Que os instrumentistas brasileiros estão entre os melhores do mundo, todos sabem, mas que os espaços para eles se apresentarem são poucos em diversas cidades, como o Rio de Janeiro, também é uma realidade. Isso leva, normalmente, a grande maioria a só se exibir junto aos medalhões da nossa MPB. Caso do pianista Tomás Improta, que acompanhou Chico, Caetano e Bethânia, entre outros, e, ainda que estivesse em franco agito nos bastidores – gravou cinco CDs e escreveu livros -, à exceção de pequenas apresentações, há quase 20 anos não tocava nas noites do Rio. Mas, nessa cidade que não perde a majestade, o craque Tomás está de volta e em muito boa companhia. Ao lado de Marcelo Padre (sax e flauta), Rodrigo Ferreira (baixo), Kleberson Caetano (bateria) e Mike Ryan (trompete, flugel – variação do trompete clássico -, voz e percussão), ele forma o quinteto que faz enorme sucesso no Triboz, a primeira casa de jazz na Lapa.
Aqui entra a magia do solo brasileiro que fez o músico e empresário australiano Mike Ryan ao desembarcar no Galeão, em 1985, e sentir o cheiro – “uma mistura de álcool e alho” -, entender que nesse lugar viveria o resto da sua vida. O país do samba, que ouvira pela primeira vez, na Austrália, e que o seduziu perdidamente, assim como a bossa nova. De fato, no trompete ou na percussão, Mike esbanja muito suingue, no mais puro estilo verde e amarelo.
[nggallery id=15410]
No espaço, definido como Centro Cultural Brasil-Austrália, aberto a todas as expressões musicais, embora predomine o jazz, “quanto mais originalidade na criação, mais afinidade com o conceito almejado”, assegura Mike. A liberdade atrai os músicos (do mundo todo), fascina o público, que lota o Triboz de quinta a sábado, e já obriga a casa a funcionar com reservas antecipadas, especialmente quando o cardápio inclui um tributo a Miles Davis ou a Chet Baker, dois belos momentos na história do charmoso sobrado, que completou um ano em junho. Pouco se ouvira falar do lugar e muita gente boa já tinha tocado ali, como o pianista João Carlos Assis Brasil e a guitarrista Julie Bavan, da Nova Zelândia.
Animados com a experiência, os músicos do quinteto, no entanto, reconhecem a carência de casas do gênero e apontam a indústria fonográfica como a responsável pela discrepância entre o valor real do músico e o que ele recebe. “Em nenhuma outra profissão existe tanta diferença”, vaticina Tomás Improta. E lembra, indignado, o grande trompetista Barrosinho, fundador da Banda Black Rio, que brilhou em Montreaux, e morreu esquecido no Brasil. “A indústria fonográfica não se preocupa em apresentar bons trabalhos no mercado para as pessoas ouvirem ou conhecerem, é só vender”, protesta o pianista.
Para Marcelo (Nascimento) Padre, mineiro, que ganhou o apelido na infância por ter feito o papel de padre numa peça sobre a Inconfidência, o Brasil é um caso peculiar, apesar da pressão da indústria. “É dos raros países que têm inúmeros superstars rolando o mundo, não se trata de banda, e sim de nomes como Caetano e Gil”, exemplifica. Formado em jazz no Canadá, onde morou 25 anos, por conta da alegria de tocar no Triboz, está se radicando no Rio.
A baixa qualidade das músicas nas rádios é outra crítica, atribuída à falta de critério das grandes gravadoras internacionais. “É um equívoco, que leva jovens músicos ao sucesso rápido, à grana fácil, e às vezes, só por emplacarem uma música em novela, a desistir dos estudos”, lamenta Tomás. O baterista Caetano faz coro: “Em Lima, no Peru, ouvi uma rádio que toca duas horas diárias de ótima música brasileira, quase nunca escutada aqui, onde se visa o sucesso imediato, independente da qualidade”.
Por essas e outras, acreditam, o investimento nos instrumentistas é mínimo, e a proposta do Triboz, que segundo Marcelo Padre não existe em parte alguma, merece aplausos. A “grande tribo sem fronteiras” resgata feras e dá espaço a novas, como o baixista Rodrigo Ferreira, 27 anos, descoberto há quatro meses por Mike, que já brilha no quinteto. “Pretendo mandá-lo para fazer mestrado em jazz na Austrália. Ele é muito bom”, atesta. O intercâmbio é outra aposta para incentivar os jovens, como também o saxofonista americano Colin Wood, 20 anos, que estuda música na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde Mike lecionou até 2002.
“Quantos no mundo existem assim?”, desafia Marcelo. Mike, que todos reconhecem ser exceção no ramo, responde que é questão de mentalidade. “Música não dá retorno rápido e é preciso paixão para arriscar.” Autor do livro: Samba: Brasil World Music – Explorando ritmos quentes, samba, afro-latino e funk, que dedicou “à busca pela paz global e à tolerância das diversidades”, Mike assume a paixão. “Investi o que ganhei em 60 anos de vida nessa casa. Se não tiver sucesso, pelo menos eu tive o grande prazer de ouvir ótima música”, afirma com simplicidade cativante.
Com o mesmo prazer ele garimpou os demais bambas do quinteto. Em 1999, Mike entrou numa brasserie, no centro do Rio, e ouviu um piano com “linguagem desconcertante”, pediu para cantar “Night and Day” e nunca mais desgrudou de Tomás Improta. “É o melhor pianista que conheço”, elogia categórico. Marcelo Padre foi fisgado em Belo Horizonte, em 2000, quando Mike dava cursos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se entenderam tão bem que fizeram shows em duo e também com o cubano Nestor Lombida. Pouco depois, tocou com Kleberson Caetano, na abertura do Carioca da Gema, um badalado reduto da Lapa, e formou o grupo.
Enquanto busca patrocínio para realizar em outubro o 1o Festival Triboz de Jazz, o quinteto segue executando, com arrebatador estilo, clássicos como “Body and Soul” ou “O Barquinho”. A plateia delira, faz no boca a boca a bela carreira do Triboz e confirma a previsão de Mike Ryan, há 7 anos, quando entrou no casarão destruído, na rua Conde Lages, 19, e acreditou: “Essa vai ser a minha casa, uma casa de música”. E que música! O público agradece.
Deixe um comentário