A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está discutindo formas de incluir os saberes de mestres da cultura popular no meio acadêmico. O tema foi debatido na última quinta-feira (28) por professores de várias universidades do Brasil.
O coordenador do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Carlos Wainer, explica que já existem na instituição iniciativas de diálogo e articulação com saberes não-acadêmicos, populares e tradicionais em diferentes áreas como música, dança, ensino e pesquisa em antropologia social e ciências sociais. A ideia agora é estruturar essas experiências.
“Não existe uma política unificando todas essas iniciativas, promovendo elas de uma forma mais estruturada, com apoio material e institucional mais forte. O objetivo desse movimento aqui é cunhar na direção de uma política estruturante e institucional na universidade que reconheça essas experiências, valide essas experiências e promova o seu fortalecimento.”
Até julho, a UFRJ vai promover uma discussão interna sobre o tema e no segundo semestre haverá um encontro nacional junto com o Ministério da Cultura. Um dos modelos que inspiram a iniciativa fluminense é o projeto Encontro de Saberes, do Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB).
Coordenado pelo professor de antropologia José Jorge de Carvalho, o Encontro de Saberes começou em 2010 e já teve a participação de 70 mestres só na UnB. Em 2014, o projeto foi expandido para outras cinco universidades do Brasil e uma de Bogotá, na Colômbia. Carvalho explica que os mestres populares são acompanhados de um professor parceiro e convidados a ministrar aulas na universidade.
Combate ao racismo
O antropólogo, que comandou a implantação da política de cotas raciais para ingresso de estudantes na UnB, em 2003, diz que o projeto Encontro de Saberes também promove a inclusão racial, tendo em vista que os mestres convidados são majoritariamente negros e indígenas.
“A universidade é racista de origem, ela considera só conhecimento europeu e é feita só de brancos, então é um racismo crônico. Incluir os saberes locais – os mestres são negros e indígenas, que já foram vítimas do racismo – é uma dupla inclusão, porque um pobre negro vai ser professor e os alunos vão respeitar ele pelo seu saber, não por sua cor ou pelo seu diploma”.
Carvalho cita como exemplo o mestre indígena Maniwa, que deu aulas na faculdade de arquitetura, mas que também pode ser considerado engenheiro e botânico pelos cálculos que faz para suas construções e conhecimento das árvores certas para o trabalho, além de deter o conhecimento da tradição oral dos mitos e ser pajé.
Outra mestra do projeto é a quilombola Lucia Lipio, que conhece as propriedades medicinais de 450 plantas e está escrevendo a grande farmacopeia do Cerrado. “Mas ela trata as plantas como seres vivos, então não dá para enquadrar ela só na farmácia, que só quer saber de isolar o princípio ativo”, explica Carvalho.
Notório saber
O projeto já conseguiu catalogar 1.137 mestres do conhecimento popular em todo o país e o próximo passo é conceder título de notório saber aos que passaram pelas salas de aula das universidades. Segundo Carvalho, os processos estão em andamento e os primeiros títulos devem sair ainda este ano.
“Muitos mestres são analfabetos, eles não têm curso superior. Mas as universidades têm esse título de notório saber, que normalmente dá para pessoas que já são do mundo letrado. Nós estamos propondo que seja dado o título de notório saber a esses mestres para que eles possam atuar como professores substitutos ou visitantes. Isso é uma revolução na universidade, porque aqui não é lugar de quem não estudou na tradição europeia, como os negros e indígenas que tem outros saberes.”
Integrante do comitê de salvaguarda do ofício de baiana de acarajé, tombado como patrimônio imaterial em 2004, Sônia Baiana considera “maravilhoso” o projeto de incluir os saberes tradicionais nas universidades.
“Cada vez eu acho que o meu ofício está pertinente com esses espaços, a discussão nas universidades, nossos saberes, porque nós temos muitos. Infelizmente, a Academia tem ignorado, mas o saber popular é de extrema importância. A gente representa uma cultura de ancestralidade que a Academia não entende, a Academia só ensina negócio. Os saberes e fazeres vêm lá de trás, de nossos ancestrais, e o comitê é para salvaguardar o nosso patrimônio, porque se nós não estivermos de olhos abertos vai acabar”.
Deixe um comentário