Militante de esquerda, professor brilhante e autor de projetos públicos e privados icônicos, como o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o Estádio do Morumbi e o Edifício Louveira, todos em São Paulo. As três facetas mais conhecidas de João Batista Vilanova Artigas estarão presentes, é claro, na 24a mostra da série Ocupação, que o Itaú Cultural dedica ao arquiteto e urbanista entre os dias 24 de junho e 9 de agosto. Mas a exposição quer ir além.
“As pessoas sempre me perguntam o que Artigas estaria pensando sobre este ou aquele assunto. Costumo dizer que não tenho procuração e que ele não tinha a solução para todos os problemas”, diz Rosa Artigas, sua filha, que divide a curadoria com Alvaro Razuk e a equipe da instituição. “Por isso, queremos desmitificá-lo um pouco, humanizar essa entidade e aproximá-lo do público. Ele tinha uma convivência muito intensa com os netos, gostava de fazer brinquedos, tinha um lado meio Gepeto.”
Nascido em 1915, em Curitiba, Artigas cursou Engenharia Civil por um ano em sua cidade natal, antes de se mudar para São Paulo, onde, em 1937, recebeu o diploma de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica da USP. No ano seguinte, criou seu primeiro escritório, a construtora Marone & Artigas, em sociedade com seu ex-colega de faculdade, Duílio Marone. A carreira acadêmica começou na década seguinte e foi interrompida em 1969, quando Artigas, ligado ao Partido Comunista Brasileiro, foi aposentado compulsoriamente pelo regime militar.
Na Ocupação Vilanova Artigas, cuja abertura para convidados acontece no dia 23 de junho, quando o arquiteto completaria 100 anos, a curadoria busca mostrar que a militância do homenageado surge no contexto de uma geração. “Sua postura política não ecoa nas obras como forma. Ele não fez realismo socialista, mas sim arquitetura moderna. Fez parte da transformação de São Paulo em uma sociedade urbana e daquilo que Antonio Candido chama de institucionalização do modernismo, com seu engajamento no Instituto de Arquitetos do Brasil e na USP, entre outros. É dele o projeto, por exemplo, da sede do Museu de Arte Moderna paulista, no prédio dos Diários Associados, na Rua Sete de Abril”, diz Rosa Artigas.
A trajetória pessoal e profissional do arquiteto é relembrada na exposição por meio de desenhos, cartas e objetos pessoais, da régua de cálculo às notórias gravatas borboletas. Um dos destaques da linha do tempo da mostra é a atuação de Artigas como figura de proa da Escola Paulista, termo usado para caracterizar parte da produção arquitetônica brasileira moderna, marcada pela adoção do concreto armado aparente e pela integração de espaços, elementos visíveis em trabalhos feitos em parceria com Carlos Cascaldi, como o do Edifício Louveira (1946), marcado por seu diálogo com o entorno urbano, e da Casa Artigas (1949), em que se destaca, em suas palavras, a “organização nova dos serviços domésticos, mais simples, mais rápida, dispensando o auxílio de empregadas domésticas”.
Para Rosa, o caráter coletivo, que reflete o modo de pensar a arquitetura de seu pai, surge com mais força ainda nas obras públicas, que começam a ser feitas a partir dos anos 1960. “Ele começou sua carreira construindo casas para clientes privados. A importância que ele dá à relação com o outro reflete seu modo de pensar a vida e se vê melhor em espaços como o prédio da FAU, projeto iniciado em 1961, com seu conceito de praça e grande transparência”, afirma.
A FAU e outros 42 projetos do arquiteto também podem ser vistos com detalhes no livro Vilanova Artigas, que será lançado em julho, pela Terceiro Nome. Rosa Artigas divide com seu filho, Marco Artigas Forti, a pesquisa do título, que traz também fotografias atuais e antigas das construções, além de desenhos à mão. Feitas entre 1942 e 1980, as obras são dispostas em ordem cronológica e divididas entre casas, apartamentos, escolas, edifícios comerciais e institucionais, conjuntos habitacionais e equipamentos urbanos.
A editora também publicará o infantil A Mão Livre do Vovô, idealizado pelo arquiteto Michel Gorski e pela escritora Sílvia Zatz, que reúne desenhos de animais, instrumentos musicais, barros, etc., feitos por Artigas para – e com – seus netos, com lápis de cor ou canetas. O livro tem duas versões: uma encadernada, outra com páginas soltas, permitindo ao leitor criar a própria narrativa.
Completam as homenagens ao centenário de Artigas o site vilanovaartigas.com e o documentário Vilanova Artigas, que estreia no Espaço Itaú de Cinema na mesma semana da abertura da Ocupação. Com roteiro de sua neta, Laura, que divide a direção com Pedro Gorski, o filme traz depoimentos de ex-alunos ilustres do arquiteto, como Ruy Ohtake e José Armênio de Brito Cruz, e de seu contemporâneo Paulo Mendes da Rocha. Faz ainda um passeio por construções desenhadas por Artigas, como a “casinha”, residência que ele projetou para si mesmo em 1942, e a Casa Artigas, sua morada a partir de 1949.
“Venho de uma família de professores. Todos os eventos em casa eram quase como uma aula, todos eram excelentes contadores de histórias. Queria passar um pouco desse clima no documentário”, afirma Laura, que diz ter memórias pouco claras do avô, pois tinha apenas 4 anos quando ele morreu, em 1985. “Construí o afeto por meu avô a partir das histórias que minha avó, minha mãe e pessoas que conviveram com ele sempre me contaram a seu respeito. Contudo, os momentos felizes de infância que passei na Casa e na ‘casinha’ do Campo Belo com a minha família, aproveitando cada cantinho, são minhas lembranças mais imediatas dele.”
Ocupação Vilanova Artigas
Itaú Cultural – Avenida Paulista, 149 – São Paulo – SP
De 24 de junho a 9 de agosto.
(11) 2168-1776/1777 – www.itaucultural.org.br
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