Quanto melhor, pior

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O presidente interino, Michel Temer, com o empresário Paulo Skaf - Foto: Lula Marques/Agência PT
O presidente interino, Michel Temer, com o empresário Paulo Skaf – Foto: Lula Marques/Agência PT

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda do governo provisório, apresentou esta semana um plano de redução de gastos que nem os funcionários da ditadura tiveram coragem de sugerir, por fundamentalista e antipopular.

Se esse plano for aprovado no Congresso, o País terá ao menos nove anos de congelamento do orçamento federal – o que equivale dizer que em 2025 teremos na educação, na saúde e em tudo mais um Estado do tamanho de 2015, para uma população e uma economia que terão aumentado consideravelmente.

Antes de discutir a quem interessa o encolhimento radical do aparelho que bem ou mal organiza a distribuição da renda no Brasil, algumas observações:

. Meirelles comporta-se como interventor do mercado financeiro no governo, tentando enfiar goela abaixo do País medidas liberais de concentração de renda que jamais – repito – jamais seriam aprovadas em eleições livres.

. Somente um governo oriundo de golpe, sem compromisso com a democracia e com a sociedade, pode agir com tanta desenvoltura no corte de gastos que, num país pobre e desigual como o Brasil, são nada menos que civilizatórios.

. O fato de que parte da imprensa e da população instruída aplauda Meirelles e nele coloque suas esperanças de dias melhores apenas confirma o caráter autoritário e antipopular de segmentos importantes da elite brasileira.

Dito isso, é improvável que deputados e senadores aprovem e o País engula um plano econômico elaborado com a sensibilidade social de uma calculadora financeira – mas nunca se sabe.

Vivemos um momento dramático na política brasileira e as falsas esperanças de estabilidade produzidas pelo impeachment estão sendo rapidamente transferidas para a economia, de forma ingênua e irracional.

Espera-se que ela seja capaz de produzir sozinha alguma espécie de saída para o caos em que o País foi atirado pela Lava Jato e pela campanha do impeachment, que são parte da mesma coisa.

Ao centro e à direita, sonha-se que o plano regressivo e mal-ajambrado de Meirelles será capaz de produzir algum tipo de crescimento rápido para espantar magicamente a crise.

Trata-se de ilusão, naturalmente. A política é soberana e dela emana a atual instabilidade.

O movimento de espertalhões e ressentidos que usou a Lava Jato para articular o fim do governo Dilma vê os investigadores baterem à sua porta. Eles fingiram que a corrupção era coisa de um único partido e prometeram paz e retidão aos manifestantes de amarelo quando o PT fosse afastado.

Agora, com a sua própria podridão finalmente exposta, não há sustentação lógica, ética ou política para o governo dos golpistas. Por isso ele derrete diante dos nosso olhos e o interino perde um ministro por semana.

O plano recessivo de Meirelles seria difícil de impor mesmo durante um governo forte. Afiançado por um sujeito detalhadamente delatado, que não tem votos, liderança e nem autoridade, o plano parece uma provocação. Pode quebrar o governo, em vez legitimá-lo.

No entanto, o plano vai sendo aplaudido. Por quê?

Para entender a origem social e política da proposta de Meirelles, e o fascínio que ela provoca no andar de cima, basta prestar atenção no que ela não diz sobre os juros da dívida pública, o símbolo mais eloquente da divisão de interesses no interior da sociedade brasileira.

O mesmo plano que pretende cortar na carne os gastos e investimentos sociais não informa como vai reduzir o gasto com pagamento de juros, que constitui o maior item do orçamento federal e cujo valor anual equivale a 8% do PIB, ou mais de R$ 450 bilhões.

Se depender de Meirelles, os juros continuarão a ser estabelecidos de forma livre e autônoma por diretores do Banco Central oriundos do mercado financeiro, enquanto os gastos sociais serão rigorosamente indexados pela inflação do ano anterior.

No momento, a taxa de juros é de 14,5% e a inflação deve fechar o ano em torno de 6%.

Essa discrepância obscena vai bombear ainda mais renda e de forma ainda mais rápida para o topo da pirâmide. O dinheiro que vinha sendo distribuído por gastos e investimentos do Estado será desviado diretamente para a conta dos investidores financeiros, ajudando a desfazer os modestos avanços de distribuição de renda obtidos em 13 anos de PT.

Mecanismo espetacularmente eficaz de transferência de renda da maioria da população para uns poucos banqueiros e rentistas, os juros da dívida pública não são apenas intocáveis no Brasil. Tornaram-se indiscutíveis.

Quando se junta isso ao silêncio de Meirelles sobre novas formas de tributação – há uma casta de 71 mil brasileiros que ganha mais de R$ 4 milhões por ano e paga apenas 7% de impostos – percebe-se os contornos de um projeto liberal que quer devolver o País aos 20% que se serviram dele desde o Império, com o fim da inclusão social e da pluralidade aprovados pela Constituição de 1988.

Por tudo isso, o Plano Meirelles não deveria ter sido apresentado. Apresentado, não pode ser aprovado pelo Congresso. Se aprovado, ele não deve ser implementado. Seu sucesso significaria uma derrota monumental para a democracia e para a sociedade brasileira.

* Ivan Martins é jornalista, escritor e colunista do site da revista Época


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