TIRO CERTEIRO Marcus Vinicius D’Almeida troca tecnologia e experiência com o índio Timbira Pataxó nos Jogos Indígenas de 2015, em Palmas, Tocantins.  A mira de D’Almeida agora  será medida por aparelho com  precisão de 0,2 milímetro - Foto: Roberto Castro/ME
TIRO CERTEIRO Marcus Vinicius D’Almeida troca tecnologia e experiência com o índio Timbira Pataxó nos Jogos Indígenas de 2015, em Palmas, Tocantins. A mira de D’Almeida agora será medida por aparelho com precisão de 0,2 milímetro – Foto: Roberto Castro/ME
Praticamente meio século separa a Olimpíada da Cidade do México, em 1968, da Rio 2016. Na capital mexicana, a empresa responsável pela tecnologia de cronometragem e mapeamento das competições deu conta de tudo com oito toneladas de equipamentos e 45 especialistas em medição de tempo. Mas o mundo muda rápido – e a tecnologia, para o bem ou para o mal, transforma-se em velocidade ainda mais estonteante.

Em poucos dias, a mesma empresa da Cidade do México começará a atuar no Rio de Janeiro em meio a uma parafernália impressionante. Serão 450 toneladas de equipamentos (peso equivalente ao de cinco Boeings 767 e meio), 335 placares de modalidades, 200 quilômetros de cabos e fibra ótica (distância de cinco maratonas), 79 placares gerais, 850 voluntários e 480 profissionais em locais de competição.

Nesta reportagem, Brasileiros detalha as novidades tecnológicas criadas especialmente para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Mostra também projetos de tecnologia criados para aprimorar o desempenho dos atletas brasileiros e ajudar o Time Brasil a cumprir a meta de ficar entre os líderes nas primeiras Olimpíada e Paralimpíada disputadas em casa. Acompanhe.

ESSE ALVO NÃO “MENTE”
Pela primeira vez, a alta tecnologia será usada para registrar os resultados das provas de tiro com arco em jogos olímpicos. Até aqui, pontos eram registrados com a visão humana e o auxílio precioso de luneta especial. O novo sistema oferece uma estrutura de escaneamento interno do alvo. Quando a flecha acerta o círculo, dois escâneres promovem uma varredura nos eixos horizontal e vertical para calcular a distância do local atingido em relação ao ponto central. O conjunto tem precisão de 0,2 milímetro, impossível de ser detectada a olho nu. O resultado é liberado um segundo depois de a flecha espetar o alvo. Marcus Vinicius D’Almeida, principal atleta brasileiro da modalidade aos 17 anos, terá o desempenho registrado pelo novo sistema nos Jogos.

CERCO CONTRA A FALSA LARGADA
A falsa largada, ou largada queimada, sempre foi motivo de polêmica. Na maioria dos casos, o “queimador” coloca em dúvida a precisão dos equipamentos. No Rio será difícil questionar. A Omega, empresa de origem suíça responsável pela tecnologia de cronometragem e controle das competições nos Jogos, multiplicou os níveis de sensibilidade dos blocos de partida do atletismo, peça onde o atleta apoia os pés antes da largada. Os sensores agora são capazes de identificar e medir quatro mil vezes por segundo a força exercida sobre o bloco pelos pés dos competidores. É suficiente para detectar se o movimento do atleta foi natural ou se ele projetou o corpo para correr antes do tiro de largada. O sistema indica uma largada queimada se o equipamento detectar um tempo de reação para correr menor que 100 milissegundos depois do disparo. Abaixo dessa fração de tempo, os aparelhos atuais atestam ser impossível um corpo reagir ao som do tiro da pistola eletrônica. Os dados são enviados a um computador capaz de criar, instantaneamente, um gráfico para confirmar ou não a falsa largada.

Nos 100 metros rasos, a prova mais rápida do atletismo, a pistola eletrônica será conectada a alto-falantes postos atrás de cada corredor

OLHOS AFIADOS NA CHEGADA
Fotocélulas, ou células fotoelétricas, são feixes de luz colocados ao longo da chegada para registrar o tempo ou parar o cronômetro no exato instante em que cada corredor cruza a linha final. Não é uma tecnologia nova: foi usada pela primeira vez nos Jogos de 1948, em Londres. De lá para cá, substituiu o olhar humano com precisão de milésimos de segundo, ajudou a aprimorar equipamentos de cronometragem no mundo, inspirou sistemas desenvolvidos para outros objetivos, entre eles o criado para confirmar se a bola cruzou a linha do gol, como os vistos na Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e agora dissipa dúvidas na Eurocopa 2016, na França. Até aqui os consoles tiveram só dois feixes de luz, quase sempre fixos. A novidade é um aparelho com quatro faixas de fotocélulas, todas com regulagem de altura. O sistema permitirá a detecção de um número maior de padrões e posicionamentos corporais quando os atletas cruzarem a linha final.

“Podemos ajustar a altura dos feixes de células em relação ao chão. Isso permite utilizar o sistema com a mesma precisão nas provas dos Jogos Paralímpicos e medir tempos intermediários, por exemplo, nas competições com o uso de cadeira de rodas”, explica o CEO da área de cronometragem da Omega, o suíço Alain Zobrist.

DEZ MIL IMAGENS POR SEGUNDO
As novas câmeras photofinish Myria, capazes de registrar grande número de imagens dos competidores quando cruzam a linha de chegada, foram lançadas nos Jogos de Londres 1948 junto com os feixes de células fotoelétricas. Com o modelo desenvolvido para o Rio, Scan ‘O’ Vision Myria, apelidado de olho mágico, a promessa é de um show particular. O brinquedo é uma combinação de cronógrafo e detector de tempo. Sua capacidade mais impressionante é fazer nada menos do que dez mil imagens em linha por segundo a partir do momento em que o corpo do atleta começa a cruzar a linha de chegada. Isso produzirá a seguinte situação: com a Scan ‘O’ Vision Myria só haverá empate se as dezenas de milésimos de segundo o comprovarem não só no tempo marcado, mas também nas imagens arrancadas em velocidades estonteantes pelo olho mágico e mapeadas para a ação do olho humano.

DO FAROESTE À ELETRÔNICA
Com aparência de revólver de filme de faroeste, a pistola eletrônica produziu algumas das imagens mais românticas da história dos Jogos. Mas, hoje, apresenta limitações. Uma delas: com os primeiros modelos, baseados só no barulho, os atletas mais próximos do disparo tinham vantagem de ouvir o som frações de tempo antes dos outros, um problema quando um décimo ou centésimo de segundo podem fazer a diferença. Outra: a pistola clássica passou a ter problemas em aeroportos e estádios com as me­­didas de segurança dos últimos tempos. Diante das limitações, a Omega de­senvolveu uma pistola de partida eletrônica, um conjunto composto por um dis­positivo emissor de flashes e uma caixa de som. Nos 100 metros rasos, a prova mais rápida do atletismo mundial, a pistola é conectada a alto-falantes colocados atrás de cada corredor, para que todos possam ouvir o sinal de partida no mesmo instante. Três fatos ocorrem simultanea­mente quando o gatilho é puxado: o som é produzido, um flash de luz é emitido e a cronometragem da disputa, acionada. Nas provas de natação, um som alto, também reproduzido atrás dos atletas, substitui o barulho do tiro eletrônico. No momento do sinal, sensores medem a reação dos nadadores até caírem na piscina. O tempo final é fechado pelo toque nas almofadas colocadas nas extremidades das raias. Uma pressão entre 1,5 a 2,5 quilos faz o relógio registrar os tempos. Se o toque do atleta na almofada for fraco, os árbitros recorrerão a câmeras submersas de alta velocidade, capazes de enviar no mínimo cem imagens por segundo, para definir o resultado.

UMA BELEZA DE RESULTADO
Será uma das inovações mais notadas e elogiadas por telespectadores e pelo público presente às competições. O software dos placares de alta resolução permitirá exibir, com nitidez, não só textos e informações ao vivo, mas também animações, fotos, vídeos, nomes, resultados e a bandeira nacional do atleta ou da equipe. Grandes momentos, como recordes e performances prestes a garantir uma medalha, serão destacados. A evolução em relação aos antigos placares é impressionante.

OS DETALHES DA TACADA
O golfe volta aos Jogos Olímpicos após 112 anos – esteve só em Paris 1900 e em St. Louis 1904. E traz com ele parte importante da tecnologia de ponta. A Rio 2016 terá novo placar específico para essa modalidade, que não foi usado nem nas disputas milionárias dos circuitos profissionais nos últimos anos. Posicionados no chão em quatro pontos do terreno inicial dos buracos, o tee, placares farão, por radar, a medição das características de cada tacada. O sistema coletará dados como velocidade da tacada, estimativa de distância e altura da bolinha e as repassará, em tempo real, a juízes e público, junto com o nome e pontuação acumulada do jogador.

ESPORTES ALIADOS À CIÊNCIA

Inovações ajudam atletas brasileiros a melhorar desempenho

A meta do time olímpico brasileiro é terminar entre os top ten na Rio 2016. O paralímpico, acostumado ao território (foi nono em Pequim 2008 e sétimo em Londres 2012), deseja terminar entre os cinco melhores. Para isso, além de treinamento físico, técnico e psicológico, vale contar com o auxílio da tecnologia.

A pesquisadora Carla Patrícia Guimarães, do Laboratório de Ergonomia (Laber) do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), é uma ativa colaboradora dos atletas brasileiros. Entre seus projetos, uma plataforma digital para aprimorar o desempenho da equipe olímpica brasileira de esgrima. Dezenove câmeras ótico-eletrônicas com infravermelho captam os movimentos dos esgrimistas. E, com eles, fazem perfis tridimensionais dos parâmetros biológicos e mecânicos de cada atleta, com golpes, posicionamentos e atitudes de ataque e defesa.

Os perfis revelam o comportamento geral de recuo e avanço, as posições de braço e punho e até o ponto de fixação do olhar do atleta quando parte para o “a fundo”, o movimento de aproximação e ataque. Os dados estão disponíveis por computador, tablet e, nos próximos dias, em celular. O projeto custou R$ 400 mil, financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Teve colaboração do Esporte Clube Pinheiros, de São Paulo. Nicolas Ferreira, Rayssa Costa e Guilherme Melaragno, esgrimistas do clube e do time olímpico brasileiro, estão entre os mapeados pela plataforma.

Carla e seu conhecimento ajudarão também os paralímpicos. Em parceria com Andrea Deslandes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a pesquisadora desenvolveu bancos ergonômicos e anatômicos sob medida para atletas paralímpicos brasileiros de lançamento de dardo, disco e arremesso de peso.

Roseana Ferreira dos Santos, a Rosinha, Julyana Cristina da Silva, Vanderson Silva e Rafael Amorim Coury, do Time Brasil Paralímpico 2016, e Márcio Lucas da Paz, atleta em preparação para Tóquio 2020, tiveram curvas e movimentos do corpo registrados em softwares 3D. Os perfis serviram de base para a produção das maquetes e, depois, dos bancos finais, em alumínio com leve camada acolchoada à base de poliuretano.

Carla explica o funcionamento da peça. “O atleta paralímpico de arremesso atua sentado em um banco preso ao chão. Por isso, a peça precisa ser a extensão de seu corpo, com anatomia e ergonomia complementares. O material principal deve ser rígido, a exemplo do alumínio, para não roubar e, ao contrário, devolver a energia no impulso de lançamento. Além de aprimorar a performance, os bancos aumentam a segurança dos atletas. Mais seguros em relação aos movimentos falsos, eles arriscam e melhoram ainda mais marcas. Isso nos traz um orgulho adicional.”


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