Povo indígena Guarani Kaiowá é historicamente ameaçado com violência

Foto: Comissão Guarani Yvyrupa - CGY
Foto: Comissão Guarani Yvyrupa – CGY

A disputa de terras vitimou, na manhã de terça-feira (14), o líder indígena Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza Guarani-Kaiowá, agente de saúde da aldeia de Te’yikue – que significa “lugar de morada das famílias antigas” – em Caarapó, no Mato Grosso do Sul. O ataque feriu gravemente outras seis pessoas, entre elas, uma criança de 12 anos, e revela uma prática corriqueira na região: ao se dar início ao processo de demarcação de terras, pistoleiros ameaçam com violência indígenas que ocupam áreas em disputa.

Foi o que aconteceu em Toropaso. Centenas de homens armados e motorizados dispararam contra cerca de cem famílias de Te’yikue, que ocupavam a Fazenda Yvu, circunscrita à terra indígena em demarcação, e queimaram as motos usadas pelo povo da aldeia.

Ataques a tiros também ocorreram nas aldeias Kurusu Ambá, Guaiviry e Pyelito Kue (onde ocorreu suicídio coletivo em 2012), na mesma região, segundo denunciou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). De acordo com o Cimi, cerca de 25 ocorrências similares aconteceram na área apenas no último semestre. “Estamos vendo esse tipo de operação se repetir”, afirma o antropólogo Diógenes Cariaga, que trabalha em Caarapó. “São incontáveis denúncias”, alerta a antropóloga Tatiane Klein, pesquisadora do Instituto Socioambiental.

Em 12 de maio deste ano, foi publicado no Diário Oficial da União o relatório que reconhece e dá início ao processo de demarcação da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I, de ocupação tradicional do povo indígena Guarani Kaiowá. A área, de aproximadamente 55 mil hectares, está localizada nos municípios de Amambai, Caarapó e Laguna Carapã, no estado de Mato Grosso do Sul e abriga as áreas de conflito. A aldeia Te’yikue, que tem 3,5 mil hectares e quase nove mil moradores, está cercada por fazendas de cana de açúcar, que têm produção sazonal.

É como um constante barril de pólvora com gente dentro. Desprotegidos, cercados e negligenciados pelo Estado, os indígenas estão em grave situação de vulnerabilidade e violação de direitos humanos. “Essas mortes são a ponta de um quadro muito maior de violação de direitos indígenas, de direitos humanos e de omissão do poder público para dar solução e coibir as ofensivas dos ruralistas”, diz Tatiane. 

Como forma de demonstrar revolta pela morte do líder Clodiode, na terça, indígenas agrediram policiais militares e incendiaram um carro. Representantes do Sindicato Rural de Caarapó alegaram que os produtores rurais que provocaram o conflito não portavam armas de fogo.

O povo indígena Guarani Kaiowá é tradicional ocupante da região sul do Mato Grosso do Sul. Possui vínculos históricos, políticos, econômicos, de parentesco e de práticas rituais no território. Começou a ser expulso em 1940. Resistiu em florestas e trabalhando em fazendas, em submissão. A partir dos anos 1980, a presença dos indígenas naquele local passou a não ser mais tolerada pelos fazendeiros, o que fez com que os grupos indígenas adotassem posturas mais radicais e construíssem acampamentos de recuperação de posse em terras tituladas por particulares “como forma de impedir o rompimento do vínculo historicamente estabelecido com suas terras de ocupação tradicional”, diz o relatório da Fundação Nacional do Índio (Funai). 

Segundo a Constituição Federal de 1988, as Terras Indígenas são “territórios de ocupação tradicional”, bens da União. Sua posse permanente deve ser reconhecida aos índios, assim como o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

De acordo com organizações indigenistas, a Polícia Federal é responsável pela segurança no local. Uma comissão de deputados federais seguiu na noite desta quarta-feira (15) a Dourados (MS) para ajudar a garantir a integridade física dos indígenas. Em nota, o Ministério da Justiça informou que autorizou o envio de uma tropa da Força Nacional para Caarapó com o objetivo de “auxiliar as Polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal, a fim de restabelecer a ordem pública e preservar a incolumidade das pessoas e do patrimônio.” A Funai lamentou a morte de Clodiode e divulgou que “vem trabalhando com o objetivo de garantir os direitos do povo Guarani Kaiowá e levá-los a superar as situações de conflito, de insegurança e de vulnerabilidade social que vivenciam no atual contexto de confinamento territorial e de permanente restrição de direitos aos seus modos de vida.”

O enterro de Clodiode acontece nesta quinta-feira (16).  


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