“O próximo Congresso não fará a reforma política”, diz líder da CUT

Turra em reunião da CUT, em outubro. Foto: CUT
Turra em reunião da CUT, em outubro. Foto: CUT

Entre as várias propostas de reforma política colocadas em debate desde o ano passado, quando a necessidade de alterações no sistema brasileiro se tornou evidente, uma das mais ideias apoiadas por movimentos sociais, entidades e até partidos é o do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva, que, segundo dados próprios, já recolheu quase oito milhões de assinaturas pelo País durante o mês de setembro, é referendada por 504 instituições de diferentes setores e tem nos deputados Renato Simões (PT-SP) e Luiza Erundina (PSB-SP) uma representação no Congresso Nacional.

Na Câmara, o projeto já foi protocolado e está em tramitação na Comissão de Tributação e Finanças, nas mãos do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) desde o dia 5 deste mês. Ainda este ano deve ir para a Comissão de Constituição e Justiça para, então, ser votada em plenário. “A relação de forças que vai existir no Congresso a partir do ano que vem é ainda pior do que a atual, que já é extremamente desfavorável aos movimentos populares. Isso se explica, inclusive, pelas regras que elegeram os deputados. Se você observar, as empresas que estão sendo indiciadas na Operação Lava Jato são grandes financiadoras de campanha eleitoral”, avalia Júlio Turra, diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenador da Campanha Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva à Brasileiros. No dia 13 de mês, ele iniciou a última etapa do processo – a pressão de rua – liderando uma manifestação que fechou a Avenida Paulista no fim da tarde e teve a presença de, entre outros, Luciana Genro, candidata do PSOL à presidência.

Leia a seguir trechos da entrevista de Turra sobre as possibilidades da reforma política, o comportamento do Congresso e as propostas da campanha:

Brasileiros – Qual é a proposta do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva?
Júlio Turra: Depois das manifestações de junho de 2013, quando ficou claro o fosso que existe entre as instituições políticas e a população, em novembro de 2013, em uma plenária em Brasília, foi lançada a proposta de um plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político. Ao longo de quase um ano de campanha, que mobilizou cerca de 100 mil militantes em todo o país, com o apoio de inúmeros comitês populares e mais de 500 entidades de todos os níveis, como o PT, a CUT, o MTST, a Consulta Popular e outras tantas, nós fizemos um plebiscito popular que atingiu quase oito milhões de votantes. A maioria, 97% dessas pessoas, votou no “sim”, que era favorável a uma assembleia específica – distinta do atual Congresso Nacional – com caráter constituinte para discutir o sistema político do Brasil. Esse foi o plebiscito popular. Ao longo de toda campanha, obviamente, o conteúdo da reforma política foi debatido e divulgado. Agora, a exigência que o plebiscito popular levantou é de que é necessária uma assembleia específica para fazer a reforma política, porque o atual Congresso, com as regras pelas quais ele é eleito, pelo peso do poder econômico e particular, é incapaz de fazer uma reforma que aprofunde a democracia. Como desdobramento dessa campanha, foi apresentado, na Câmara dos Deputados, um projeto de decreto legislativo, encabeçado pelos deputados Renato Simões, do PT de São Paulo, e Luiza Erundina, do PSB de São Paulo. Esse projeto de decreto legislativo obteve mais de 180 assinaturas e, portanto, foi registrado e está tramitando no Congresso em uma comissão [Comissão de Tributação e Finanças]. Ele reproduz a mesma pergunta do plebiscito popular: você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político? Por que foi inscrito um projeto de decreto legislativo na Câmara e também no Senado? Porque, pela atual Constituição, somente o Congresso Nacional pode convocar uma consulta popular. O poder Executivo não pode. Para nós até seria ideal que a Dilma Rousseff convocasse uma constituinte. O atual Congresso é um obstáculo para a reforma política. Nós fomos obrigados a entrar com um projeto de decreto legislativo e vamos continuar a campanha pressionando o Congresso a adotar este decreto.

Entregaram esse documento para alguma autoridade?
No período entre 13 e 15 de outubro, portanto, entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, nós entregamos os resultados do plebiscito popular para a Dilma, em Brasília, que reuniu mais de mil militantes, onde a presidenta demonstrou simpatia pela proposta – que ela própria havia levantado em junho de 2013, em resposta às manifestações – mas naquele momento aquela proposta não durou nem 24 horas por causa da intervenção do vice-presidente, Michel Temer, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Aí a bola ficou quicando até os movimentos sociais se organizarem em novembro de 2013. Nós também entregamos esses resultados para o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves [PMDB-RN], que se comprometeu a organizar uma audiência sobre a campanha com os líderes de bancadas até o final do ano e, até o momento, não teve retorno, e no Senado, para o presidente da sessão que estava em andamento, que era o senador Eduardo Suplicy. Também entregamos esse documento ao assessor direto do ministro Heleno Torres, do Supremo Tribunal Federal. A segunda etapa da campanha é a pressão popular para que o decreto legislativo seja aprovado. Qual é a principal dessa proposta de uma constituinte específica para realizar a reforma política? Digo exclusiva porque não é com parlamentares do atual Congresso, mas eleita apenas para este fim.

Teria que ser feita uma eleição nos moldes da que temos hoje para escolher os parlamentares que fariam parte dessa assembleia?
Não. Teria que fazer uma eleição, sem financiamento empresarial, com voto em lista e com proporcionalidade de voto para uma assembleia unicameral – porque não tem sentido um Senado para debater reforma política – mas que retiraria do atual Congresso a elaboração dessa reforma. Ela deveria ser feita por uma assembleia exclusivamente criada para esse fim, eleita sobre novas normas e, assim que terminado o seu trabalho, seria dissolvida.

E com candidatos indicados pelos partidos?
Sim, pela nossa proposta os partidos escolheriam os candidatos.

De todos os partidos, até aqueles que, hoje, não apoiam a reforma?
Claro. Mas essa é a segunda etapa. A primeira etapa é o Congresso convocar esse plebiscito. Temos que pressionar o Congresso para que o plebiscito seja convocado. Para isso a gente dispõe de um mecanismo legal, que é o Projeto de Decreto Legislativo 1508/14. A nossa proposta é apoiada pela CUT, pelo MTST, pelo PT, pelo ex-presidente Lula, que já deu declarações públicas apoiando a nossa constituinte.

Qual são as diferenças da proposta de vocês para outras?
É que todas as outras propõem que o atual Congresso faça a reforma política, inclusive a iniciativa da CNBB e da OAB, que também é apoiada por um conjunto de entidades e possui um conjunto de pontos de reforma política, alguns são acordos, outros polêmicos, mas que foram encaminhados para o atual Congresso. Ao chegar lá, já existe uma discussão de reforma política em curso, que é o chamado “Relatório Vacarezza”, que é uma contrarreforma: mantém o financiamento empresarial e admitindo ainda o financiamento misto – ou seja, o melhor dos mundos possíveis, com financiamento público e privado ao mesmo tempo – e estabelece novos distritos eleitorais, o que abre porta para o voto distrital, uma bandeira da direita. Na verdade a iniciativa da CNBB e da OAB, que também é uma iniciativa popular, mesmo não tendo um milhão e meio de adesões como pede a regra – eles têm cerca de 400 mil assinaturas – já foi apresentada na Câmara e anexada a outras propostas de iniciativa popular existentes. Mas esse texto vai desaguar na comissão que discute a reforma política no Congresso e, então, no Congresso mais conservador desde 1964. Só a bancada ruralista tem metade dos deputados, depois vêm os evangélicos, a bancada da bala, etc. Os partidos de esquerda tiveram suas bancadas diminuídas, com exceção do PSOL, que aumentou de três para cinco parlamentares. O PT perdeu 20% das cadeiras que ele tem hoje. A relação de forças que vai existir no Congresso a partir do ano que vem é ainda pior do que a atual, que já é extremamente desfavorável aos movimentos populares. Isso se explica, inclusive, pelas regras que elegeram os deputados. Se você observar, as empresas que estão sendo indiciadas na Operação Lava Jato são grandes financiadoras de campanha eleitoral. No Brasil, trinta empresas foram responsáveis pela eleição de mais de 70% dos deputados. Então, não é casual. A falta de proporcionalidade também pesa nisso, porque, no Brasil, se privilegia os Estados de base rural, mais atrasados, portanto, e, assim, mais vulneráveis as influências de oligarquias regionais que compõem a Câmara. Para você ter uma ideia, o mínimo de deputados que um Estado elege é oito, que é Roraima, e o máximo é 70, que é São Paulo. O resultado disso é que um eleitor de Roraima vale onze vezes o voto de um eleitor de São Paulo. É uma distorção que favorece o inchaço da bancada ruralista no Congresso. Isso sem falar que o funcionamento do Congresso brasileiro bicameral é que baseado em um mecanismo em que a Câmara aprova um projeto e o Senado revisa. Qual é a proporcionalidade desta Casa? Três por Estado. Não tem nenhuma proporcionalidade. Na teoria, o Senado deveria defender os interesses da federação e por isso essa proporção de três por Estado. No entanto, na prática, o Senado é apenas o revisor de todas as decisões que a Câmara toma. É um ferrolho nas mãos da classe dominante e, por isso, nós não queremos que o atual Congresso faça a reforma política. Nada de progressivo vai sair daí. Queremos uma assembleia específica, exclusiva, com regras estabelecidas, onde cada partido vai apresentar suas ideias e suas propostas, o povo vai escolher seus representantes e estes, então, vão fazer a reforma necessária.

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Então apenas pra eu entender: vocês estão propondo um plebiscito popular e, para que isso aconteça, é necessária uma eleição a parte onde os eleitores… 
Calma aí. Vamos voltar ao princípio: o plebiscito popular já foi realizado. Ele aconteceu entre 1 e 7 de setembro e recolheu quase oito milhões de votos. Entregamos os resultados para a Dilma Rousseff. Qual é a etapa da campanha que estamos? Exigir um plebiscito oficial, que só pode ser convocado pelo Congresso Nacional, ou Câmara dos Deputados ou Senado, e por isso nós temos um projeto de decreto legislativo que reproduz os mesmos termos do plebiscito popular. Agora o Congresso precisa aprovar esse plebiscito. Essa é a maior dificuldade, porque a maioria do Congresso não quer plebiscito.

E esse projeto está em que pé no Congresso?
O PMDB está fazendo uma enorme manobra para ampliar o debate sobre a reforma política, depois eles vão fazer a proposta de reforma no Congresso, com base no “Relatório Vacarezza”, e então, vão submeter a referendo popular.

Ou seja, com as bases deles.
Claro. O “prato feito”.

Mas eu estava falando mais a frente, imaginando um cenário em que o projeto tivesse passado no Congresso.
Se passar, o TSE convoca eleições específicas para essa constituinte do sistema político estabelecendo as regras. Aí é que entramos com essas regras: sem financiamento empresarial, voto em lista e proporcionalidade.

Vocês têm – no projeto que enviaram para a Dilma e para os outros poderes – o número de parlamentares que constituiriam essa assembleia?
Não. Não entramos nesse detalhe. Apenas estabelecemos que precisa ser proporcional: um eleitor, um voto. Não concordamos com essa deformação Roraima-São Paulo.

E o período da assembleia? 
O período máximo seria de dois anos. Ela deve ser convocada e realizada, em no máximo, dois anos.

E os pontos discutidos na constituinte já foram definidos?
Seria perguntado ao povo o seguinte: quem faz a reforma política? O atual Congresso ou uma assembleia eleita apenas para isso? O plebiscito é isso. Depois, uma vez convocada a constituinte, cada grupo político, movimento, corrente, enfim, vai apresentar suas propostas. Na campanha do plebiscito pudemos ver pontos absolutamente consensuais, como financiamento de campanhas eleitorais, e aí já vemos diferenças entre ideias: tem gente que defende apenas financiamento público, outros admitem financiamento de pessoa física com um teto, mas ninguém defende financiamento empresarial. Ao contrário da proposta do “Relatório Vacarezza” que propõe financiamento misto. Todo mundo é contra voto distrital, porque cria vereadores, dificulta o voto em lista, o voto em programas e quebra a proporcionalidade. É outro consenso. A CUT tem uma proposta de acabar com o Senado, com um novo sistema político brasileiro sem a presença de duas casas legislativas, que também é uma posição do famoso jurista Dalmo Dalari. Ele lembra, inclusive, que o Senado é uma inspiração da Câmara dos Lordes inglesa por parte do império português. São propostas que vão ao debate com o povo com os representantes eleitos na constituinte. Nós não temos, ao contrário de outras iniciativas, um modelo pronto de reforma política. Nós queremos dar a palavra ao povo. Ele é que tem que eleger os representantes de uma constituinte exclusiva, e aí cada setor, grupo, partido, movimento vai se organizar para apresentar suas propostas na constituinte. É simples.

Vamos supor que, nesta eleição para a constituinte, o povo eleja uma maioria de representantes contrários à reforma. Isso é bem possível, aliás.
E qual a alternativa que nós temos? O atual Congresso fazer? Eu não nego que a direita pode ganhar nesta discussão, mas vamos trocar uma possibilidade por uma realidade? O Congresso Nacional já está tomado pela direita. Nós achamos que essa iniciativa nasceu de baixo, incidiu na campanha eleitoral, principalmente no segundo turno, e quando a Dilma venceu se lembrou do plebiscito para a reforma em seu discurso de vitória, sendo contrariada no dia seguinte pela liderança do PMDB no Congresso. Eles preferem o referendo. A diferença entre plebiscito e referendo é clara: em um plebiscito você pergunta para a população: “você quer tomar uma paulada na cabeça? Sim ou não? No referendo, a pergunta é: “a paulada doeu? Sim ou não?”

Eu lembrei agora que o PCdoB é contra a constituinte.
É um direito deles, assim como é um direito nosso defender a constituinte. Eles se agarram na proposta da CNBB e da OAB, que tem coisas positivas e coisas polêmicas. Mas, para nós, o problema não é nem esse. O problema é que eles vão levar essas propostas para o Congresso que está entrando aí.

O voto seria obrigatório nessa eleição para a constituinte?
Pelo atual sistema não vejo nenhuma razão para que não seja.

Seria, então, uma eleição nos moldes das que temos hoje.
Claro, até porque o TSE que organizaria.

Urna eletrônica, dia específico, tudo…
Exatamente.

Você falou que o movimento começou no ano passado…
Começou no dia 15 de novembro de 2013, em um plenária em Brasília.

Quem organizou o movimento em um primeiro momento?
Foi um apoio conjunto de entidades que estavam nas manifestações de junho do ano passado.

CUT e afins.
CUT, MST, a UNE, que pode sair por causa do controle do PCdoB sobre eles…

O PT estava?
O PT estava, o PSOL estava. Hoje são 500 entidades que apoiam.

Havia outro partido?
O PSB estava representado, tanto é que a Erundina é uma das parlamentares que encabeçam essa proposta na Câmara. Foi um movimento amplo e plural.


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