Enfim, reconhecidos

Uma goleada de 10 a 0. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em um julgamento iniciado no dia 4 de maio e encerrado no dia seguinte, a favor de que as uniões homoafetivas devam ter os mesmos direitos, de acordo com a Constituição, que casais heterossexuais. Pela decisão, que chamou a atenção pela unanimidade da votação, os casais homossexuais terão direito de registrar uma união estável, adotar filhos e registrá-los em seus nomes, deixar herança para o companheiro (a), incluí-lo como dependente no Imposto de Renda e em planos de saúde. Em suma, a terem os mesmo direitos que qualquer brasileiro. Na verdade, o julgamento das ações, impetradas pela Procuradoria Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, superou um impasse que se arrasta desde muitos anos no Congresso Nacional, onde projetos formalizando uniões entre homossexuais são sistematicamente bloqueados por lobbies das bancadas evangélica e católica.

Coube exatamente ao Supremo, corte máxima do Judiciário brasileiro, por muitos considerada uma casa de tendência conservadora, mostrar uma fina sintonia com as transformações da sociedade brasileira, e, fazendo valer o princípio constitucional da igualdade entre todos, tomar uma decisão histórica e revolucionária que coloca o Brasil na vanguarda internacional, passando a integrar um grupo reduzido de países que reconhecem a união baseada na homoafetividade como tendo os mesmos direitos que o casamento heterossexual. O julgamento, iniciado com o denso voto do relator, ministro Aires Britto, vice-presidente da Corte, que foi incisivo na defesa da igualdade de direitos entre todas as pessoas, como dita a Constituição, foi retomado no dia seguinte com uma surpreendente sucessão de votos favoráveis aos diretos integrais dos homossexuais, seguindo a mesma linha do voto inicial.
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Para o ministro Marco Aurélio Mello, o terceiro mais antigo do Supremo, a histórica decisão do STF foi baseada simplesmente na interpretação literal da Constituição, que ele chama de direito posto pelo Congresso, quando a elaborou e aprovou em 1988. “A Constituição garante a igualdade e o tratamento igualitário entre todos, pouco importando o sexo. Não cabe, desta maneira, qualquer discriminação na união, que é uma instituição civil e não religiosa”, afirmou o ministro à Brasileiros. Marco Aurélio destacou que o resultado da votação – apenas o ministro José Roberto Dias Tofolli não votou, declarando-se impedido porque já tinha antes, quando era o Advogado Geral da União, movido ações judiciais sobre o tema – foi uma demonstração da clareza jurídica da decisão. “O Colegiado da Corte Suprema é democrático por excelência, refletindo as várias opiniões da sociedade. Se dez ministros, em uma unanimidade muito rara em nossos julgamentos, decidiram mostrar que a Constituição não permite dúvidas quanto ao tratamento igualitário dos cidadãos, isso é a prova de que a matéria está encerrada, não cabendo mais dúvidas quanto à sua aplicação imediata”, afirmou.

Conhecido por suas posições firmes na defesa da igualdade de direitos de todos, o ministro Joaquim Barbosa, que no ano que vem será o primeiro negro a presidir o Supremo, confirmou à Brasileiros que a unanimidade na votação o surpreendeu. “Foi uma surpresa não só para mim, mas para todos, pois esperava uma votação mais apertada, embora favorável.” E não tem dúvidas em demonstrar sua satisfação com o resultado. “Evidentemente, a unanimidade foi extremamente positiva, mostrando que a Corte tomou consciência do que é ser uma verdadeira Corte Constitucional, do peso político que sua decisão teria para a sociedade.” Joaquim Barbosa, que antes de ser ministro do STF era procurador da República, destacou o fato de o Supremo não se deixar levar por pressões. “Tratava-se de um caso no qual a questão chegou ao Tribunal com alta qualidade em sua fundamentação. E o Supremo mostrou muita consciência da laicidade do Estado, estabelecida há mais de um século, desde a proclamação da República. Foi, enfim, uma decisão de Corte Constitucional por excelência.”

Joaquim Barbosa acha que, perante a oportunidade de o Supremo ser confrontado com um tema que teria efeitos sobre toda a sociedade, em vez do que chama de questões paroquiais que ocupam grande parte do dia a dia da Corte, os ministros reagiram à altura da importância da matéria. “Considero o resultado comparável a decisões históricas, como a da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1953, quando acabou com a discriminação racial”, afirmou o ministro.
Joaquim Barbosa que, a exemplo de Marco Aurélio e outros ministros, havia levado pronto seu voto a favor dos direitos dos homossexuais, por achar que poderiam ocorrer posições contrárias de alguns ministros que, em princípio, tenderiam a ser mais conservadores, admite que ficou agradavelmente surpreso com os votos dos colegas. E não tem dúvidas em afirmar que considera a decisão tomada pelo Supremo a de maior impacto nos oito anos em que ele é ministro. “Foi impressionante. No dia seguinte, era possível perceber o impacto para a sociedade do resultado do nosso julgamento. Os comentários das pessoas, da sociedade, da mídia, refletiam o novo quadro jurídico e institucional criado pela nossa decisão. E, sem contestação, ela encerra a matéria, definindo uma diretriz geral para os 16 mil juízes do Brasil para quaisquer ações judiciais, envolvendo os direitos dos parceiros de relações homoafetivas”, concluiu.

Os dez ministros do STF que decidiram a favor dos direitos integrais dos homossexuais foram, pela ordem de votação, Carlos Ayres Britto, Luiz Fuchs, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso que, como presidente, não precisaria votar, mas que votou para marcar uma rara unanimidade do Supremo Tribunal Federal.


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