Redução da Moralidade Penal

Coluna_header_ topo Auro Danny Lecher

IGOR DOS SANTOS, 16 anos

No beco escuro ele prepara o braço. A agulha pica a pele e pega a veia. O cogumelo vermelho entra na seringa, tingindo aos poucos a solução de cocaína e água de poça. Injeta devagar. Bem devagar. Ajeita-se no chão de terra batida e respira por quinze minutos o ar dos afogados. Sem grana pra repetir a dose ele se arrasta bicudo pelas ruas da Vila Nova Madalena. Pensa nas botas bem lustradas do delegado do Distrito. Onde se compra a melhor farinha da cidade. 

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EZEQUIEL MALAQUIAS, 53 anos

Pernas cruzadas em cima da mesa, palito no canto da boca, se excita: quanto vale todo esse ouro em forma de colar. Exagerou na feijoada e na pimenta. A maldita dor de estômago mais cedo ou mais tarde lhe chegará. O mau humor só não é maior por causa do doidera, franzino como o palito de dentes que rola de um canto a outro na sua boca carnuda. Já fazia um mês que o maluco não vinha. Pagou os cinco papéis de farinha batizada com o colar de ouro que ainda agorinha roubava da vítima logo ali na esquina. A profissão de Delegado de Polícia não é brincadeira. Muito stress e pouca grana. Tem que tirar um por fora. Vender pó pros nóias é negócio bom e seguro. Ajeita-se liberando a nádega esquerda, peida e pensa, sem constrangimento, no poder que tem o patrão do esquema.  

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ANDRÉ ANDRADE, 45 anos

O cara anda de motorista e Mercedes blindada. Vira e mexe sai na coluna social. Matéria paga. Tem amigos na imprensa. Ele mora nos Jardins e não admite que seus funcionários falhem. Depois dos dólares fora do país, aquilo que lhe dá mais prazer é torturar os traidores. Gosta de encostar sua orelha na boca do sujeito a agonizar. Nada se compara à emoção de ouvir o último estertor. Melhor que orgasmo. Tem amigos em Brasília.  

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REGINA AMARAL, 75 anos

Dona de casa, viúva, mora sozinha e tem muita saudade de suas 3 filhas, que se casaram e vivem em outras cidades. Ainda não tem netos. Pena, porque se já fosse vovó teria uma boa desculpa para mudar de vida. Toma 20 mg de Prozac 2 vezes ao dia e, desde o mês passado, 1 mg de Lorax de 8 em 8 horas também, após o trauma do assalto: uma pistola (de brinquedo) encostada em sua têmpora. O rapazinho arrancou-lhe o colar de ouro do seu pescoço. Presente de noivado do Getúlio.

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VENÂNCIO TEIXEIRA L’IMPÉRIO, 70 anos

O ministro enxuga o nariz que há três décadas escorre-lhe às quartas-feiras. Faltam dois meses para a aposentadoria compulsória, tão esperada. Ele está cansado dessa rinite crônica alérgica e das delicadas conexões. Já fez um bom pé-de-meia. Tem apenas quatro dias para definir o seu voto no Recurso Extraordinário: a Secretaria Nacional Anti-Drogas continua atrelada ao Gabinete de Segurança Institucional ou volta a fazer parte do Ministério da Justiça?

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IGOR DOS SANTOS, 16 anos

​Todo o final de tarde ele se arrasta à reunião dos Narcóticos Anônimos. Vêm-lhe o cogumelo vermelho e a vontade louca de se matar.

*Psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, psicoterapeuta e coordenador do Projeto Quixote (aurolescher@gmail.com).


Comentários

6 respostas para “Redução da Moralidade Penal”

  1. Educação se aprende em casa ou por conta própria!

  2. Fora Dilma, fora pt, psdb e pmdb.

  3. Como sempre a esquerda retrógrada defendendo o crime organizado. Devemos criminalizar o marxismo-leninismo!

  4. Educação se aprende em casa ou por conta própria, não precisa do estado! Sou a favor da redução da maioridade penal!

  5. Sou pobre e não sou improdutivo, pobreza não é motivo para passar por cima da lei!

  6. Tudo foi dito…

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