“Para cassar Temer é preciso protocolar pedido só para ele”, diz ex-presidente do STF

Cunha entrega medalha Mérito Legislativo para Michel Temer - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Cunha entrega medalha Mérito Legislativo para Michel Temer – Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A guerra travada em Brasília este ano ganhou novo capítulo nesta terça-feira (8) com o vazamento de uma carta insatisfeita do vice-presidente Michel Temer à presidenta Dilma Rousseff e com a revelação de que ele também praticou as chamadas “pedaladas fiscais”, principal argumento da oposição para pedir o impeachment da petista. Acontece que pedir o afastamento do vice por este motivo não será tão fácil, aposta o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sydney Sanches, presidente da Suprema Corte quando Fernando Collor de Mello sofreu processo semelhante.

Em entrevista à Brasileiros, o jurista afirma que Temer também terá de passar por um processo de impedimento se a intenção for garantir que ele não ocupe a cadeira da titular em razão de suas pedaladas. O processo pode ser protocolado na Câmara por qualquer cidadão, mas ainda dependeria de seu acolhimento por parte de Cunha. “Depois de protocolar, é juntar a nova solicitação com a anterior [contra Dilma] para que as duas corram juntas”, explica.

Para o magistrado, o processo que Dilma vive em nada se assemelha com o que Collor passou na década de 1990. “Ali havia fato concreto. O irmão do Collor dizia que ele recebeu dinheiro do PC Farias com o qual comprou carro e reformou a casa da mãe. Faltou decoro ao mandato.”

Sanches também comentou as manobras do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para se livrar da cassação: “Ele está usando o cargo para se safar dessa alegação de que praticou infração grave ao negar a existência de contas suas na Suíça.”   

Brasileiros – Há razões para o impeachment?

Sydney Sanches – Eu não tenho em mãos a denúncia. Mas se tiver relação com as pedaladas, talvez tenha ocorrido crime ao fraudar a lei de responsabilidade fiscal, mas não é fácil provar algo dessa natureza. O Congresso também aprovou a nova meta fiscal em que permite déficit de R$ 119 bilhões. Isso pode derrubar o argumento [do impeachment].

Michel Temer, o vice-presidente, também é suspeito de assinar as tais “pedaladas”. Ele pode ser incluído na mesma ação de impeachment acolhida por Cunha contra Dilma?

Não. É preciso fazer um novo pedido de impeachment. Uma possibilidade, depois de protocolar, é juntar a nova solicitação com a anterior para que as duas corram juntas.

Nessas circunstâncias é possível que o Temer caia e Dilma não?

Não. Se um for condenado por este crime, o outro também será.

O Cunha assume se os dois caírem?

Exatamente. Isso só não vai acontecer se ele cair primeiro no Conselho de Ética da Câmara. [A Casa pode cassá-lo por mentir na CPI da Petrobras ao afirmar que não possui contas secretas na Suíça]

Vai dar tempo de votar o impeachment antes do afastamento dele?

Eu acho que não, mas tudo pode acontecer porque ele é o presidente da Câmara e pode obstruir a votação contra ele. Não será o judiciário quem vai julgá-lo.

Mas se ele assumir a presidência, ninguém poderá cassa-lo na Câmara?

Não. Mas, se ele assumir, terá como função urgente marcar uma nova eleição para presidente e vice. A eleição será pelo voto popular porque a vacância ocorreria antes de dois anos de mandato. Se fosse depois, a eleição seria no Congresso.

Sydney Sanches, ex-presidente do STF: "julguem logo" - Foto: EBC
Sydney Sanches, ex-presidente do STF: “julguem logo” – Foto: EBC

Por que é melhor para o governo que o recesso no Congresso seja suspenso para votar o impeachment de uma vez?

Por causa da aflição que o governo está passando. Quanto mais demorar para votar, mais tempo o País ficará parado e a economia enfraquecida, aumentando a impopularidade da presidente e as possibilidades de impeachment. O que mais importa é que não será fácil conseguir 2/3 dos votos nas duas Casas. Aí, o processo nem se instaura; nem vai para o Supremo.

Em que situação assume o presidente do STF?

O presidente do Supremo é o quarto na ordem sucessória. Primeiro é o vice, depois o presidente da Câmara, depois o presidente do Senado e, por último, o presidente do STF. Da mesma forma, seria só para promover uma nova eleição.

As contas de campanha de Dilma foram aprovadas pelos ministros do TSE e o prazo para recursos terminou. Mesmo assim, o TSE vai continuar com o julgamento. O que o senhor acha disso?

O TSE investiga se houve abuso de poder político e econômico na eleição. A lei permite reabrir o processo se aparecerem provas depois do julgamento das contas. A suspeita é que o PT usou dinheiro da Lava Jato na campanha presidencial. Como uma acusação dessas depende de prova, o julgamento pode demorar muito para acontecer.

Como o senhor vem acompanhando as manobras do Cunha para não votarem seu afastamento?

Ele está usando o cargo para se safar dessa alegação de que praticou infração grave ao negar a existência de contas suas na Suíça. Eu não entendi as alegações dele até hoje. Disse que não é dono, mas é beneficiário. Parece-me a mesma coisa.

O senhor se lembra de ter visto um clima como esse no Congresso?

Nunca vi nada parecido. Eles [parlamentares] querem envolver todo mundo para não ter quorum contra ninguém. Acho que o processo [de impeachment] não pode demorar tanto assim. Quanto mais demora, mais o povo fica desacreditado e qualquer manobra que protele uma decisão é vista como intenção de prejudicar o povo.

Esse processo de impeachment se parece com o que o senhor analisou no Supremo contra o Collor?

É muito diferente. Ali havia fato concreto. O irmão do Collor dizia que ele recebeu dinheiro do PC Farias com o qual comprou carro e reformou a casa da mãe. Faltou decoro ao mandato. Isso não se pode dizer contra a Dilma. Além disso, quando o Collor pediu ao povo que saísse de verde e amarelo em sua defesa, todas as classes sociais saíram juntas de luto e braço dado. É muito diferente.

E o que o senhor achou da carta que o Temer enviou para Dilma?

Se existiu o descarte dele no governo, acho uma manifestação justa, mas também acho que ele deveria ter se manifestado antes.


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