Autores comemoram fim do “período negro” das biografias

Horas depois da decisão do Superior Tribunal Federal em acabar com a exigência de autorização prévia para publicação de biografias, os escritores envolvidos com o tema no País comemoraram a decisão do STF. Alguns deles, ouvidos por Brasileiros nesta quinta-feira (11), afirmaram categoricamente que o Brasil está saindo de um período “negro” para as letras com o fim do pré-requisito para as publicações. A seguir, leia alguns depoimentos:

Jorge Caldeira
Jornalista, historiador e cientista político, autor das biografias Mauá – Empresário do Império (Companhia das Letras) e Júlio Mesquita e Seu Tempo (Editora Mameluco)

“Protestei contra esta proibição desde o primeiro dia em que passou a vigorar. A situação que estava era completamente absurda. Com a votação de ontem [quarta-feira], o Brasil volta a seguir a regra que existe no planeta inteiro. O reparo à circulação de ideias é posterior à circulação de ideias, ou seja, elas precisam circular para que exista reparo. Mais absurdo ainda é terem criado isso num período de democracia. Estava na lei, na constituição, tanto que o se julgou ontem foi que a constituição prevê essa liberdade. Eu vou lançar a biografia do Julio Mesquita, mas não me censurei jamais para escrevê-la. Não pedi autorização, não falei com ninguém. Escrevi do jeito que eu queria, como se a lei não existisse. Eu pensava: ‘Eu sou historiador. Seja o que Deus quiser’. Mas olhe: assinei o primeiro manifesto quando começou o problema com a biografia do Garrincha, escrita pelo Ruy Castro. O Ruy parou de escrever biografias por causa da lei. Ele foi radical, mas olha o prejuízo que o Brasil teve! O nosso País foi muito prejudicado por esse ‘período negro’”.

Gonçalo Junior
Jornalista, autor das biografias Alceu Penna e as Garotas do Brasil (Editora Manole), A Guerra dos Gibis (Companhia das Letras), Versão Brasileira Herbert Richers (Editora Criativo) e Quem Samba Tem Alegria: A Vida e o Tempo de Assis Valente (Civilização Brasileira). Em julho, o autor lançará a biografia de Rubem Alves, pela Editora Planeta.

“Quando se fala em censura a biografias, uma herança da ditadura que persistiu nas duas últimas décadas, não se pode vilanizar as editoras. Muitos livros foram recusados por causa do terror da censura. Produzir e imprimir um livro custa caro, é um negócio de risco, muitas vezes. Assim, quando um biografado ou sua família não gosta de uma obra, a editora se torna o primeiro alvo porque, potencialmente, é onde se pode tirar mais dinheiro. Se não, vejamos.
Nesse período, os preceitos constitucionais que supostamente zelam pela honra e pela integridade moral das pessoas funcionaram, sem dúvida, como uma máquina de enriquecimento ilícito. Explico o termo: o que se buscou em todos os casos foi uma forma de ganhar dinheiro que os envolvidos diretos achavam ter direito. Afirmo isso com segurança porque acompanhei todos os casos por interesse pessoal e em nenhum deles se viu uma biografia com passagens difamatórias, do sucesso pelo escândalos. Tanto que, após acordos financeiros, os livros foram liberados sem alteração de conteúdo. Como nos casos de Garrincha e Noel Rosa. Nossos mais famosos biógrafos são pessoas sérias, respeitáveis. Meu primeiro problema como biógrafo aconteceu em 2004, quando lancei a primeira biografia, sobre Alceu Penna. Para explicar a briga entre ele e sua amiga Carmen Miranda e a raiva que ele tinha do nada ético jornalista David Nasser, que fez intriga entre os dois, peguei um excerto do livro Cobras Criadas, de Luiz Maklouf Carvalho, em que Nasser falava da homossexualidade de Alceu em tom de chacota. Parte da família entendeu. A outra, não. A irmã e um sobrinho jornalista ficaram furiosos. Fui ameaçado de processo por difamação e insultado grosseiramente. No caso de Quem samba tem alegria, a biografia de Assis Valente, lançada em novembro passado pela Civilização Brasileira, o entrave foi outro. O livro ficou parado por três anos e só entrou em pauta depois da polêmica de 2013, quando o tema se tornou um debate público. Por temor de processo, a editora me propôs cortar as passagens em que eu falava de cocaína e alcoolismo e fazia referência a vários artistas da época. Tudo fora documentado em jornais e revistas. O corte implicaria na retirada de nada menos que 60 páginas. Bati o pé e não topei. O livro que saiu está exatamente como escrevi. Ninguém reclamou.”

Eduardo Logullo
Autor de Meu Mundo Caiu: A Bossa e a Fossa de Maysa (Editora Novo Século) e Aracy de Almeida: Não tem Tradução (Editora Veneta)

“Pessoas públicas perdem continuamente o domínio de suas privacidades; faz parte do jogo da fama, do reconhecimento, do sucesso. Claro que existem mistérios impenetráveis, insondáveis. Talvez o mais importante, portanto, seja o biógrafo não moralizar nenhum aspecto pessoal do biografado e tratar qualquer fato com isenção, naturalidade, espontaneidade.
Prefiro arqueologias poéticas do que biografias lineares.
Nenhuma vida é retilínea o tempo todo para ser esquadrinhada de modo cartesiano. Gosto também de biografias interpretativas, em que o autor entra nos lençóis freáticos do biografado, para, lá de baixo, lá de dentro, emitir impressões que se aproximariam de possíveis impressões do biografado.”

Denilson Monteiro
Autor de A Bossa do Lobo: Ronaldo Bôscoli (Editora Leya,), Dez, Nota Dez: Eu Sou Carlos Imperial (Editora Planeta), Divino Cartola: Uma Vida em Verde e Rosa (foto-biografia lançada pela Casa da Palavra) e Chacrinha: A Biografia (Casa da Palavra)

“Ao escrever uma biografia, o que faço é apontar os caminhos que levaram o biografado a chegar aonde chegou. O que o fez compor determinada canção, como surgiu a ideia para um programa que apresentou, como um acontecimento da vida particular terminou por influenciar sua vida profissional. Tudo realizado com enorme dedicação e ética, sem jamais recorrer ao sensacionalismo. Nos livros, além do biografado, fala-se de quem conviveu com ele. Certa vez, fiquei muito feliz quando o jornalista André Barcinski me ligou para pedir o contato do Paulo Silvino. Queria convidá-lo para o programa apresentado por Zé do Caixão, do qual era o produtor. Disse que ao ler a biografia que escrevi sobre Carlos Imperial acabou conhecendo melhor a história de Silvino e seria ótimo ter o humorista em O Estranho Mundo de Zé do Caixão. Antes de Roberto Carlos em Detalhes, o qual foi absurdamente proibido, Paulo César de Araújo escreveu Eu Não Sou Cachorro Não, que conta a história dos nossos artistas da canção popular, depreciativamente chamados de cafonas ou bregas. Era admirável ouvi-lo contar como decidiu escrever o livro. Descobrira que nada havia sido publicado sobre esses artistas. No futuro, seria como se jamais tivessem existido. Paulo César publicou seu belo livro, que se tornou uma referência, um documento histórico. É isso que fazemos: livros que servirão de consulta sobre personagens da nossa história. No lançamento da biografia de Ronaldo Bôscoli, Mariana, filha do “Lobo”, me disse que com o livro que escrevi, seus filhos teriam a oportunidade de saber quem foi o avô.”  


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