“Retomada do poder pela direita na América Latina não põe fim ao ciclo progressista”

Pedro Pablo Kuczynski e Keiko Fujimori disputaram segundo turno das eleições presidenciais no Peru. EBC/ Agência Andina
Pedro Pablo Kuczynski e Keiko Fujimori disputaram o segundo turno das eleições presidenciais no Peru – Foto: EBC/Agência Andina

Não é só no Brasil que a direita conservadora ganha terreno. Pedro Pablo ­Kuczynski, político de centro-direita, foi eleito presidente do Peru no último domingo (5). Ex-banqueiro de Wall Street, sucedeu Ollanta Humala, do partido nacionalista, de perfil progressista. Depois de 12 anos sob de kirchnerismo na Argentina, Mauricio Macri, também de centro-direita, foi eleito presidente em novembro do ano passado. Na Venezuela, o herdeiro da Revolução Bolivariana de Hugo Chávez, Nicolás Maduro, viveu uma grande derrota nas últimas eleições legislativas. Após 17 anos, o poder chavista perdeu o controle da Assembleia Nacional: a oposição conquistou 112 das 167 cadeiras. No Brasil, o PT foi tirado – pelo menos temporariamente – da Presidência da República após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, em maio.

Em entrevista à Brasileiros, a pesquisadora do Conselho de Assuntos Hemisféricos (COHA) em Washington, Aline Piva, afirmou que se trata apenas de “um cansaço geral das populações” com as políticas das últimas décadas, mas que isso não significa o fim de um ciclo de esquerda na América Latina, iniciado nos anos 2000. A diferença, de acordo com Aline, é que boa parte dos latino-americanos já não vai permitir que sejam feitas mudanças exageradamente liberais, como a volta completa das políticas econômicas dos anos 80 ou 90. 

De outra linha teórica, Jean Jacques Kourliandsky, pesquisador do Instituto das Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), na França, acredita que a crise econômica atravessada pelo continente “causou essa alternância de poderes” e que os votos da população devem ser vistos como “sanções” contra políticas progressistas que decepcionaram.

A reportagem fez as mesmas perguntas para os dois entrevistados. Confira os principais trechos:

Revista Brasileiros – De acordo com vocês, a multiplicação das vitórias da direita ilustra uma nova tendência no continente latino-americano? Trata-se do fim de um ciclo de esquerda?
Aline Piva – Acredito que se trata de uma nova dinâmica tanto da situação dos governos progressistas quanto da relação que existe entre Estados e sociedades. Não penso que chegamos ao fim de um ciclo, nem que os progressistas estejam perdendo espaço. Essa perda vai gerando laços mais fortes entre todas as forças de esquerda, como os partidos e os movimentos sociais, mesmo entre sociedades civis não organizadas. É um momento de retomada, de balanço e de reorganização dos governos progressistas.

Kourliandsky – Ao observar os resultados, é uma tendência sim. Como podíamos observar há uns dez anos no mesmo continente, mas com o contrário, com vitórias de partidos progressistas. Sobre o fim de um ciclo, acredito que simplesmente é a conjuntura econômica que causou uma alternância política, na medida em que são circunstâncias que podem mudar.

Mauricio Macri ganhou na Argentina com 52 % dos votos, Pedro Pablo ­Kuczynski com 50,12 %? Não foram vitórias apertadas demais?
Aline – Não houve um movimento à direita. O que houve foi uma desmobilização de partes dos eleitores da esquerda e isso abriu um espaço para a direita. Foi o caso, por exemplo, do Mauricio Macri na Argentina. As vitórias foram de uma maioria muito pequena. Além da dificuldade de ganhar as eleições, também existem mobilizações de rua contra a política neoliberal, como agora no Brasil e na Argentina, por exemplo. Revela que, na verdade, nem existe um amplo apoio da sociedade para um novo ciclo conservador. No Peru, tradicionalmente conservador, vejo um avanço para os governos progressistas pois a eleição de Pedro Pablo ­Kuczynski se deve ao apoio da esquerdista Verónika Mendoza no segundo torno. Isso pode mostrar que não se trata de um fim de ciclo.

Kourliandsky – Os eleitores recusam os governos que não lhe satisfazem. Há 10, 15 anos, as políticas neoliberais de austeridade foram rejeitadas por todos os países latino-americanos, que votaram em políticas progressistas e nacionalistas. Hoje, assistimos ao movimento contrário e está diretamente vinculado com a grave crise econômica que atravessa o continente. Para explicar as vitórias apertadas, diria que em cada um desses países simplesmente votou-se a favor de uma alternância.

Mauricio Macri, presidente da Argentina, é filho de um dos mais importantes empresários do país. Foto: EBC
Mauricio Macri, presidente da Argentina, é filho de um dos mais importantes empresários do país – Foto: EBC

Que tipo de direita é essa que chega ao poder?
Aline – Já não se trata daquela direita tradicional que ganha o poder com pautas neoliberais. Diria que é um nova direita com aparência de esquerda, mas com viés conservador. A direita não conseguiu vender uma plataforma de fato conservadora nos últimos tempos.

Kourliandsky – Os que foram eleitos defendem políticas de retorno à globalização. Querem privilegiar relações com os Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Japão e China. Inclusive, o presidente do Peru disse que a primeira viagem a ser organizada será para Pequim.

O que podemos esperar pela frente?
Aline – As políticas sociais dos governos progressistas geraram mudanças profundas na sociedade e fizeram com que a população começasse a fazer parte da política. Acho que a resposta será forte nas ruas em caso de políticas neoliberais. As sociedades já não vão permitir retrocessos, como a volta das políticas dos anos 80 ou 90. A demanda de hoje é conseguir mais espaço nas decisões sobre melhora nas estruturas em saúde ou educação. Os governos progressistas não tiveram o tempo de atender a todas essas demandas.

Kourliandsky – A América Latina vai se aproximar dos países desenvolvidos em acordos bilaterais. E, talvez, vamos assistir a um novo regionalismo aberto, o que já pratica o Chile. Significa que não teremos mais parcerias privilegiadas entre os países da América Latina. Todos estariam em concorrência em um enorme mercado aberto. Quanto às populações, acredito que voltaremos às políticas de equilibro orçamental, que supõem cortes sociais relativos, já que os novos governos absorveram o que aconteceu 10 ou 15 anos atrás. No caso da Argentina, por exemplo, Macri aumenta os preços dos serviços públicos de um outro lado, mas pretende aumentar os salários de outro em razão da pressão das manifestações sindicais. Assistimos a um jogo de vai e vem que, na verdade, não tem muita coerência.

Nos Estados Unidos também existe a polarização, observada com a proximidade das eleições presidenciais. Como a eleição por lá afetará o continente? 
Aline – Acho que existe um cansaço da política tradicional, por isso surgiu a figura do Donald Trump: é um fenômeno global. Agora, o que mudará para a América Latina se Trump for eleito, é difícil saber. O candidato é muito instável. O que se observa a partir da campanha é que ele está dando prioridade a uma política nacionalista.

Kourliandsky – Iniciou-se uma fase de incerteza. Entramos no desconhecido mesmo nos Estados Unidos. Com base nas políticas praticadas por republicanos que passaram pela Casa Branca, Trump, se eleito, deverá recorrer a intervenções terrestres nos países na América Latina e no resto do mundo. Mas se a vitoriosa for Hilary Clinton, acredito que continuará a política do democrata Barack Obama de defesa dos interesses do país mas com maior respeito às democracias e forte pressão diplomática.


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