“A esquerda foi traída”: o que une as crises no Brasil e na França

“Houve guinadas à direita”, dizem especialistas falando do governo francês e brasileiro. Fotos: EBC

Governos que foram eleitos com valores progressistas e que atuaram, depois da campanha, como se tivessem sido eleitos por conservadores, adotando medidas voltadas ao mercado financeiro. Guinadas à direita agora encaradas como traição por militantes da esquerda na França e no Brasil, que especialistas, familiares com os dois países, tentam explicar em entrevista para à Brasileiros.

Professor franco-brasileiro na Diretoria de Relações Internacionais, Yann Duzert afirma que, na França, o que houve foi mesmo uma guinada à direita por parte do presidente francês, François Hollande, do Partido Socialista (PS). Uma mudança percebida assim que assumiu o cargo, em 2012. Hollande propôs um programa que “encantou a juventude e deu esperança à população em um período de pressão internacional por austeridade, impulsionada pela vizinha Alemanha. Ao chegar ao poder, foi outra realidade”. O cientista descreve tomadas de medidas idênticas às da Alemanha, todas voltadas a satisfazer o mercado financeiro: “O governo atual renunciou aos princípios socialistas ao negar a carga horária de 35 horas semanais, reforma simbólica do PS, e precarizar os contratos de trabalho sob um modelo alemão que eu chamo de Uberização do trabalho”, explica.

À Brasileiros, Gaspard Estrada, diretor do Observatório Político da América Latina e do Caraibe (OPALC), especialista em França, Brasil e México, disse não saber se a “guinada à direita” é o termo mais adequado para ilustrar o que aconteceu na França, mas lembra de uma diferença entre o programa econômico prometido durante a campanha e o estabelecimento de uma política liberal “no inicio não assumida”, mas cada vez mais atual com a nomeação do premiê Manuel Valls, em 2014. “No próprio programa, Hollande propunha relançar o crescimento pela demanda, política keynesiana, mas, de fato, privilegiou a oferta”, explica.

O Brasil, sob o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff viveu algo parecido. “Houve também uma decepção com a coerência do projeto político. Esperávamos uma esquerda solidária, ética… Os brasileiros queriam reequilibrar uma sociedade com fortes desigualdades. E o que foi observado foram gastos excessivos do PT “, comparou Duzert.

Diferentemente da França, Estrada disse ter havido no Brasil uma “vontade” de guinar à direita, mas o sucesso foi relativo. “Dilma tentou instaurar austeridade, mas nunca conseguiu impô-la no Congresso.” Para Estrada, a situação é ambígua, “sobretudo porque Dilma pagou o custo dessas propostas que mal foram adotadas”. 

Para Estrada, a maior diferença entre os dois países encontra-se no papel do mercado financeiro, que pesou na escolha das políticas econômicas. “Em 2014, Dilma tentou agradar os mercados nomeando o economista Joaquim Levy como ministro, já que os mercados sempre mostraram desconfiança frente à política da presidenta”. Na França, “Hollande escolheu suas influências desde que aprovou um pacto de competitividade em 2012 que privilegiou as margens de lucro das empresas”, comparou. Foi mais, no caso da França, uma vontade de “modernizar” a ação política do que uma pressão dos mercados financeiros.

Dizert conta que os dois lideres acabaram perdendo a confiança das populações por terem usado “jogos de poderes arcaicos e por falta de transparência nas negociações”. É preciso, de acordo com o professor, pensar que existe um novo conjunto de ações que não seja “nem de esquerda nem de direita”: “Uma nova gestão democrática colaborativa, que impõe competências técnicas de negociações, algo que os políticos atuais não têm”.


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