O domingo que passou pode ter sido o último lance da guerra pelo impeachment. “Se o governo resistir por mais algum tempo e Lula entrar na linha de frente é possível alguma esperança de normalização democrática”, avalia o jornalista Luis Nassif para o GGN. “O País será envolvido em uma guerra fratricida, com um novo governo previamente enfraquecido pela falta de consenso e exposto a ataques ao butim de todos os ‘vencedores’, de grupos jornalísticos a líderes empresariais e a impolutos de ordem geral que ajudaram a consumar o golpe.”
Confira o texto completo:
Peça 1 – a crise ficou grande demais para Dilma
É a única certeza nesse oceano de imprevisibilidades que caracteriza a crise atual. Dilma não tem fôlego político nem para lançar planos mais audaciosos nem para recompor sua base política. Mantido o quadro atual, se não cair por impeachment, cai pela crise.
Peça 2 – qualquer solução de conflito mergulha o país em uma crise imprevisível.
Essa premissa é central para todo o raciocínio posterior. Não significa que, automaticamente, conduzirá as discussões para a racionalidade. Mas será um fator relevante a estimular algumas lideranças mais responsáveis na busca do entendimento.
Grosso modo, há dois grupos trabalhando em saídas mais articuladas para a crise.
No Senado, o grupo formado por Renan Calheiros, José Serra e Romero Jucá, articulando alguma forma de semiparlamentarismo que mantenha Dilma Rousseff na presidência, mas sem governar. Vamos trata-lo de os Parlamentaristas para facilitar a leitura.
Ao largo, o grupo que cerca Lula, insistindo para que assuma um cargo de coordenação no Palácio, mesmo sem ser formal, mas que o transforme em um primeiro-ministro de fato. Chamemos de Lulistas.
Correndo por fora, o grupo do impeachment, com Aécio Neves na ponta. Seriam os Jacobinos.
Finalmente, o grupo do Ministério Público Federal diretamente liderado pelo Procurador Geral Rodrigo Janot. Vamos batizar de Alto Comando, para fugir da confusão corriqueira, de considerar que o comando e a estratégia da Lava Jato estão em Curitiba.
São esses personagens que jogam o jogo atual, cujo ápice serão as manifestações deste domingo.
As formas de jogo político
Para acompanhar o jogo é preciso entender melhor sua natureza.
Não se trata de uma conspiração palaciana, com um comando organizando todas as ações.
Movimentos de opinião pública são operações muito mais fluidas, mais amplas, nas quais se escolhe o momento adequado – o mal-estar econômico – e, se deflagra um conjunto de ações visando estimular as reações populares. A denúncia da corrupção é o mote mais eficaz.
Aberta a porteira, provoca-se o estouro da boiada e abre-se a caixa de Pandora. Há uma sucessão de eventos, alguns aleatórios, outros planejados. A arte da conspiração consiste em controlar os bois guias, os que vão na frente da boiada conduzindo-as. Mas o final sempre é imprevisível, daí a preocupação de Fernando Henrique Cardoso e de quadros do PSDB, recuando na radicalização.
O estouro da boiada foi possível com a parceria montada pelo Alto Comandocom a mídia, a entrada dos novos grupos que se apossaram das manifestações (Movimento Brasil Livre, Revoltados Online, provavelmente bancados de fora), e um investigação capaz de gerar fatos jornalísticos diários.
Hoje em dia, quem controla os bois guias é o Alto Comando, através da usina de geração de fatos da Lava Jato, sincronizando com os movimentos da oposição.
Os protagonistas a serem acompanhados são, portanto, os Parlamentaristas, os Lulistas e o Alto Comando. Os Jacobinos de Aécio e a mídia são agentes acessórios – no caso da mídia, fundamental para o sucesso da operação, mas vindo a reboque, sem papel na formulação estratégica,
A dificuldade de definição de estratégias se deve à extrema habilidade de um jogador essencial, o Alto Comando, que conseguiu jogar xadrez escondendo o rei. É uma velha gíria do xadrez: como a vitória consiste no xeque-mate ao rei, se você esconde o seu no tabuleiro, não tem como levar xeque.
Quando os demais personagens entenderem adequadamente o papel do Alto Comando, os erros de estratégia serão minimizados.
Como se organiza o jogo
Se consumado o impeachment de Dilma Rousseff, será um case mundial, provavelmente a mais bem-sucedida estratégia de golpe político das últimas décadas.
Não é o caso de voltar ao tema da geopolítica norte-americana na quadra atual. Maiores dados vocês poderão ler aqui (http://migre.me/tdbtp). A estratégia de desmonte dos grandes grupos nacionais que poderiam se habilitar a algum protagonismo externo pode ser lida aqui (http://migre.me/tdbAZ).
Há duas vertentes para dobrar a espinha do país.
A primeira, que dá o start, é a política de depreciação continuada de tudo que possa despertar o orgulho nacional. Esse trabalho ficou nítido na Copa do Mundo, um exercício tão funesto de derrubar a autoestima que conseguiu espantar das ruas até o orgulho de vestir camisa da Seleção. E isso antes do 7 x 1 e pouco tempo depois do país ter atingido o momento mais alto do seu orgulho, respeitado mundialmente pelos avanços sociais registrados.
A segunda vertente foi o papel do Alto Comando como estrategista central da Lava Jato.
Do lado jurídico, a maneira como a Lava Jato foi montada foi bem explicada pelo advogado Juarez Cirino dos Santos no site Jota (http://migre.me/td3XB).
- Além de constrangimentos e humilhações aos adversários políticos, a Operação Lava Jato apresenta inúmeras vantagens (…):
– primeiro, os procedimentos investigatórios e os processos criminais são seletivos e sigilosos: seletivos, porque dirigidos contra líderes do PT ou pessoas/empresas relacionadas ao Governo do PT – por motivos ideológicos ou não; sigilosos, porque não permitem conhecer a natureza real ou hipotética dos fatos imputados, fazendo prevalecer a versão oficial desses fatos, verdadeiros ou não;
– segundo, os nomes dos investigados são revelados ao público externo, como autores ou partícipes (por ação ou omissão) das hipóteses criminais imputadas, mediante programados vazamentos de informações (sigilosas) aos meios de comunicação de massa, com efeitos sociais e eleitorais devastadores sobre os adversários políticos dos grupos conservadores;
– terceiro, o espetáculo de buscas e apreensões violentas e de condução coercitiva ilegal de investigados (o ex-Presidente Lula, por exemplo), ou as ilegais quebras de sigilo (telefônico, bancário e fiscal) seguidas de espalhafatosas prisões preventivas (Zé Dirceu ou João Vaccari Neto, por exemplo), geram convenientes presunções de veracidade e de legitimidade da ação repressiva oficial perante a opinião pública.
- Nesse contexto, a contribuição objetiva da Operação Lava Jato– voluntária ou não, mas essencial para os fins político-eleitorais das classes hegemônicas organizadas no PSDB, no PPS, no DEM e outras siglas – ocorre na forma de contínua violação do devido processo legal, com o espetacular cancelamento dos princípios do contraditório, da ampla defesa, da proteção contra a autoincriminação, da presunção de inocência e outras conquistas históricas da civilização – apesar da reconhecida competência técnico-jurídica de seus protagonistas. A justiça criminal no âmbito da Operação Lava Jato produz a sensação perturbadora de que o processo penal brasileiro não é o que diz a lei processual, nem o que afirmam os Tribunais, menos ainda o que ensina a teoria jurídica, mas apenas e somente o que os dignos Procuradores da República e o ilustre Juiz Sérgio Moro imaginam que deve ser o processo penal. A insegurança jurídica e a falta de transparência dominante na justiça criminal da Operação Lava Jato levou o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a reproduzir antigo conceito de Rui Barbosa: “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário”.
- Então, entra em ação o grande parceiro da Operação Lava Jato: os meios de comunicação de massa (TV, jornais e rádios), com informações baseadas nas evidências processuais ou no material probatório obtido nas condições referidas, produzem um espetáculo midiático para consumo popular – e comícios diários de imagens virtuais audiovisuais, impressas e sonoras tomam conta do País, com efeitos psicossociais coletivos avassaladores. As versões, interpretações e hipóteses da justiça criminal da Operação Lava Jato, difundidas pela ação repressiva da Polícia Federal, pelas manifestações acusatórias dos Procuradores da República e pelas decisões punitivas do Juiz Sérgio Moro, produzem efeitos de lavagem cerebral e de condicionamento progressivo da opinião pública, submetida ao processo de inculcação diuturna de um discurso jurídico populista, com evidente significado político-partidário, mas apresentado sob aparência ilusória de uma impossível neutralidade política.
Quando os procuradores paulistas tentaram atropelar a agenda da Lava Jato, coube ao Procurador Geral da República Rodrigo Janot articular pessoalmente a estratégia da Lava Jato em relação às trapalhadas cometidas (http://migre.me/tdeQT). E a toda imprensa vocalizar as críticas contra quem poderia comprometer o script inicial, cuidadosamente planejado para chegar a bom termo respeitando as aparências jurídicas.
Do lado político, o Alto Comando opera a partir de Brasília visando criar toda a blindagem jurídica necessária, não apenas junto ao STF, como ao próprio governo e nas redes sociais.
No Twitter, por exemplo, os principais lugares-tenentes de Janot, através de seus perfis pessoais, conduzem uma ampla campanha de esclarecimento e de defesa da Lava Jato. Antes da constatação de que foi um desastre, até as trapalhadas dos procuradores paulistas mereceram esboços de defesa, por parte dos procuradores de Janot.
No STF e no TSE Janot não convalidou nenhuma tentativa de golpe branco. Consolidou a imagem de legalista junto ao STF e à presidente da República e, com isso, o espaço político para bancar a estratégia central, a Lava Jato. Nenhuma outra iniciativa roubou-lhe o protagonismo. Escondeu o rei e iludiu a rainha quanto aos propósitos republicanos da Lava Jato.
A Lava Jato foi apenas o aríete, atrás do qual montou-se um trabalho sistemático de destruição de todos os símbolos de de país.
Nas ruas, movimentos conduzidos pelo MBL e outros vocalizando as críticas às políticas sociais.
Na Lava Jato, um trabalho sistemático de destruição das maiores empresas nacionais, não apenas com inquéritos, mas com escracho. Recorreram ao escracho, ao boicote a qualquer acordo de leniência, à perseguição diuturna, com operações seguidas de invasão de sede, exposição de mensagens – até pessoais. A ideia não era punir: era destruir.
O ápice tem sido a tentativa de destruição do símbolo Lula. Qualquer compêndio futuro sobre a infâmia na vida nacional contemplará o que foi feito, até acusações de furto de obras no Palácio.
O Ministério Público Federal é composto por procuradores preparados. Não será necessário muito tempo para que, caindo a ficha do que fizeram, venha à tona os bastidores da operação.
Como foi possível, no entanto, cooptar quase toda a corporação?
A campanha antinacional da Copa e, principalmente, a revelação da enorme rede de corrupção da Petrobras, facilitaram a venda da ideia da destruição da velha ordem, por uma nova ordem, liderada pelo trabalho redentor do Ministério Público.
A velha ordem passou a se resumir a empreiteiras corruptas, cooptando o sistema político e judiciário, e um governo populista que cooptou a população com políticas sociais paternalistas. E não a lenta reconstrução democrática, os avanços civilizatórios (dos quais o próprio MPF foi agente importante), os avanços tecnológicos nas áreas do pré-sal e da defesa, o feito histórico de tirar milhões de pessoas da miséria e reduzir graus históricos de desigualdade. A corrupção foi o álibi para apagar a história recente do país, até a luta pela redemocratização.
Principalmente pesou a visão redentorista de um novo poder se sobrepondo aos demais e salvando o país.
Para avaliar os resultados do jogo, é fundamental esse entendimento sobre a posição do Alto Comando.
As próximas jogadas
Sabendo-se disso, fica mais claro o jogo, embora ainda seja difícil antecipar o resultado final.
Há duas saídas negociadas possíveis, nenhuma tendo Dilma como protagonista.
Saída 1 – O semiparlamentarismo com o PMDB, que tem várias nuances. No regime parlamentarista, cabe ao presidente indicar o primeiro ministro e o gabinete. E ao Congresso aceitar ou rejeitar. Pode-se tentar um parlamentarismo goela abaixo, mas seria regimentalmente complicado.
Saída 2 – semiparlamentarismo com Lula assumindo o papel de coordenador de governo, um primeiro-ministro de fato.
Impasse – qualquer decisão de força, sem consenso, tenderá ao fracasso. Sem um núcleo de poder, qualquer governo que assuma um país dividido ficará refém das forças que o elegeram. Será um ataque ao butim que inviabilizará qualquer tentativa de normalização econômica. Haverá agitação, repressão aos movimentos sociais, caça às bruxas.
Independentemente de pecadilhos ou grandes pecados, um pacto entre osParlamentaristas e os Lulistas é o único sinal visível de um polo racional na política.
Com Lula à frente, poderiam ser viabilizados acordos, através de uma coordenação dele, como primeiro-ministro de fato, ou em uma transição com um primeiro-ministro negociado entre ambos as partes.
Aí entram as jogadas do xadrez.
Antevendo essa possibilidade, o Alto Comando deflagrou novas operações simultâneas: a ofensiva total contra Lula, o alarido em torno dos presentes recebidos por Lula no exercício do poder; mais uma denúncia contra Renan Calheiros; mais detalhes da delação do senador Delcídio do Amaral, cujo conteúdo era conhecido apenas do Alto Comando e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Tem-se, então, duas forças conflitantes. De um lado o Alto Comando apostando tudo no confronto; de outro, forças moderadoras percebendo a possibilidade de uma guerra selvagem, se não se chegar a um entendimento.
A tentativa de acordo passa por ambientes confusos, mas depende fundamentalmente de Renan Calheiros e Lula.
Fator 1 – o STF e o fator Renan.
Os Ministros tendem a privilegiar a responsabilidade institucional. E na vitrine do Supremo, Janot tende a ter bom senso.
Nessa hipótese, Renan poderia ser poupado de atropelos imediatos, em nome da estabilidade política. Aparentemente o foro privilegiado o blindaria contra novas surpresas da Lava Jato. Mas não se descartam vazamentos de delações visando comprometer sua atuação.
Além da nova investida de Janot contra Renan, na próxima 4a feira a oposição tentará pressionar o Ministro Luís Roberto Barroso a rever seu voto em relação ao ritual do impeachment.
Desde que sua esposa foi alvo de ataques baixos, Barroso inibiu-se. As loucuras dos três procuradores paulistas estão diretamente ligadas ao seu recuo na questão da Terceira Instância. Como explicou o promotor Ricardo Blat, o pedido de prisão de Lula visou criar uma inovação jurisprudencial depois que os garantistas do Supremo abriram a guarda com a eliminação da terceira instância.
Espera-se que Barroso e demais garantistas se sintam mais fortalecidos. Mas ainda são uma incógnita.
Barroso terá um papel essencial. Se flexibiliza o impeachment, consolida a parceria PSDB-PMDB para derrubar a Dilma, pois nesse cas Michel Temer seria poupado. Se resiste, obriga a um pacto mais amplo e à busca de entendimento.
Fator 2 – O fator PSDB-PMDB.
O acordo semiparlamentarista prejudica Aécio e Alckmin para 2018
No momento, os Parlamentaristas confiam no indiciamento de Aécio Neves para avançar nas tratativas.
Obviamente não levaram em conta o Alto Comando. Se o nome de Aécio não aparecer nas delações de executivos da Andrade Gutierrez, aliás, consolidará a opinião geral sobre a proteção recebida. Mas há a possibilidade de que a abundância de indícios obrigue Janot a mudar de posição.
Alckmin se aproximou de Sérgio Moro através de seu candidato João Doria Jr. Essa aproximação pode ser debitada na conta dos eventos aleatórios, fora do script original. A própria truculência do Secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre Moraes, colocando a PM para reprimir uma assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos, é significativa dessa reação a qualquer acordo.
Fator 3 – O fator Lula
Depois de sua fase classe média ascendente – aceitando favores descabidos de empreiteiras – Lula vacila entre encarar a luta ou entrar para a história, como um novo Mandela, preso pela direita. Ótimo! Salva sua biografia à custa do comprometimento de todas as bandeiras que representa.
Se Lula não assumir um protagonismo total no governo Dilma, sua queda será questão de semanas.
Fator 4 – O Alto Comando.
O Alto Comando é integrado por procuradores probos, bem intencionados e iludidos pela visão redentorista. Nâo se descarte a possibilidade de um chamamento ao mundo real, quando avaliarem friamente os desdobramentos da crise atual.
Por enquanto, o cenário mais provável será o do pacto PMDB-PSDB visando apoiar ao impeachment.
Caso fracassarem as saídas políticas, a primeira fase do golpe de1964 será café pequeno. Juízes e procuradores serão liberados para acabar com a raça de tudo que cheire a esquerda.
O país será envolvido em uma guerra fratricida, com um novo governo previamente enfraquecido pela falta de consenso e exposto a ataques ao butim de todos os “vencedores”, de grupos jornalísticos a líderes empresariais e a impolutos de ordem geral que ajudaram a consumar o golpe.
Neste domingo, joga-se o último lance da guerra do impeachment. Se o governo resistir por mais algum tempo e Lula entrar na linha de frente, é possível alguma esperança de normalização democrática.
Deixe um comentário