“A direita está hegemonizando o Congresso Nacional”, diz Paulo Teixeira

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O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) afirma categoricamente: o discurso de que a redução da maioridade penal diminuirá a violência é uma mentira. Em primeiro lugar, porque os jovens não são autores de nem 1% dos crimes contra a vida no Brasil.  Depois, porque o sistema penitenciário brasileiro não tem condições de recuperar ninguém – muito pelo contrário, carrega um altíssimo índice de reincidência. Para o deputado, a aprovação da admissibilidade da PEC 171 é resultado de uma aliança conservadora que domina o Congresso Nacional. Na entrevista à Brasileiros, Teixeira fala sobre a “ideologia punitiva” que impera na sociedade, a hegemonia da direita na Casa e o que fazer para reverter a situação.

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Por que o senhor é contra a redução da maioridade penal?

Sou contra por vários motivos. O primeiro é que o jovem no Brasil é mais vítima do que autor da violência. Nós precisamos apressar a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde que foi aprovada a Constituição e depois o ECA, a sociedade resiste em implementá-lo. Nós temos que garantir direitos. Em segundo lugar, sou contrario à redução da maioridade penal porque é mentira de que, se aprovada, vai reduzir a violência no Brasil. Os adolescentes e jovens menores de 18 anos são responsáveis por 0,5% dos crimes contra a vida no Brasil, 99% não são praticados por crianças e adolescentes. Então, aprovar a diminuição da maioridade penal é uma mentira do ponto de vista de uma solução do tema da violência. Vamos gastar nossa energia para um efeito que não reduzirá a violência.

O terceiro aspecto é que a redução da idade penal não só não diminuirá, mas aumentará a violência. Um dos lugares produtores da violência é o sistema penitenciário. Ele é controlado pelas facções criminosas e todos aqueles que entram ali por crimes menos graves vão praticar crimes mais graves ao saírem. Ali se faz um recrutamento desses jovens para prática de crimes continuados ao sair do sistema penitenciário.

Também sou contrário porque o fato do adolescente não responder no sistema penitenciário não quer dizer que ele seja impune. O ECA hoje penaliza a criança e o adolescente em conflito com a lei a partir dos 12 anos. É uma mentira dizer que o sistema permite uma impunidade dos que praticam uma infração. As infrações são punidas e duramente punidas. Quando ele comete um crime contra a vida, permanece no sistema de internação até os 21 anos.

Temos que melhorar a qualidade das políticas para a infância e juventude e melhorar a qualidade da implementação do ECA. Na verdade, discutir a redução da maioridade penal é dar um passo para trás.

Qual a gravidade de a PEC ter sido aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara? Qual a estratégia do partido para barrar isso?

Essa aprovação se deve a uma aliança conservadora que tomou conta do Congresso Nacional. O que nós precisamos fazer é desmanchá-la e conseguir uma política mais progressista. Ao mesmo tempo, temos que reagir contra a redução da maioridade penal. O que pode ajudar a diminuir essa sensação de impunidade na sociedade brasileira serão pequenas calibragens no ECA. Na medida em que tiver um amadurecimento dessas mudanças, vamos esvaziar o tema da redução da maioridade penal. A direita está hegemonizando o Congresso Nacional e está conseguindo levar consigo o centro político. Temos que atrair o centro político e isolar a direita nesse processo. Pela política e por uma calibragem do ECA, vamos impedir a diminuição da idade penal. Alem desses dois pilares, tem que haver uma mobilização na sociedade. É fundamental que a sociedade se mobilize de forma contrária à diminuição da idade penal. 

O PT entrou com uma ação de inconstitucionalidade no STF? Pretende fazer isso?

Pretende, mas estamos estudando se deveríamos entrar agora, contra a admissibilidade do projeto, ou esperar uma eventual aprovação. Mas vamos entrar com uma ação.

O senhor fala em enfraquecer a direita no Congresso. De que forma?

Precisamos resgatar um diálogo que se enfraqueceu com o centro político, com o qual dialogamos tão bem nesses 12 anos. O centro foi atraído pela direita a partir da eleição do Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Temos que fazer tanto uma luta no Congresso Nacional quanto na sociedade, para tirar esse centro político da influência da direita. Nas manifestações de massa de São Paulo, via-se jovens com um pensamento de centro compartilhando dos mesmos espaços que jovens que propunham a volta dos militares e uma série de outras bandeiras conservadoras. Eu acho que as últimas manifestações foram menores por esse aspecto. Algumas pessoas começaram a perceber o risco da convivência com segmentos conservadores e reacionários.

O senhor falou da falência do sistema penitenciário brasileiro. Isso sequer é mencionado em época de campanha eleitoral. Isso não é uma prioridade para a sociedade brasileira?

O sistema penitenciário hoje é principalmente da alçada estadual, não é federal. Tem presídios federais de segurança máxima onde o crime organizado tem baixíssima influência, onde as pessoas tem seus direitos respeitados, não são superlotados, diferente dos presídios estaduais. A sociedade brasileira ainda não se deu conta da gravidade para ela de um sistema penitenciário tão brutal como é hoje. Não percebeu que o sistema é organizador da violência. Na medida em que a sociedade perceber isso, ela vai exigir que esse assunto faça parte da agenda dos candidatos. Por enquanto, não faz parte. Acho que a sociedade quer mais gente nas cadeias, entendendo que a sociedade ficará protegida dessas pessoas. Mas isso não acontece. A cadeia hoje é uma organizadora de uma violência permanente.

Qual seria uma alternativa a essa política de encarceramento?

Temos uma onda muito punitiva no Brasil, que entende que o encarceramento é uma solução para os problemas de violência e isso tem feito com que nós encarceremos pessoas que não poderiam e não deveriam ser presas. Esse encarceramento em massa é que promove a violência. Temos que mexer no código penal e organizar um sistema de medidas alternativas à prisão. Em um primeiro olhar, eu acho que a Lei de Drogas, de 2006, acaba levando a um encarceramento exagerado. Segundo estudos recentes, 70% das pessoas encarceradas são jovens, primários, agiram sem violência e sem relação com o crime organizado. Aprovamos uma legislação de medidas cautelares, mas os juízes não estão aplicando. Muitos poderiam cumprir prisões domiciliares, medidas como tornozeleiras. É um erro que a nossa sociedade está cometendo.

Por que os juízes não estão cumprindo as medidas cautelares?

Acho que é uma ideologia que nós precisamos combater: a ideia de que todos precisam ir para a prisão. Não leva em consideração que a prisão não é para todos e que, ao enviar algumas pessoas, elas podem piorar a partir daquela convivência. É um debate necessário na sociedade brasileira.

Como está o PL-4471, que extingue os autos de resistência, e do qual o senhor é autor?

Está pronto para votar. Tem uma promessa do presidente da Câmara de votar até o fim de junho e esperamos construir uma unidade que permita votá-lo. Os autos de resistência são um instrumento que vieram da Ditadura Militar, que permitiu que eles matassem muitos adversários do regime militar alegando resistência. Agora, na democracia, esse instrumento permaneceu e acontece quase a mesma coisa. Um grande número de pessoas são executadas pelas polícias, principalmente as militares, e no final eles justificam como tendo havido resistência. Recentemente um garoto no Rio de Janeiro, de 10 anos de idade, estava com celular na mão, e o policial então o matou. Em casos como esses, normalmente a polícia acaba registrando como auto de resistência. Como daquela senhora que foi arrastada pela viatura policial no Rio de Janeiro, ou no caso do Amarildo. Alem de serem vítimas, saem como se fossem criminosas porque o policial não só executa como também inventa uma história. O fim dos autos de resistência pode gerar dois resultados: uma segurança maior para a população, principalmente para a juventude, e o de colocar a polícia na legalidade.

Como resolver o problema da letalidade da polícia brasileira? O senhor é a favor da desmilitarização da polícia?

A Constituição de 1988 aceitou todo tipo de lobby institucional, então ela constitucionalizou a fragmentação da organização policial. Isso tudo é fruto do lobby que essas corporações fizeram junto aos constituintes. Ao mesmo tempo mantiveram esse vínculo da polícia militar com o Exército, que é outra herança da ditadura militar. A minha opinião é que devamos acabar com essa vinculação, desmilitarizando as polícias e favorecendo uma reorganização das polícias num nível estadual. As polícias estaduais precisam ser reorganizadas e haver uma maior integração entre elas.

Foto: Reprodução/Facebook de Paulo Teixeira
Foto: Reprodução/Facebook de Paulo Teixeira

De acordo com o último Mapa da Violência, a taxa de homicídio entre os brancos caiu e a entre os negros aumentou. O que isso significa?

A taxa de homicídios na população negra diz respeito à violência policial. O número de negros que são vitimas de homicídios é muito alto, acima de qualquer lugar do mundo. Tem até uma CPI que estuda isso e chegou à conclusão de que esse numero é acima de qualquer padrão internacional. Precisamos diminuir a violência policial.

Tem alguma perspectiva de que esse tema seja abordado nessa conjuntura política desfavorável no Congresso?

Espero que seja um momento conjuntural e que consigamos ultrapassá-lo. Um dos fatores que contribuiu para esse retrocesso foi a eleição do Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. Ele está muito forte, mas espero que o poder se equilibre na Câmara Federal para que as bandeiras conservadoras não ganhem espaço. O conservadorismo também se expressou nas ruas, nesses movimentos de massa. Espero que ele também perca a força e que os movimentos progressistas se coloquem em movimento. Um reequilíbrio das forças exige que o governo arrume suas forças. Eu espero que ele tenha capacidade de fazê-lo.

Os índices socioeconômicos do Brasil continuam ruins, mas melhoraram nos últimos 12 anos. A violência, por outro lado, aumentou. Por quê?

Temos um sistema de segurança que é uma herança do período autoritário, não conseguimos colocar o sistema de segurança dentro do regime democrático e redesenhá-lo. Ao mesmo tempo, somos vítimas do populismo penal que quer colocar mais gente na cadeia. Eu acho que a violência no Brasil tem uma primeira razão de ser, que é de ter um sistema de segurança incapaz de enfrentar o crime. Outro aspecto que eu vejo é que continuamos sendo uma sociedade profundamente desigual, o que gera violência. Eu levaria um terceiro aspecto, que é a fragilidade das instituições relacionadas a nossa infância, juventude, a escola, e também uma sociedade que bombardeia crianças para o consumo sem que ela tenha qualquer autonomia para gerar uma resposta.

O senhor mencionou a Lei de Drogas, de 2006, como um fator dessa política de encarceramento em massa. O senhor é a favor da legalização das drogas?

Eu não gostaria de usar o termo “legalização das drogas”. Quando se pensa em legalizar algo, se pensa em dar um tratamento comercial, capitalista. A sociedade brasileira não tem como lidar com mais empresas poderosas, como a do cigarro e de cerveja. Eu sou pela regulação restrita do comércio de maconha. Não acho que a sociedade brasileira está pronta para discutir outras drogas. Sou por uma regulação parecida com a do Uruguai.

O senhor tem acompanhado o trabalho da comissão que está avaliando a PEC da diminuição da idade penal?

Eu fiz questão de não fazer parte da comissão porque não acredito que ali vá se resolver algo de bom. A PEC da maioridade penal vai produzir uma excrescência. Estou indo para discutir o ECA. Fui para outra comissão que pretende fazer essa calibragem no ECA, nas medidas socioeducativas, porque acho que ali se produzirá uma solução. Na comissão tem propostas que pretendem diminuir para 12 anos a idade penal. Nada de bom pode sair dali.

Mas não seria importante lutar para que o pior não aconteça?

Não é ali que será decidido, será no Plenário. Na comissão, o setor dominante vai propor algo duro e o nosso pessoal que foi para lá não terá condição de impedir. Eu acho que o tempo teria que ser gasto com uma reflexão sobre o ECA, paralelamente a isso.

O PT está em uma situação complicada no Congresso e passando por um escândalo de corrupção. Qual a importância do PT ter decidido pelo fim do financiamento empresarial?

O financiamento empresarial acaba resultando num parlamento comprometido com as forças econômicas. Quando o PT decide não receber mais esse financiamento, ele está dizendo que não terá mais esse vinculo. Mas não basta só o PT não tê-lo. É importante que os demais partidos não tenham também. E por isso queremos continuar o debate na sociedade pela reforma política.

E se nenhum outro partido deixar de receber o financiamento empresarial? O PT ainda terá competitividade nas eleições?

O PT tem que radicalizar sua luta pela reforma política. Não pode pensar que vai perder competitividade caso os outros não deixem de receber o financiamento. Tem que pensar em mobilizar a sociedade pela reforma política.

Foi consensual essa decisão dentro do partido?

Foi. Será regulamentado no congresso do PT, em junho. Na organização partidária já vale, para campanhas não está regulamentado ainda.

 

 

 

 


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