O Inferno e o Dilúvio

Foto: EBC
Na convenção republicana exibiu-se um retrato assustador dos Estados Unidos. Foto: EBC

Quem esperava hiper drama e batalha campal em Cleveland, durante a convenção republicana, entre 18 e 21 passados, ficou a ver navios. Ganharam, ao invés, distopia e previsões de apocalipse. A realidade virtual de Donald Trump exibiu um retrato da América como um quadro de Hieronymus Bosch (1450-1516). Mais particularmente o “Inferno”, pintado pelo artista holandês. Os Estados Unidos da América seriam agora, na versão republicana, um estado um pouco melhor do que a Somália. Ah! e mencionou-se também Hillary Clinton, a bête noire democrata. Seu nome foi proferido 70% de vezes a mais do que o do nomeado do partido.

Reclamou-se à rouquidão do tom pessimista da convenção. Muitos lembraram com saudades dos ares de superotimismo de Ronald Reagan. Aquela história de “cidade de luz no alto da colina”, que o “Gipper” mandou para os livros de história depois de seu discurso de nomeado. Os críticos, porém, parecem não ter se dado conta de que Trump & Cia usaram a arma de Hillary contra ela: a de transformar estas eleições de 2016 num plebiscito sobre o oponente. Bater na democrata como se fosse uma pinhata confeccionada por um mexicano ilegalmente no país, não visava pregar aos convertidos, ali apinhados na arena, mas procuravam-se os ouvidos dos eleitores indecisos, aboletados nos sofás domiciliares. Ainda é cedo para saber se a tática deu certo, pois as pesquisas de opinião ainda não mostraram grandes perdas para Clinton.

E, nesta segunda-feira, dias 25 a 28, na Filadélfia, será a vez dos democratas fazerem sua festa. O pontapé inicial foi dado um dia depois dos balões caírem na arena de Cleveland, com o anúncio da escolha para a Vice-Presidência de Hillary. Ele é Tim Kaine, 58, senador pelo Estado da Virginia. Uma decepção para a esquerda do partido, já que o senador é lá meio conservador (oponente semi velado ao direito ao aborto, por exemplo). Mas o martelo foi batido e, já no dia seguinte, ele, que fala espanhol como um nativo (foi missionário católico na América Latina), fez um discurso que provocou frenesi em Miami. A candidata a ser oficialmente nomeada do partido parece estar pensando num futuro onde Kaine será muito útil nas negociações no Congresso, já que é articulador respeitado.

O que esperar da festa de coroamento da dupla? O reverso do que se viu com os republicanos: otimismo. Mas é impossível se imaginar que Donald Trump sairá incólume. Afinal, a ideia de plebiscito sobre sua figura não foi esquecida. É a tal história do “depois dele o dilúvio”, um “après lui le déluge”. Se Hillary sair da convenção com 3% ou 4% de acréscimo nas pesquisas, será um lucro fenomenal. Antes de 2016 com estas eleições bizarras, tal média era apenas o trivial. Em todo caso, como já se disse aqui, as pesquisas de agora não devem trazer sorrisos ou lágrimas: ainda é cedo para isso. Depois do “Labor Day” ( o Dia do Trabalho americano, comemorado neste ano no dia 5 de setembro) é que o quadro começará a ser pintado com cores mais realistas. Será cor de rosa, como querem os democratas, ou com a destreza de Bosch, como desenhado por Trump.


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