De cada 14 produtos oferecidos no mercado de alimentos como biscoito integral, apenas três possuem farinha de trigo ou cereais realmente integrais como seu ingrediente principal.Dos 11 biscoitos que não possuem as características necessárias para serem reconhecidos como integrais, cinco sequer possuem farinha ou cereais na sua composição. Os outros seis têm mais farinha refinada do que integral.
A revelação foi feita pelo Idec, o Instituto de Defesa do Consumidor, que analisou 14 biscoitos autodenominados integrais, a maioria deles fabricada por grandes marcas. Artigo sobre a questão pode ser lido na revista publicada no dia 25 de março no site do instituto.
Confira no quadro abaixo o resultado do levantamento do Idec:
Pode ser errado, mas não é ilegal
Mesmo com evidentes problemas em sua formulação para satisfazer as expectativas do consumidor, os biscoitos ditos integrais não estão em desacordo com a legislação de alimentos e tampouco podem ser considerados ilegais.
Por que? A resposta, segundo o Idec, é simples. Na prática, a resolução no 263/2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regulamenta produtos à base de cereais, amidos e farinhas, não traz nenhuma linha a respeito do assunto. “Como não há legislação específica, a indústria tem carta branca para alegar que produtos ultraprocessados são integrais mesmo quando não possuem nenhum tipo de cereal integral, como observado em cinco biscoitos analisados”, critica Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec e coordenadora da pesquisa.
Norma será revista, afirma Anvisa
Diante desse cenário, o Idec questionou oficialmente a Anvisa. A agência informou que a norma em questão passará por revisão, a fim de estabelecer critérios mínimos para um alimento se declarar integral.
“O processo regulatório encontra-se em fase inicial de pesquisa de referências internacionais e levantamento dos atores interessados. Em seguida, a proposta será submetida à aprovação pela Diretoria Colegiada”, diz Thalita Antony Lima, gerente-geral de alimentos da agência.
Ok, mas até que algo aconteça, a única forma de o consumidor saber se um produto é mesmo integral é olhar a lista de ingredientes. Preste atenção: nessa lista, a ordem dos ingredientes é obrigatoriamente disposta em ordem de proporção, ou seja, do ingrediente em maior quantidade para aquele em menor quantidade.
No caso de produtos de panificação, como os biscoitos, o ideal é que a farinha integral seja o primeiro item da lista. Se não for, fique atento. Segundo o Idec, seria bom que os fabricantes especificassem o percentual de farinha ou cereais integrais presentes no alimento, pelo menos, para dar mais clareza ao consumidor.
O equívoco do “alto teor de fibras”
Pelos achados do Idec, o consumidor é duplamente enganado. Compra achando que é integral, só que não, e também pensa que leva para casa um belo aporte de fibras, mas não é bem isso. Mas, neste caso, há uma legislação e ela não é seguida.
De acordo com a Anvisa, para que um alimento possa ser enquadrado nas categorias “rico em fibras” ou “alto teor de fibras”, a legislação pede que contenha pelo menos 5 gramas de fibras por porção de alimento. Na análise feita pelo Idec, apenas quatro produtos passaram nesse teste. Os outros dez foram reprovados.
Consultada, a agência afirma que o uso de alegações desse tipo no rótulo ou em materiais publicitários é voluntário, mas os fabricantes que decidirem utilizar devem seguir as regras para tanto. A agência também informou que vai notificar as empresas irregulares identificadas na pesquisa do Idec. “Caso as irregularidades sejam confirmadas, as empresas serão instadas a adequarem a rotulagem dos produtos”, prometeu, em resposta, a gerente geral da Anvisa.
Leia no quadro abaixo os resultados do levantamento do Idec sobre a quantidade de fibras:
Pitadas de cereais
Algumas indústrias adicionam um tanto de fibras na forma de farelo de cereais à farinha refinada que usam na fabricação dos seus biscoitos. É um recurso que lhes permite inserir, no rótulo, além da farinha refinada, itens como fibra de aveia, fibra de trigo, farelo de trigo. Isso impressiona quem quer levar um alimento mais rico em nutrientes para casa.
Mas será que essa adição tardia causa o efeito é o mesmo que usar a farinha integral para fazer esses biscoitos? Não, de acordo com a professora Semíramis Domene, Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradora do Idec. “A adição de fibras na forma de farelo de cereais à farinha refinada pode não reproduzir as proporções originais [da farinha integral]. Mesmo que a quantidade final da mistura reproduza precisamente os teores originais [de fibras], os efeitos serão diferentes. Segundo a especialista, o mesmo acontece em relação a outros componentes, como os minerais e as vitaminas.
A professora Domene explica ainda que a indústria prefere utilizar a farinha refinada nos produtos integrais por razões econômicas. “Como a farinha de trigo refinada se conserva por mais tempo, diminuindo as perdas no processo produtivo, e com isso reduzindo o custo operacional”, destaca. Ela acredita que os produtos com farinha branca são mais “atrativos” para um consumidor ainda pouco acostumado a alimentos integrais, pois são mais macios, mais claros e duram mais tempo.
Sites caracterizam propaganda enganosa, diz Idec
Para o Idec, o conteúdo do site oficial das marcas viola o direito à informação adequada e caracteriza propaganda enganosa (artigos 6º e 37º do Código de Defesa do Consumidor).
Nas páginas oficiais das marcas Nesfit Original e Nesfit Aveis e Mel (Nestlé) e Sublime Original Cream Cracker Integral (Panco), também há “erros” por declararem como “fontes de fibras”.
No caso dos biscoitos Nesfit, há a expressão “fonte de fibras”. No da Panco, “nutritivo, rico em fibras de trigo”. No entanto, aponta o Idec, os alimentos têm entre 1,6 g e 1,8g do nutriente por porção.
O que dizem os fabricantes
O Idec notificou todos os fabricantes dos biscoitos avaliados sobre os resultados da pesquisa. Apenas três responderam até o fechamento dos dados publicados no site do Idec.
Arcor – Biscoito Integral Triunfo: entende que não há irregularidade em apresentar o termo “integral” no produto que possui em sua composição farinha de trigo e farelo de trigo, pois apresentam todas as partes do grão inteiro em sua composi- ção. A empresa diz que a escolha da combinação de farinha, farelo e fibra de aveia foi baseada em ampla análise sensorial, sem abrir mão de um perfil nutricional satisfatório.
Vitao Alimentos: apenas agradece as informações e a objetividade dos resultados apresentados.
Nestlé: esclarece que a informação “fonte de fibra” foi removida na comunicação sobre os biscoitos Nesfit Integral e Nesfit Aveia e Mel e apresenta printscreen do site com o texto atualizado.
ENTENDA AS VANTAGENS DOS INTEGRAIS
Em geral, as pessoas que dão preferência aos alimentos integrais querem uma dieta mais saudável, mais rica em fibras, vitaminas e minerais. Os produtos integrais normalmente possuem mais micronutrientes (como as vitaminas e minerais) em relação aos ultraprocessados porque não passam pelo processo de refinamento ou beneficiamento posterior. O arroz integral, por exemplo, tem vitamina A, enquanto o branco não tem.
Estudos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, têm mostrado que a ingestão de produtos feitos com farinhas ultra-processadas, por exemplo, podem estar implicados no aumento dos casos de diabetes ao redor do planeta. Por que? Porque eles o tipo de carboidrato que o organismo metaboliza rapidamente, o que eleva o teor de açúcar circulante no sangue (a glicemia) e oferece um período de saciedade mais breve em comparação aos cereais integrais. Já os integrais, por conterem maior quantidade de fibras, são absorvidos mais demoradamente, o que ajuda a controlar a glicemia no sangue e prolonga a sensação de saciedade.
Uma das características que colaboram para esse efeito é a presença, em maior quantidade, das chamadas fibras insolúveis nos alimentos integrais. Elas podem ser encontradas no farelo de trigo, frutas, legumes, verduras. Favorecem um tipo de fermentação que reduz o pH do intestino, o que ajuda na digestão e no trânsito intestinal, explicam as profissionais que assessoraram o Idec nesse trabalho.
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