Na troca de e-mails, Xico Sá avisa que seu “negocio é o ócio”. Não é o que parece. Encarregado de uma coluna na versão brasileira do jornal El País e integrante fixo dos programas Extra Ordinários do SportTV e Papo de Segunda do GNT, o escritor e jornalista respondeu as perguntas da reportagem em velocidade recorde.
No mês que vem, o trabalho de Xico chega em mais uma mídia. Estreia nas telonas a adaptação de seu romance Big Jato (Companhia das Letras), dirigido pelo amigo Claudio Assis. “Nem sei o que diabo saiu disso”, confessa o escritor.
Mas nossa conversa não fica só nisso. Xico Sá, tuiteiro assíduo, comenta também a crise política e jornalística do país com o desenrolar da operação Lava Jato, as manifestações do último fim de semana, sua carreira televisiva, a vida no Rio e adianta o personagem de um novo romance.
Leia a conversa:
Brasileiros: Como viu as manifestações deste fim de semana? Acompanhou ou ignorou? Você fez suas críticas no Twitter.
Xico Sá: Estava na casa materna, em Juazeiro do Norte, cercado de parentes e amigos que mudaram de vida no período que hoje chamam vulgarmente de lulopetismo, gente, muita gente, que entrou na universidade em um universo onde não era permitido – até então apenas eu, por ter migrado na teimosia e na loucura, sabia o que era entrar numa faculdade. E não estou falando de conformados ou conformista. A parentada também é critica ao governo e queria que estivesse tudo melhor, mas não têm essa raiva, essa ira – algumas vezes ira de luta de classes – que vimos em muitos grupos nas manifestações. Acompanhei sim as manifestações, apesar de ter ficado meio deprimido com aqueles que pediram a volta dos militares ou gritaram “morte aos comunistas”. O que temos é o contrário e deve fazer sofrer todo anarco-comunista como yo: neoliberalismo cortando no osso-buco da existência. Eis a cartilha.
Um haicai (“Grande juiz Moro/ só no cu fácil da vaca/ jamais no cu do touro”) seu para o Sérgio Moro rendeu muitos comentários, suas críticas a imprensa a cobertura da Lava Jato também. Como você encara essa liberdade atual? Você nota alguma semelhança na imprensa, entre acertos e falhas, com a época do impeachment do Collor ou é uma correlação que não existe?
O lindo é poder criticar e tirar essa onda toda. Já fiz haicai satirizando Lula, Madre Tereza de Calcutá, Papa, tirando onda inclusive com o Bashô, o maior do haicai universal na sua forma original (a oriental), por que não faria com o juiz? Só não mexo com meu padim padre Cícero! O Moro é importante, mas não é Deus. No escândalo Banestado perdoou os mais perigosos dos bandidos, com milhões sob suspeita. Ninguém é santo nesse belo drama brasileiro que vivemos. Tudo é jogo político-midiático. Moro fez uma coisa genial: pela primeira vez vimos corruptores na cadeia, coisa impensável na era Collor, com as mesmas empreiteiras. Se Moro não ficar tão somente na pauta que visa pegar o lulopetismo, terá sido algo importante. Por que não existe um tucano no alvo de nenhuma investigação séria que dê manchete no Brasil? Essa proteção ecológica não é boa para a história. A grana de campanha é suja para todos.
Li em uma entrevista você falando que aceita tudo que é trabalho. Com dois programas de televisão e uma coluna semanal este é o período que você anda trabalhando mais ou menos? Se não for, me fala a época mais intensa de trampo na sua vida. È mole ter opinião sobre tudo sempre?
Rapaz, ainda dá tempo para beber com os amigos, amar minha mulher na cota do possível, dá um rasante na madruga carioca ou paulista -obrigação do cronista. Digo que aceito tudo que é trabalho porque já penei muito e sei o valor que o trabalho tem. Ainda não descobri o valor do dinheiro, gasto antes que ele saiba quem sou eu e eu saiba quem é ele. No meio de toda zona, leio Tolstói, a minha grande leitura atual, o anarquista cristão que me deixa no ponto para existir nessa loucura toda.
5 anos de TV, é isso? O que aprendeu e desaprendeu neste tempo?
Acho que uns 6 anos e pouco agora… Poderia cantar aquela música dos Titãs: é que a televisão me deixou burro, muito burro demais, a canção do Ronald Golias, genialíssima. Nunca pensei em fazer tv e ainda me é um bicho estranho. Sai de casa para tomar uma cerveja com doutor Sócrates e acabei ficando televisivo. culpa do doutor, com quem comecei no “Cartão Verde”, na Tv Cultura, graças ao chamado do Vladir Lemos. Me vejo sempre como um cronista na tv. Levo para a tv os temas e pitacos das minhas crônicas amorosas ou esportivas -por isso fui chamado.
Como anda sua rotina no Rio de Janeiro? A cidade te acolhe melhor que SP?
É a minha segunda experiência carioca, já havia morado aqui, dividindo com SP, em 2001… Sempre mudo por amor, o trabalho vem depois. Preciso de alguns lugares para retomar as correntes afetivas ou marinhas. Careço estar sempre um pouco em quatro cidades: meu Rio atual, principalmente pela crônica que minha Copacabana desperta; São Paulo, cidade onde vivi maior parte da minha vida, meu amor/desamor; Recife, Hellcife, minha educação literária e sentimental… E o Cariri, na ideia de uma infância e começo de adolescência que cada vez mais me chama para lá.
E o tempo para escrever? Tem algo maior aí no preparo – um romance, algum outro projeto de livro?
Sempre vivi nesse limite entre a doideira do jornalismo e a tentativa utópica de ser um escritor… Talvez só consiga aquela coisa que o poeta Sá-Carneiro falava da ponte do tédio entre um e o outro. Mas por incrível que pareça estou escrevendo um romance, mais existencialista que tudo de Camus e Sartre juntos (rs), sobre a vida de um goleiro.
A adaptação do seu romance Big Jato está prestes a ganhar a telona. Já viu o filme, o que achou?
Estreia agora dia 19 de setembro no Festival de Brasilia, dirigido pelo Claudio Assis, um amigo de uns 35 anos. Deixei ele ler o livro livremente, como um leitor qualquer, no cinema. Nem sei o que diabo saiu disso. Como se trata de um delírio, muito inspirado no escritor William Saroyan, naquela parada de “O jovem audaz no trapézio voador”, estou preparado para a surpresa, o salto no escuro do cinema.
Sua saída da Folha vai completar um ano em breve. Foram dias de bronca, textos longos. Como você avalia aquilo tudo agora?
Nem me lembro mais. Vida que persegue. Foi um grande mal-entendido de um coroinha do manual de redação.
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