Henrique Meirelles, ministro da Fazenda do governo provisório, apresentou esta semana um plano de redução de gastos que nem os funcionários da ditadura tiveram coragem de sugerir, por fundamentalista e antipopular.
Se esse plano for aprovado no Congresso, o País terá ao menos nove anos de congelamento do orçamento federal – o que equivale dizer que em 2025 teremos na educação, na saúde e em tudo mais um Estado do tamanho de 2015, para uma população e uma economia que terão aumentado consideravelmente.
Antes de discutir a quem interessa o encolhimento radical do aparelho que bem ou mal organiza a distribuição da renda no Brasil, algumas observações:
. Meirelles comporta-se como interventor do mercado financeiro no governo, tentando enfiar goela abaixo do País medidas liberais de concentração de renda que jamais – repito – jamais seriam aprovadas em eleições livres.
. Somente um governo oriundo de golpe, sem compromisso com a democracia e com a sociedade, pode agir com tanta desenvoltura no corte de gastos que, num país pobre e desigual como o Brasil, são nada menos que civilizatórios.
. O fato de que parte da imprensa e da população instruída aplauda Meirelles e nele coloque suas esperanças de dias melhores apenas confirma o caráter autoritário e antipopular de segmentos importantes da elite brasileira.
Dito isso, é improvável que deputados e senadores aprovem e o País engula um plano econômico elaborado com a sensibilidade social de uma calculadora financeira – mas nunca se sabe.
Vivemos um momento dramático na política brasileira e as falsas esperanças de estabilidade produzidas pelo impeachment estão sendo rapidamente transferidas para a economia, de forma ingênua e irracional.
Espera-se que ela seja capaz de produzir sozinha alguma espécie de saída para o caos em que o País foi atirado pela Lava Jato e pela campanha do impeachment, que são parte da mesma coisa.
Ao centro e à direita, sonha-se que o plano regressivo e mal-ajambrado de Meirelles será capaz de produzir algum tipo de crescimento rápido para espantar magicamente a crise.
Trata-se de ilusão, naturalmente. A política é soberana e dela emana a atual instabilidade.
O movimento de espertalhões e ressentidos que usou a Lava Jato para articular o fim do governo Dilma vê os investigadores baterem à sua porta. Eles fingiram que a corrupção era coisa de um único partido e prometeram paz e retidão aos manifestantes de amarelo quando o PT fosse afastado.
Agora, com a sua própria podridão finalmente exposta, não há sustentação lógica, ética ou política para o governo dos golpistas. Por isso ele derrete diante dos nosso olhos e o interino perde um ministro por semana.
O plano recessivo de Meirelles seria difícil de impor mesmo durante um governo forte. Afiançado por um sujeito detalhadamente delatado, que não tem votos, liderança e nem autoridade, o plano parece uma provocação. Pode quebrar o governo, em vez legitimá-lo.
No entanto, o plano vai sendo aplaudido. Por quê?
Para entender a origem social e política da proposta de Meirelles, e o fascínio que ela provoca no andar de cima, basta prestar atenção no que ela não diz sobre os juros da dívida pública, o símbolo mais eloquente da divisão de interesses no interior da sociedade brasileira.
O mesmo plano que pretende cortar na carne os gastos e investimentos sociais não informa como vai reduzir o gasto com pagamento de juros, que constitui o maior item do orçamento federal e cujo valor anual equivale a 8% do PIB, ou mais de R$ 450 bilhões.
Se depender de Meirelles, os juros continuarão a ser estabelecidos de forma livre e autônoma por diretores do Banco Central oriundos do mercado financeiro, enquanto os gastos sociais serão rigorosamente indexados pela inflação do ano anterior.
No momento, a taxa de juros é de 14,5% e a inflação deve fechar o ano em torno de 6%.
Essa discrepância obscena vai bombear ainda mais renda e de forma ainda mais rápida para o topo da pirâmide. O dinheiro que vinha sendo distribuído por gastos e investimentos do Estado será desviado diretamente para a conta dos investidores financeiros, ajudando a desfazer os modestos avanços de distribuição de renda obtidos em 13 anos de PT.
Mecanismo espetacularmente eficaz de transferência de renda da maioria da população para uns poucos banqueiros e rentistas, os juros da dívida pública não são apenas intocáveis no Brasil. Tornaram-se indiscutíveis.
Quando se junta isso ao silêncio de Meirelles sobre novas formas de tributação – há uma casta de 71 mil brasileiros que ganha mais de R$ 4 milhões por ano e paga apenas 7% de impostos – percebe-se os contornos de um projeto liberal que quer devolver o País aos 20% que se serviram dele desde o Império, com o fim da inclusão social e da pluralidade aprovados pela Constituição de 1988.
Por tudo isso, o Plano Meirelles não deveria ter sido apresentado. Apresentado, não pode ser aprovado pelo Congresso. Se aprovado, ele não deve ser implementado. Seu sucesso significaria uma derrota monumental para a democracia e para a sociedade brasileira.
* Ivan Martins é jornalista, escritor e colunista do site da revista Época
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