Nas idas e vindas do presidente enterino, qualquer indivíduo razoavelmente dotado de discernimento pode perceber que o governo chamado de transição não tem uma estratégia.
A falta de uma direção se evidencia nos atos de extinguir e recriar o Ministério da Cultura, o que acontece também com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, extinto em maio no meio da falácia sobre cortes de despesas e em vias de ser restaurado no mês de setembro.
Em meio à campanha que levou os manifestantes às ruas, o discurso do controle de gastos corria da Fiesp para os colunistas de coluna flexível que dominam a mídia tradicional, e reverberava na boca dos defensores do impeachment de Dilma Rousseff.
Os primeiros movimentos do vice empossado foram de agrado a essa reivindicação do empresariado.
Só que, passados três meses de ocupação do Planalto, os interventores não conseguiram conciliar o discurso com a prática.
A rigor, o que tem feito o enterino e sua trupe do baixo clero é justamente o contrário, ou seja: aumentos de salários da elite do funcionalismo, acordo com governadores para alongar as dívidas dos estados, relaxamento na contenção nos gastos estaduais, tudo em função das eleições municipais deste ano e, claro, para satisfazer o apetite dos aliados.
Ouve-se, aqui e ali, entre antigos entusiastas do impeachment, que quase não valeu a pena.
Nenhuma surpresa: para isso se alimenta os midiotas com a ração diária de jornalismo manipulador.
É quase uma anedota da História o uso das massas para a produção de contrafações à vontade democrática da maioria.
O afastamento da presidente eleita em 2014 é um ato de violência institucional de cujas consequências o Brasil nunca irá se refazer.
Fica como uma nódoa indelével no processo de maturação da nossa República.
Até os midiotas que foram induzidos ao clamor moralista sabem que as peças do sistema da Justiça continuam a se movimentar apenas em uma direção, deixando na gaveta as acusações contra aqueles que são considerados os “bandidos do bem”.
É provável que uma pesquisa honesta venha a revelar a queda drástica no número de brasileiros que ainda acreditam na cruzada contra a corrupção que até poucos meses excitava a libido verde-amarela.
Entre esses cidadãos ludibriados e manipulados pela imprensa hegemônica, pode-se observar dois tipos de comportamento: o daqueles que percebem o engodo que lhes foi imposto e agora se dizem completamente decepcionados com a política; e aqueles que preferem assumir o cinismo e afirmam que tudo vale a pena para tirar do poder aquela caterva de comunistas que se abriga sob o guarda-chuva do PT.
O entendimento entre o presidente enterino e o deputado Eduardo Cunha para adiar o julgamento do ex-presidente da Câmara dos Deputados, dono de um arquivo de alto poder destrutivo, é de uma desfaçatez inominável.
Por que Michel Temer precisa dessa costura?
Porque, confirmado o impeachment de Dilma Rousseff, conforme a justificativa referendada para esse ato de força, ele, o enterino, poderá também perder o cargo, por sua condição de vice-presidente eleito na mesma chapa.
O projeto da eleição presidencial antecipada perde força.
Articula-se agora um jogo em que o tempo corre a favor da eleição indireta no caso de o cargo ficar vago a dois anos do término do mandato para o qual Dilma e Temer foram eleitos.
Você ainda se pergunta por que a Folha de S. Paulo publicou em manchete, no dia 7/8, que o atual ministro das Relações Exteriores, José Serra, foi acusado de ter recebido doações ilegais em 2010?
Porque a hipótese da eleição indireta acirra os apetites e bagunça o lupanar em que se transformou a imprensa hegemônica do Brasil.
As raposas que invadiram o galinheiro estão se devorando.
Deixe um comentário