“A pena de morte expõe um lado selvagem do Estado”

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Foto: Reprodução/Três Estrelas

“Mas o papa é argentino, pô!”. Essa foi a resposta que Marco Archer sacou quando recebeu pessoalmente da tia a notícia de que o governo brasileiro iria pedir ajuda do Vaticano para que sua morte fosse impedida na Indonésia. Detalhe: era a véspera de sua execução.

A sacada bem-humorada perto de um momento terrível é só um dos muitos pequenos detalhes sobre a personalidade intricada e misteriosa de Archer conquistados pelo jornalista da Folha de S.Paulo Ricardo Gallo para formar Condenado à morte, seu livro-reportagem sobre a história do primeiro brasileiro a receber a pena capital e ser executado no exterior. 

Entre momentos extravagantes, como a fuga alucinada e audaciosa de Archer por parte da Indonésia, logo após fugir da policia no aeroporto de Jacarta, e pesados, como os pormenores de sua execução, Gallo repassa toda a história de Marco. Além do longo caminho de dez anos entre condenação e execução, o autor conta como foi a vida de Archer do nascimento até o início das atividades criminosas no Brasil e depois no exterior. 

Mas o livro não é só sobre Marco. Condenado à morte também é sobre a Indonésia e suas entranhas, especialmente na área da pena capital, tema polêmico que é esmiuçado. “A profundidade foi uma exigência da apuração: ao começar a escrever o livro, eu não entendia nada sobre a Indonésia. Precisei estudar bastante e mergulhar em documentos que explicassem como o país funcionava para, então, explicar ao leitor”.

Sobre os detalhes do livro, seus bastidores e objetivos, conversamos com o autor, Ricardo Gallo.
Leia a íntegra: 

 

Brasileiros – A história do Archer caiu no seu colo meio por acaso, não é? Quando você decidiu iniciar a apuração e a escrever as matérias para a Folha, já visualizava o livro?
Ricardo Gallo – Verdade. Foi por acaso: em 2009, a Folha me indicou para ir a um fórum econômico e de turismo lá na Indonésia, a convite do governo local, e eu comecei a procurar pautas relacionadas ao país. Aí esbarrei na história do Marco. Inicialmente, a intenção era fazer apenas uma reportagem – eu não visualizava o livro na primeira vez em que falei com ele. Mas, depois de concluída a entrevista, me dei conta de que o que ele me contava valia mais do que um texto para o jornal.

Comecei a pesquisa em julho de 2010. Viajei à Indonésia em agosto do mesmo ano, além de ter ido a outros países e outras cidades brasileiras. Em setembro voltei e comecei a escrever. Mas ainda faltava muita coisa de apuração e levei perto de três anos para escrever o livro. Entreguei os originais à editora em dezembro de 2013. O livro entrou em revisão entre outubro e dezembro de 2014, para ser lançado em janeiro de 2015, Fui então atropelado pelos fatos, com o anúncio de execução do Marco, e, depois de ter voltado da Indonésia, fiquei cinco dias em casa para reescrever e apurar mais informações para os dois últimos capítulos do livro.

Você usa um capítulo inteiro para falar da questão da pena de morte no mundo e na Indonésia – uma história de corrupção e intolerância. Diante do estudo, qual sua reação quando vemos brasileiros que acharam justa a morte de Archer? 
Sou pessoalmente contrário à pena de morte; não me parece haver correlação entre a pena capital e a redução da criminalidade. A pena de morte também expõe um lado selvagem do Estado ao decidir matar um cidadão. Me parece algo medieval – e pouco a pouco mais e mais nações decidem deixar de adotá-la, segundo a Anistia Internacional. 
Bom, ao pesquisar sobre a Indonésia me tornei ainda mais convicto a respeito do problema da pena de morte. Quando o Marco foi executado, eu lia nos comentários dos textos sobre o fuzilamento coisas como “A Indonésia está certa, eis um exemplo de país”. Não! A Indonésia jamais pode ser tida como exemplo: trata-se de um país com problemas muito sérios de corrupção na estrutura do Estado, no Judiciário, etc. Me parece a tentativa de reviver o “olho por olho, dente por dente” da lei de Talião.
O Marco era um criminoso, mas, como qualquer ser humano, não merecia ter sido condenado à morte. Na Indonésia, aliás, há uma incongruência em relação à aplicação da pena: há inúmeros relatos de compra de sentença; eu mesmo entrevistei um sujeito cujo pai vendeu um imóvel para que o filho não fosse condenado à morte. Esse rapaz foi solto em 2014.

No livro você se atêm aos fatos para explicar a demora e as indas e vindas quanto a execução de Marco. O que você percebeu? Archer deu azar com a troca de presidentes? O governo brasileiro fez o que podia? A questão da fuga espetacular sempre pesou? 
Deu azar, sim. Ele jamais seria solto, mas tampouco seria executado na gestão do presidente anterior, Susilo Bambang Yudhoyono. Tanto que eu terminava o livro originalmente com o capítulo “condenado ao esquecimento”, explicando que o melhor cenário para ele seria passar o resto dos dias na prisão na Indonésia. Tenho certeza de que a fuga contribuiu para a sentença de morte, porque ele, ao escapar, desafiou as autoridades indonésias.  

Você se encontrou com o Marco pessoalmente só uma vez, certo? Qual foram suas impressões desse encontro?
Eu o encontrei mais de uma vez, nos dias em que estive na prisão com ele, em 2010. A impressão é que o Marco tinha um comportamento incompatível com a crueza da vida que levava. Ele parecia sempre animado, alto astral, como se estivesse em liberdade. E tinha imenso orgulho da fuga que havia empreendido – dizia que rendia um filme.

O Marco tem uma história anterior com tráfico, especialmente no Brasil, você fala em dez anos de atividade, é isso? Como foi a apuração desse passado dele, inclusive da infância dele? Você acha que ele seria pego por aqui?
Acho que ele não seria pego por aqui. A apuração se deu conversando com amigos dele e com base em relatos dele mesmo. Ele decidiu ir para a Indonésia porque lá, como há pena de morte, a droga vale mais.

Você estava presente no dia da execução? Onde você estava e qual foi o clima?
Eu estava na Indonésia, mas não no local da execução. No local de execução –a ilha de Nusakambagan, na cidade de Cilacap, a 400 km da capital Jacarta– só podem ficar policiais e/ou gente envolvida com a operação de fuzilamento, como médicos e religiosos (que estão lá para dar assistência espiritual aos condenados). A cerca de 1 km do local de execução, também na ilha de Nusakambangan, ficaram representantes dos países cujos cidadãos seriam executados, além de advogados. 

Até a tarde do dia da execução eu estava em Cilacap. Mas tive que sair da cidade em direção a Jacarta porque fui abordado por um oficial de imigração que me ameaçou de prisão e deportação se eu trabalhasse ali. A razão: eu havia entrado no país com um visto de turista, uma decisão deliberada porque, quando eu soube da execução, apenas três dias antes, não havia tempo suficiente para pedir à Indonésia visto de jornalista. Como eu tinha todos os lados do caso em contato por Whatsapp, decidi voltar a Jacarta e antecipar minha volta ao Brasil – e cobri o caso a distância para não confrontar as autoridades.

Há um outro brasileiro preso ameaçado de execução, o Rodrigo Gularte – espero que ele jamais seja executado, mas, se isso ocorrer, o governo da Indonésia me concedeu visto de jornalista. Então a tensão envolvendo o visto não mais acontecerá.

Pretende escrever outro, tem algo engatilhado?  
Livro dá muito trabalho para fazer (risos). Então não tenho por ora nada engatilhado. Mas quero escrever ainda um livro sobre aviação, um tema pelo qual me interesso bastante.

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Condenado à morte 
Ricardo Gallo 
Três Estrelas 
144 páginas 
R$29,90 


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