros de Teresina

Mirou no que viu, acertou no que nem imaginava. Foi assim que São João do Arraial, a 253 quilômetros de Teresina (PI), ganhou o noticiário no mês passado: fazia um ano que a cidade de 7.337 habitantes não sofria um único assalto. A razão? Um pedaço de papel com aparência de vale transporte, mas com um poder imenso – o cocal, a “moeda social” que o município adotou em 2005 para fomentar a economia e que acabou servindo para reduzir a criminalidade. “A cidade está bem mais segura do que antigamente”, confirma Adail Marques, que tem outra razão para celebrar o cocal. Ele abriu um negócio próprio graças ao financiamento barato oferecido pelo banco comunitário criado para cuidar da nova moeda. “Comecei com uma bicicleta, hoje uso uma moto para fazer entregas.”

São João do Arraial não é a primeira experiência com moedas sociais. O cocal é parte de um fenômeno iniciado em 1998, no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, quando o primeiro banco comunitário do Brasil foi fundado, o Banco Palmas, responsável por cuidar da primeira moeda do tipo, a palma, de 2001. No bairro de 30 mil habitantes, 260 pontos comerciais aceitam a cédula, devidamente regulamentada pelo Banco Central.

Segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, circulam no Brasil mais de R$ 500 mil em moedas sociais, com uma estimativa de 350 mil pessoas fazendo uso delas. O segredo é simples: elas permitem que a riqueza criada pela comunidade circule dentro dela, ampliando o poder do comércio ao estimular o consumo local. Essa foi a lógica adotada a partir de então por 113 municípios brasileiros, como Palmácia (CE), cuja moeda foi batizada de palmeira. Em Alcântara (MA), a população paga suas contas com o guará, em Dourados (MS), com o pirapirê. No Rio Grande do Norte, o Banco Solidário de Gostoso, em São Miguel do Gostoso, nasceu em 2013 para fazer circular as cédulas de 0,50, 1, 2, 5 e 10 gostosos, um projeto da Universidade Federal da Bahia. 

O resultado é a geração de trabalho e renda, explica Mauro Rodrigues, coordenador do Banco dos Cocais. “Somos parte de uma rede de bancos comunitários, de ideal parecido: proporcionar o desenvolvimento e inclusão social das pessoas para quem ele serve.” Na cidade, ele explica, muitos são pobres, analfabetos, excluídos do sistema financeiro. Além de garantir a concentração do dinheiro na cidade, o banco oferece uma linha de crédito para o perfil desses cidadãos.“Aqui ninguém precisa de R$ 4 mil, mas de um pequeno valor para aumentar a renda. É a mulher que borda e precisa de R$ 400 para comprar linha. Num banco convencional, ela não teria esse crédito.”

A instituição aproveita para educar a população financeiramente. Rodrigues explica que, ao emprestar cocais a alguém, “fazemos uma reunião de avaliação de risco e uma simulação do quanto será preciso investir”. Foi assim que seu Adail conseguiu abrir seu negócio. A Pedra Branca Produtos de Limpeza virou realidade em 2008. Ele pediu R$ 500 para fabricar produtos de limpeza, como detergente, desinfetante e sabão líquido. “Eu fazia entregas em domicílio com uma bicicleta.” Oito anos depois e mais alguns empréstimos, as entregas agora são feitas por moto “até nas cidades vizinhas”, e parte da residência virou ponto de venda. “O que falta agora é embalagem própria. Ainda estou reciclando.”

Melhor que isso só o efeito inesperado. Rodrigues lembra que o empresariado fica mais tranquilo em ter nos cofres cocais em vez de reais, longe dos assaltantes “que vivem a 20, 30 quilômetros dali” e faziam visitas regulares a São João do Arraial. “Como você pode assaltar uma pessoa se o dinheiro não poderá ser usado em outro lugar?”


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