Refugiados: responsabilidade humanitária, ética ou cosmética?

Imagem aérea do campo de refugiados de Zaarti, na Jordânia. Foto: Mark Garten / Fotos Públicas
Imagem aérea do campo de refugiados de Zaarti, na Jordânia. Foto: Mark Garten / Fotos Públicas

Um dos temas que mais despertam a comoção das pessoas é a questão dos refugiados. Poucos são os que não se sensibilizam com o drama humanitário dessas pessoas. Mas, se é assim, então por que uma solução para o problema parece cada vez mais utópica e distante? A nossa preocupação humanitária é ética ou “cosmética”?

Segundo o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), em 2015 o mundo possuía 65,3 milhões de pessoas deslocadas contra a sua vontade, o maior número já registrado na história e quase seis milhões a mais do que em 2014. Hoje, de 113 habitantes do planeta um é ou solicitante de refúgio (3,2 milhões), ou deslocado interno (40,8 milhões), ou refugiado reconhecido (21,3 milhões).

Do total de refugiados no mundo, 54% vêm de apenas três países: Síria, Afeganistão e Somália.

A guerra civil na Síria é, sem dúvida, a pior crise humanitária da atualidade e a responsável pela maior parcela de refugiados.

De um levante popular, nos ecos da Primavera Árabe, o conflito desdobrou-se em uma sangrenta guerra civil de repercussão global, com a intromissão de potências militares e econômicas, como Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha e França, que disputam avidamente o controle de uma região onde, entre outros fatores, está o Campo de Leviathan – uma das maiores reservas de gás natural e petróleo do planeta, na costa mediterrânea do Oriente Médio e do Norte da África –, descoberto recentemente e por onde passará um bilionário projeto de oleodutos e gasodutos que a conectarão com as
linhas de transmissão euro-asiáticas.

Os cinco anos de conflito na Síria já geraram cerca de cinco milhões de refugiados e forçaram o deslocamento de mais da metade da população do país. Já são 270 mil mortos – dos quais 13 mil crianças – e mais de um milhão de feridos. A esmagadora maioria dos milhões de refugiados foge, inicialmente, para os países da região.

A Turquia é o país de primeiro destino da maioria dos refugiados sírios (2.733.044), seguida pelo Líbano (1.033.513), Jordânia (657.099), Iraque (249.395) e Egito (117.168). A situação dos refugiados nos países de primeiro destino muitas vezes não é muito diferente da que deixaram para trás.

A Turquia, que atualmente abriga o maior contingente de refugiados no mundo, possui 10% dessa população concentrada em 27 campos, e o restante disperso por diversas cidades, sem trabalho, sem dinheiro, sem perspectiva.

O acordo bilionário firmado com a União Europeia, o endurecimento de regras migratórias e o fechamento das fronteiras em alguns dos países do Leste Europeu têm levado a Turquia a adotar medidas de retenção que impedem a progressão por terra dos refugiados rumo à Europa desenvolvida e que os deixa em uma espécie de limbo social. Além disso, atualmente a própria Turquia vive dias de repressão e instabilidade política, após a tentativa de golpe de Estado sofrida pelo governo Erdogan.

No Iraque, além de encontrarem um país devastado por mais de dez anos de guerra, muitos dos refugiados sírios, parte deles, inclusive, cristã, têm de lidar com o terror do Estado Islâmico. No Egito, a repressão política e a perseguição religiosa também são uma realidade. A Jordânia os aloca em campos no meio do deserto.

Todas essas situações levam centenas de milhares de refugiados sírios, juntamente com egressos de outras crises humanitárias, a arriscar suas vidas em travessias e jornadas marítimas rumo à Europa, tanto a partir da Turquia quanto de países do norte da África, nas mãos de diversas quadrilhas de traficantes de pessoas.

Em 2015, mais de um milhão de pessoas chegaram às costas da Europa pelas rotas de fuga do Mediterrâneo, tendo sido registradas quase quatro mil mortes. Em 2016 já são cerca de 252 mil, com mais de três mil mortos ou desaparecidos. Isso sem contar os campos europeus de refugiados, como o de Calais, na França.

Contudo, a parcela de refugiados que busca chegar a países desenvolvidos europeus é minoritária.

Cerca de 13,9 milhões de refugiados (86% do total mundial) são acolhidos em países em desenvolvimento e 4,2 milhões nos países menos desenvolvidos. Somente 15% (ou cerca de 3,2 milhões) são acolhidos em países desenvolvidos.

O Brasil é um dos poucos países no mundo a estabelecer em lei uma política pública clara em relação aos refugiados e solicitantes de refúgio – a lei 9.474/97 –, que reconhece direitos básicos desde o momento da solicitação e estabelece um procedimento administrativo com etapas, exigências e órgãos decisórios específicos e com competências bem definidas.

Isso não significa que não existam questões, tanto na legislação quanto nas ações de acolhimento, que ainda deixem muito a desejar ou que não sejam passíveis de críticas. Mas, de modo geral, a postura do País em relação a essa questão sempre foi muito elogiada pela ONU e pela Acnur.

Especificamente em relação aos refugiados sírios, desde 2013 o país concede oficialmente visto humanitário. Com essa medida, o Brasil passou a facilitar a vinda e a concessão de refúgio para sírios, que, atualmente, compõem a maior parcela (2.298) dos cerca de 8.863 refugiados, de 79 nacionalidades, reconhecidos pelo governo brasileiro.

Em 2015, o Brasil iniciou negociações com a União Europeia, para o reassentamento de 100 mil refugiados sírios no País, com auxílio financeiro do bloco europeu. Porém, um dos primeiros atos do governo interino de Michel Temer foi o encerramento abrupto dessas negociações.

Recentemente o mundo aplaudiu e se emocionou com o desfile da equipe olímpica de refugiados. O presidente do COI fez questão de afirmar que os refugiados deveriam se sentir acolhidos e que o mundo os via naquele momento. Isso basta?

O Acnur está longe de atingir a meta de arrecadação financeira para atender aos milhões de pessoas sob seus cuidados. Em vez de palavras, o COI poderia ter doado parte dos lucros bilionários que obteve com os Jogos Olímpicos de 2016 ao Acnur, assim como boa parte dos países representados, efetivas ou interinamente, na cerimônia de abertura. Isso, sim, teria sido uma ajuda humanitária de verdade.

*João Alberto Alves Amorim é doutor em Direito Internacional pela USP e professor de Direito Internacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além de coordenador da Cátedra Sérgio Vieira de Melo na Unifesp. Foi advogado do Acnur e do Centro de Referência para Refugiados, da Cáritas Arquidiocesana de São


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