Tradições do fotojornalismo

Folhas de contato do parisiense registram o deslocamento de trabalhadores franceses. Foto: Eliiott Erwitt/divulgação
Folhas de contato do parisiense registram o deslocamento de trabalhadores franceses. Foto: Eliiott Erwitt/divulgação

Muitas vezes, quando olhamos para uma fotografia impressa nos jornais diários, em uma revista, em um livro ou exposta em uma parede de museu, acreditamos que ela seja única, uma tomada feita pelo fotógrafo em um único frame. Esquecemos que a produção de uma fotografia é quase sempre um momento, uma fração de segundos e, em geral, existe um antes, um depois e um durante, que se perdem na edição final de um trabalho. Nos tempos da imagem analógica, antes de editar qualquer ensaio ou reportagem, os fotógrafos imprimiam uma folha de contato em que todas as imagens podiam ser vistas em sequência. Era o resumo do dia. Mas muito mais do que isso era a possibilidade de acompanhar o processo criativo de um fotógrafo.

Série Police Work, de 1979, flagra a rotina de policiais em Nova York. Foto: Leonard Freed/Divulgação
Série Police Work, de 1979, flagra a rotina de policiais em Nova York. Foto: Leonard Freed/Divulgação

Um olhar mais experiente poderia perceber o raciocínio do autor. Um diário de bordo. Nem sempre esse exercício, porém, era conhecido por aqueles que não compartilhavam daquele momento. Mas agora com a série Contatos, lançada pelo Instituto Moreira Salles, vai ser possível acompanhar, por meio da fala do próprio fotógrafo, como foi pensada a construção de uma imagem. São três DVDs, o primeiro, que já está nas prateleiras, é sobre fotojornalismo – à venda nas lojas dos centros culturais do IMS, em www.lojadoims.com.br e livrarias. O segundo, previsto para ser lançado em agosto, aborda a fotografia contemporânea. E o terceiro, que deve sair em outubro, é sobre a fotografia conceitual.

Neste primeiro, uma coletânea de micro-histórias apresentam profissionais como Henri Cartier-Bresson, Raymond Depardon, Josef Koudelka, Édouard Boubat, Leonard Freed, Elliott Erwitt, Don McCullin, Helmut Newton, Mario Giacomelli, Marc Riboud, Robert Doisneau e William Klein.

Imagens feitas na Romênia pelo fotógrafo tcheco, célebre por sua cobertura da Primavera de Praga. Foto: Josef Koudelka/Divulgação
Imagens feitas na Romênia pelo fotógrafo tcheco, célebre por sua cobertura da Primavera de Praga. Foto: Josef Koudelka/Divulgação

E é por meio das folhas de contato que eles falam e nos apresentam suas obras. Nelas eram assinaladas as melhores fotos, realizados os cortes (crops, como são hoje conhecidos) e apontados os tratamentos na hora da ampliação da imagem. Sim, claro, tudo isso pode ser feito hoje em frente a uma tela de computador, sem dúvida nenhuma, mas não é a mesma coisa. Na folha de contato, até um possível erro ficava registrado, nada era deletado e aquela foto, aparentemente equivocada, poderia ser o início de um novo ensaio. O próprio William Klein (1928), em sua fala em um dos documentários, afirma: “Você lê as tiras da esquerda para a direita, como se fosse um texto. É o diário do fotógrafo. Você vê o que ele viu através do visor, suas hesitações, seus sucessos, suas falhas, suas escolhas. Ele escolhe um momento, um ângulo. Um outro momento, um outro ângulo. (…) A vida de um fotógrafo, até mesmo de um grande fotógrafo, corresponde a uns poucos segundos”.

Os bastidores da moda, pelas lentes do mestre nova-iorquino . Foto: William Klein/Divulgação
Os bastidores da moda, pelas lentes do mestre nova-iorquino . Foto: William Klein/Divulgação

Nessa mesma linha Henri Cartier-Bresson (1908-2004) comenta: “Na fotorreportagem, nosso diário de bordo, só importa o flagrante, o instantâneo. É preciso associar a emoção recebida do tema ao prazer da composição plástica, e a intuição é a regra de ouro para buscar o equilíbrio das formas. Para mim, esses são os princípios. O mais vem do inconsciente – na verdade, não sabemos. Vem do inconsciente. E, por fim, da folha de contato. Ela é mais ou menos o divã do analista”.

O asilo psiquiátrico de Saint Clement, sob o olhar do francês. Foto: Raymond Depardon/Divulgação
O asilo psiquiátrico de Saint Clement, sob o olhar do francês. Foto: Raymond Depardon/Divulgação

Kristen Lubben, curadora do Centro Internacional de Fotografia de Nova York (ICP), comenta na introdução do livro Magnum Contatos, lançado pelo Instituto em 2012, que “o uso das folhas de contato na edição das imagens era tão onipresente a ponto de ser visto como parte inevitável e inextricável do processo fotográfico”. Ainda segundo ela, “a folha de contato, criada mediante a impressão direta de um rolo ou sequência de negativos, permite ao fotógrafo a primeira visão daquilo que ele ou ela capturou no filme, mas também propicia uma visão do seu processo criativo. Ao armazenar cada passo ao longo do caminho que conduz a determinada imagem, ela dá a sensação de que estamos ao lado do fotógrafo e vemos através de seus olhos”. 

Mario Giacomelli Morto em 2000, cinco anos antes, o mestre italiano foi retratado pelo amigo Ferdinando Scianna. Foto: Divulgação
Mario Giacomelli Morto em 2000, cinco anos antes, o mestre italiano foi retratado pelo amigo Ferdinando Scianna. Foto: Divulgação

 

 


Comments

Uma resposta para “Tradições do fotojornalismo”

  1. Isto é simplesmente maravilhoso…poder acompanhar intimamente o processo criativo é um grande deleite e aprendizado também.

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