Jorge Glusberg, um líder da produção argentina de arte

Sua morte recente quase passou despercebida no Brasil, Jorge Glusberg. Tão diferente dos anos 1960 e 70, quando você vinha participar da Bienal Internacional de São Paulo, seja como agitador cultural, seja como crítico de arte de vanguarda ou mesmo artista. Você e sua entourage eram tão, digamos, conceituais. Tinham na ponta da língua a diferença entre happening e performance, por exemplo. Os mais velhos sabem que você era o líder dos artistas argentinos autointitulados Grupo de los Trece que, em 1977, cometeram a proeza de arrebatar o Grande Prêmio da Bienal de São Paulo. Que ninguém esqueça que vocês foram os únicos deste lado do hemisfério a ganhar tal láurea.

É verdade que essa premiação levantou polêmicas. A jornalista Leonor Amarante relata – em seu livro, de 1989, As Bienais de São Paulo – o clima da época: “Batatas, salames, gaiolas, pedaços de carne, velas, arames, terra, uma televisão ligada o tempo todo… Esse universo aparentemente caótico, que compunha a instalação Signos em Eco-Sistemas Artificiais, do Grupo de los Trece, de Buenos Aires, deu à Argentina o privilégio de ser o único país latino-americano a receber o prêmio máximo da Bienal Internacional de São Paulo. O fato, que poderia se transformar em uma festa, acabou em grande confusão. Os protestos contra a premiação começaram bem antes da linha oficial ser anunciada. O brasileiro Frans Krajcberg ficou furioso ao ser anunciado o nome do grupo. Em sua versão, os artistas argentinos eram ricos e ainda financiados por um magnata, Jorge Glusberg, que teria investido muito dinheiro na exposição” (página 244).

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Eu disse que seu desaparecimento “quase passou despercebido”, Dom Jorge Glusberg, pois seu cadáver ainda estava insepulto quando recebo, em 2 de fevereiro deste ano, um telefonema justamente da autora do livro acima. Ela estava visivelmente abalada pela perda. “O Glusberg não era unanimidade”, Leonor Amarante me disse, “tem pessoas que não gostam do estilo dele trabalhar, mas só erra muito quem faz muito. Ninguém joga pedra em árvore que não dá frutos. É fácil, para quem não faz nada, criticar. Um homem que tinha aquele humor judaico, cortante, irônico, vai fazer muita falta… Uma pessoa que não teve medo de colocar suas ideias em um momento difícil, politicamente, se opondo a uma visão plana de arte latino–americana plana…”.

Fiquei curioso e procurei outras pessoas do mundo das artes brasileiras que te conheceram, Glusberg. O crítico de arte Olívio Tavares de Araújo, por exemplo, fez parte do Júri de Seleção da Bienal de 1977, a que te premiou. Ele me disse que você era ponta de lança da vanguarda, trazia para cá coisas que saíam lá fora. Olívio me contou que você representava uma multinacional da área de alta tecnologia e talvez por isso estivesse interessado na mistura de arte e ciência. “Era uma figura levemente mefistotélica, metido a grande teórico, responsável por certa mentalidade de vanguarda que trazia de Buenos Aires”, concluiu, sem me explicar exatamente o que seria uma “figura levemente mefistotélica”…

O museólogo e curador Fábio Magalhães me explicou que ser polêmico era uma de suas marcas e com isso você acumulou muitos inimigos, mas nunca deixou de ser independente e de agitar as bandeiras da grande vanguarda. Com seu jeito professoral, Magalhães recordou que quando dirigiu o MASP ele te apoiou (você então dirigia o Museu Nacional de Belas Artes, da Argentina), na organização de uma grande exposição de artistas brasileiros em Buenos Aires. “Era um homem extremamente agitado, contra a acomodação de qualquer manifestação artística”, resume Magalhães.

Paulo Mendes da Rocha foi convidado por você a dar uma palestra somente na 11a Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, de 2007. Vocês dois não tiveram uma relação próxima, mas o arquiteto brasileiro reconhece em você uma espécie de “embaixador cultural”, que articulava muito bem os serviços diplomáticos de diferentes países para promover eventos internacionais. Mendes da Rocha, porém, torce o nariz para o fato de você ter exercido cargos na época da ditadura militar argentina e ter enriquecido com uma fábrica de luminárias que fornecia aos militares e que, inclusive, iluminou os estádios da Copa do Mundo de 1978.

Sua morte repercutiu em seu país, claro. A versão on-line do jornal Clarín, o mais importante da Argentina, dedicou-lhe uma matéria. Ao pé da página, vários leitores deixaram seus comentários. Muitos o atacaram e outros o defenderam. O comentário de um deles, um tal de Norberto Chavarri, bem que poderia ser o meu: “Me fascina ver como na hora da despedida vão chegando as faturas não pagas em vida, recheadas de paixões reprimidas. É uma pena que, ao morrer, não possamos nos inteirar da memória que perdura. Assim é a vida, Glusberg”.


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