Chileno se inspira no ouro nazista escondido em tratores submarinos

Patrick Hamilton é um jovem artista chileno que vem ganhando cada vez mais projeção internacional, desde a sua aparição na 2a Bienal do Mercosul, ocorrida em Porto Alegre no ano de 1999, quando chamou a atenção pela inovação. Desde então, a cada ano surpreende com um projeto diferente. Desta vez, ele envolve o espectador em um tema fascinante: o ouro acumulado pelos nazistas, fruto dos saques feitos em países invadidos por Hitler. Trata-se de uma fortuna gigantesca, que pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial teria sido contrabandeada para o continente americano, como parte de um plano para uma futura reconstrução do Reich. “Achei incrível essa inversão de rotas, pois no passado os europeus saquearam a América Latina, particularmente o ouro dos incas, e depois parte do ouro teria voltado, também pela mão dos europeus”, explica.

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Entre as diversas possibilidades do destino desse ouro, duas chamaram sua atenção: ele teria vindo escondido como peças e componentes de tratores exportados para o Chile na década de 1940, e também a bordo de submarinos. Patrick, que esteve em São Paulo, na Galeria Baró e no Paço das Artes, onde seu trabalho está em exibição, revela que o que o levou a se debruçar sobre esse projeto foi o fato de que parte desse tesouro poderia estar no Chile. “Há cerca de sete anos, li num jornal chileno a história do ouro transformado em peças dos então famosos tratores Lanz, exportados para o Chile e me interessei”, conta ele.

Segundo o jornal, partes internas do motor, como o virabrequim, teriam sido forjadas em ouro pouco antes da derrocada do Terceiro Reich. “Essa possibilidade nunca foi levada muito a sério pelos chilenos”, explica. Mas uma prova da veracidade veio quando descobriu que dois cidadãos alemães compraram recentemente dois mil desses velhos tratores e os levaram de volta para a Alemanha. “Eram tratores sucateados, caindo aos pedaços, e no entanto os alemães gastaram um bom dinheiro para embarcá-los, é tudo bem suspeito.” Hamilton conversou pessoalmente com vários camponeses que venderam os tratores. “Disseram que eram dois homens calados, que não gostavam de perguntas, e diziam que estavam trabalhando para um museu sobre tratores.” De tanto pesquisar, Hamilton se viu inspirado pelo assunto e o resultado foi a exposição Proyecto Lanz, levada ao público em 2009, na Trienal do Chile. São diversos olhares sobre esses tratores, como um virabrequim (peça grande, que fica dentro do motor) banhado em ouro, ou uma foto de um dos tratores, na qual o artista incrustou uma peça de ouro exatamente sobre sua imagem, como se a substituísse. Ambas estão na exposição do Paço das Artes.

Outra das hipóteses que despertou o interesse de Hamilton é a de que boa parte desse ouro teria sido colocada a bordo dos temidos submarinos U-Boot que inicialmente eram usados pelos alemães no patrulhamento do oceano Atlântico, quando afundaram vários navios brasileiros. Foram justamente os ataques desses submarinos um dos motivos que levaram o Brasil a participar da guerra. “Diz a lenda que eles podem ter sido abandonados em locais determinados pelos nazistas, para uma futura recuperação”, conta. Há quem diga que eles também teriam trazido militares do alto escalão, que viveram escondidos no Chile e na Argentina. “Independentemente disso, submarinos sempre me encantaram, parecem uns animais enormes, mergulham aqui e reaparecem quilômetros adiante, onde ninguém espera.”

A exposição Proyecto U-Boot surgiu em 2010, inspirada por outra notícia em jornais, falando dessa história dos submarinos repletos de ouro nazista. Não é a primeira vez que o projeto vem ao Brasil. “Trouxe esse trabalho em 2011, na Bienal de Curitiba, que acontece no Museu Niemeyer, mas esta é a primeira vez que essas duas exposições são exibidas juntas.” Entre as obras está uma réplica em tamanho pequeno de um submarino banhada a ouro e um vídeo que mostra um deles emergindo e submergindo.

Hamilton define a exposição como uma tentativa de tradução dessas lendas por intermédio de desenhos, fotografias e objetos. “Eles se transformam em uma releitura da mitologia, dentro de um contexto que remete à Segunda Guerra e ao nazismo. É uma história universal que se mescla com micro-histórias locais de camponeses e seu contato com a migração alemã, muito forte no Chile.” Dessa forma, ele pretende retratar também a relação entre lenda e realidade, com os caçadores de tesouro que procuram submarinos e tratores alemães. “A presença do ouro como significante de desejo e riqueza também relaciona-se com a antiga lenda do El Dorado que motivou tantos europeus a buscarem a América Latina no passado.”

Apesar de contrapor lenda e realidade, a obra de Hamilton não busca a verdade absoluta. “Meu trabalho tem forte influência da literatura, em particular História Universal da Infâmia, de Jorge Luis Borges, e Literatura Nazista na América, de Roberto Bolaño, pela facilidade com que ambos mesclam realidade e ficção, manipulando-as para criar suas histórias”, comenta. Realidade ou ficção, com seu trabalho Hamilton lança um olhar original sobre uma história que permaneceu oculta por muito tempo.

Marcelo Lyra é jornalista, crítico e historiador de cinema


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