Uma das revistas científicas mais respeitadas do mundo, o The New England Journal of Medicine, publicou na última sexta-feira os resultados de um dos mais importantes estudos sobre a epidemia de zika concluídos até agora. O trabalho, liderado por Patrícia Brasil, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), reuniu informações confiáveis de que as anomalias causadas pelo vírus zika podem acontecer em qualquer período da gestação. O trabalho mostrou ainda que em 71% dos casos de gestantes que contraíram zika estudadas pelos pesquisadores não houve danos ao feto. As anomalias foram vistas em 29% das gestantes estudadas. As alterações caracterizam a síndrome congênita por zika.
A equipe que participou da pesquisa analisou amostras de sangue e de urina de 88 gestantes com sintomas associados ao zika. As amostras foram coletadas entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016. Dentre todas, 72 pacientes apresentaram resultado positivo no teste para vírus zika.
O estudo identificou uma síndrome congênita relacionada ao zika que provoca, entre outras manifestações, falhas na formação de estruturas e calcificações cerebrais, atrofia de estruturas no cérebro e também a microcefalia (a diminuição da circunferência da cabeça em relação a padrões considerados normais). “Detectamos também falha no crescimento fetal, o que é típico de outras infecções congênitas, como citomegalovirus e rubéola”, afirmou Patrícia Brasil.
“Encontramos anomalias em 29% dos exames de ultrassom. O mais preocupante, porém, é que problemas com o feto e com a gravidez foram descritos em qualquer idade gestacional, até mesmo no terceiro trimestre, com casos de natimortos e ausência de líquido amniótico. Os dados sugerem que o vírus pode afetar negativamente a gestação em qualquer momento”, complementou a pesquisadora do INI/Fiocruz.
Uma das grandes preocupações dos autores do estudo é informar que os dados não são alarmistas. “Apesar do estudo contribuir para a fortalecimento da associação entre zika e anomalias congênitas, isso não significa que todas as gestantes infectadas terão bebês com anomalias. No nosso estudo, 71% das mães infectadas tiveram exames fetais sem anormalidades”, destacam os autores.
“É fundamental que, após o nascimento, as mães procurem o pediatra para acompanhamento do bebê por equipe especializada. Da mesma forma, é de extrema importância o estreito acompanhamento da gestante infectada pelo médico obstetra, uma vez que o monitoramento regular do crescimento e evolução do feto pode proporcionar a detecção oportuna de alterações que indiquem a necessidade de intervenções precoces que podem salvar a vida do bebê”, ressalta José Paulo Pereira Jr., coautor do artigo, junto com a pesquisadora do INI/Fiocruz.
Pereira Jr. e Brasil destacaram ainda que os dados devem ser observados com cautela devido ao restrito número de grávidas participantes do estudo. “A principal limitação desse trabalho é o pequeno número de gestantes acompanhadas, que não nos permite inferir o risco absoluto das anomalias congênitas na infecção por vírus zika”, afirmam os pesquisadores.
Zika x rubéola
Segundo os pesquisadores, a zika e a rubéola são consideradas duas doenças relativamente brandas na maior parte da população, mas que parecem estar associadas a anomalias congênitas. “Os dois vírus causam um quadro clínico semelhante com exantema (manchas vermelhas na pele), que começa no rosto e depois desce para o corpo. Esse exantema é pruriginoso em ambas as doenças e pode, ou não, ser acompanhado de uma febre baixa nas duas doenças. Há dores articulares, especialmente em mulheres, e aumento de gânglios cervicais ou retro-auriculares”, descreve Patrícia Brasil.
Ainda de acordo com a pesquisadora do INI/Fiocruz, as diferenças são que a rubéola não é transmitida por mosquito, e se manifesta com sintomas respiratórios como coriza, enquanto o zika não tem sintoma respiratório. José Paulo Pereira Jr., do IFF/Fiocruz, chama a atenção para a semelhança entre as anomalias fetais nas duas doenças, com crescimento intra-uterino retardado, alterações no sistema nervoso central e calcificações cerebrais. “A rubéola não causa má-formação fetal quando contraída após 20 semanas de gestação, mas, no nosso estudo, as más formações fetais do sistema nervoso central foram observadas quando a infecção ocorreu até 27 semanas de gestação, além dos efeitos adversos também no terceiro trimestre da gestação como ausência de líquido amniótico e morte fetal”, declarou.
As infecções que ocorrem no início da gestação, ou no período de formação do embrião, são as que mais frequentemente cursam com anomalias congênitas, predominantemente na cabeça do feto, já que o zika tem reconhecidamente uma preferência pelo tecido cerebral. “Já no final da gestação, as alterações nos fetos parecem decorrentes do acometimento das placentas como crescimento intrauterino retardado e alteração do volume do líquido amniótico que se detectada oportunamente pode prevenir o sofrimento fetal”, disse.
Deixe um comentário