A discussão sobre a redução da maioridade penal voltou a ganhar força na sociedade brasileira nesta semana. Na noite de quarta-feira (10), foi cancelada a sessão na Câmara dos Deputados na qual seria apresentada o relatório da PEC 171, que reduz a idade penal para todos os crimes. Para conter protestos de movimentos sociais contrários à medida, a equipe de segurança da Casa lançou gás de pimenta em todos os presentes – manifestantes, parlamentares e jornalistas.
O discurso de endurecimento de penas a jovens infratores também foi lembrado recentemente devido a uma tragédia ocorrida no sertão do Piauí. No fim de maio, quatro adolescentes foram estupradas, espancadas e empurradas de um penhasco, na cidade de Castelo do Piauí. Uma delas morreu no domingo (7), em decorrência de uma hemorragia interna.
A polícia apreendeu quatro adolescentes e um adulto, de 40 anos, acusados de serem autores dos crimes. Se forem comprovadas as acusações, os jovens devem pegar a pena máxima prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é de três anos de internação.
Casos como esse, cujos detalhes sórdidos atraem o que há de mais sensacionalista na cobertura jornalística, alimentam um senso comum na sociedade brasileira – o de que é preciso punições mais severas aos jovens para se combater o problema da violência.
Para a socióloga Graça Gadelha, especialista na área de infância e adolescência, a política de encarceramento de jovens como medida de diminuir a violência é falaciosa, e a mídia tem uma grande responsabilidade na questão. Segundo ela, é urgente que a discussão sobre a redução da maioridade penal seja feita de forma mais aprofundada. “Embora exista um enorme déficit do Estado em produzir uma base de dados para dimensionar a criminalidade dos jovens, o que a gente verifica é que a maioria dos crimes cometidos por eles são contra o patrimônio e não contra as pessoas. O número de crimes cometidos por adolescente em relação a homicídios, crimes graves, hediondos, é praticamente excluídos das estatísticas. O que não significa que não devamos cobrar as devidas punições aos culpados – mas de acordo com o que o determina o ECA”.
Um ponto importante para Graça na discussão sobre a criminalidade de adolescentes é o combate às drogas, questão que não estaria recebendo a devida atenção de gestores públicos. “Quando acontece um problema como esse, a vitrine que se coloca é essa: da redução da maioridade penal. Não se pergunta como as políticas públicas fazem falta no cotidiano dessas crianças e adolescentes. Você acaba trabalhando a exceção, quando deveria trabalhar a regra. Para mim, a redução é uma excepcionalidade. Ela só vai acontecer porque muitas coisas deixaram de acontecer. Nesse aspecto, a mídia é um aliado estratégico, para construir um pouco essa discussão de uma forma mais sistemática, discutir o aspecto da falta de cumprimento do dever de casa do Estado e da sociedade. Até chegar nesse nível de infrações, o adolescente passou por processos múltiplos de infrações que só são lembrados quando ele está nessa circunstancia de excepcionalidade. Precisamos reverter essa discussão.”
Maria Carolina Trevisan, jornalista da ANDI e do coletivo Jornalistas Livres, diz que a cobertura da mídia nesses casos costuma criminalizar o adolescente, negligenciar a causa da violência e se limitar ao factual da notícia: “Ou seja, não cumpre o papel de jornalismo, que é o de trazer informações importantes para que a sociedade possa formar uma opinião a respeito. No caso das meninas do Piauí, o que deveria ser considerado relevante não são os detalhes da violência que elas sofreram. É óbvio que é uma situação terrível que deve ser punida, mas os detalhes sórdidos só servem ao sensacionalismo, à busca pela audiência, e não à formação de opinião”.
Para conhecer melhor a análise de Trevisan sobre a cobertura midiática, leia aqui
Assista à entrevista de Maria Carolina Trevisan na íntegra:
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