As diferentes voltagens do Supremo

Plenário do Supremo Tribunal Federal - Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
Plenário do Supremo Tribunal Federal – Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

As investigações decorrentes da chamada Operação Lava Jato chegaram ao Supremo Tribunal Federal em março de 2015, um ano após seu início na Justiça Federal, em Curitiba.

Com o propósito de investigar a participação de políticos em um esquema de corrupção nos contratos da Petrobras, o procurador-geral da República pediu a abertura de inquéritos contra dezenas de parlamentares, deputados e senadores. Processos contra os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, além de ministros de Estado, davam indícios de que os mais altos escalões da política nacional estariam envolvidos em um amplo esquema de corrupção. Mesmo diante do mensalão, a Lava Jato é maior em volume de dinheiro desviado e em número de investigados. A instauração de inquéritos contra políticos no Supremo foi deflagradora de uma crise política sistêmica, atingindo as duas casas legislativas, o governo federal e as maiores construtoras do País.

Porém, mesmo com essa alta voltagem, as investigações no Supremo Tribunal Federal seguiram um ritmo distinto das conduzidas por Sergio Moro na Justiça Federal. Em parte, isso seria devido à natureza do tribunal constitucional, pouco inclinado a exercer o papel de juízo criminal.

Os debates no tribunal se concentraram, no início, sobre questões técnicas e processuais, como a definição do desmembramento dos processos para investigados sem foro por prerrogativa de função, comumente chamado de foro privilegiado. A regra estabelecida pelo ministro Teori Zavascki, relator de todos os inquéritos, foi de manter apenas políticos com prerrogativa de foro no Supremo, deixando os demais casos na Justiça Federal.

Essa diferença de ritmos – condenações na primeira instância da Justiça Federal e apenas investigações no Supremo – colocou sobre o tribunal acusações de que estaria sendo leniente com os poderosos. Até o momento, algumas investigações foram arquivadas, poucas denúncias foram aceitas e não há nenhum indício de que os julgamentos venham a ocorrer em um futuro próximo. Diante da espetacularização de cada passo das investigações na primeira instância, o andamento da Lava Jato no Supremo pareceu morno.

Por este viés, o papel do Supremo na Lava Jato seria o de mero coadjuvante. Mas, se analisarmos as decisões extraordinárias nos casos Delcídio do Amaral, Lula e Eduardo Cunha, tomadas por fatos circundantes à Operação Lava Jato, o cenário é outro, onde o Supremo Tribunal Federal ocupa o epicentro da crise política institucional brasileira. Importa, aqui, o papel institucional que a Lava Jato permitiu ao Supremo Tribunal Federal desempenhar na crise política.

A determinação de prisão em flagrante de Delcídio do Amaral, ainda quando senador da República, foi uma resposta a vazamentos de áudios de uma conversa em que haveria a preparação de atos de fuga de Nestor Cerveró, um dos delatores e réus na Lava Jato. Em uma interpretação inusual da inafiançabilidade do crime e de sua continuidade, Delcídio foi preso por decisão cautelar de Teori Zavascki, depois corroborada pelo plenário do tribunal.

Líder do governo no Senado Federal, sua prisão inédita certamente contribuiu para o acirramento da crise política envolvendo Dilma Rousseff, tanto que uma semana depois foi formalmente instaurado, por Eduardo Cunha, o processo de impeachment na Câmara dos Deputados.

Uma liberação de áudios, agora de interceptações de conversas telefônicas entre Dilma e Lula, no âmbito de investigações conduzidas por Sergio Moro na Justiça Federal de Curitiba, deu ensejo a ações que procuraram suspender a posse de Lula como ministro da Casa Civil. O fundamento, na época, era de que Lula havia sido nomeado ministro apenas para escapar da jurisdição de Moro, em uma tentativa de fraude processual e com desvio de finalidade, interferindo na Lava Jato. Inobstante as fundadas dúvidas sobre a legalidade da obtenção e divulgação desses áudios (cuja ilegalidade acabou sendo comprovada posteriormente), o mandado de segurança coletivo proposto pelo PSDB teve a liminar deferida pelo ministro Gilmar Mendes, contrariando a lei e a jurisprudência do próprio tribunal.

Mesmo com posterior decretação de ilegalidade dos áudios e repreensão da conduta de Moro na divulgação dos áudios, a posse de Lula permaneceu suspensa e a liminar de Gilmar Mendes não chegou a ser revista pelo tribunal. Essas ações envolvendo Lula acabaram por vincular mais diretamente Dilma aos fatos da Lava Jato, o que não havia ocorrido até então.
Foi também com o argumento de interferência indevida nas investigações da Lava Jato que o ministro Teori Zavascki determinou cautelarmente a suspensão do exercício do mandato de Eduardo Cunha, afastando-o consequentemente da Presidência da Câmara dos Deputados, logo após o processo de impeachment ser levado ao Senado Federal. Corroborada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no mesmo dia, a decisão inédita cria uma nova hipótese de suspensão e perda de mandato parlamentar, não prevista pela Constituição.

Essas três decisões são exemplos de uma atuação incomum e bastante incisiva do Supremo nos demais poderes da República. Juntas, elas podem representar uma nova forma de relacionamento do tribunal com o Legislativo, afetando de forma bastante drástica a lógica de funcionamento do sistema político. Além do fato de serem excepcionais, essas decisões exerceram um enorme impacto no desfecho do processo de impeachment, ora neutralizando alguns atores, como Lula e Delcídio, ora liberando, com o uso do tempo no julgamento de Cunha. Há uma correlação entre essas decisões e fases importantes do processo de impeachment.

Assim, mesmo que o Supremo Tribunal Federal não tenha avançado muito nos inquéritos e ações penais da Lava Jato que estão sob sua jurisdição, conduzindo de forma mais lenta os processos contra parlamentares e ministros (do governo anterior e do atual), essas decisões tangentes extraordinárias permitiram ao tribunal estabelecer precedentes bastante invasivos na relação com o Legislativo.

Da mesma forma, ainda que o Supremo não tenha interferido diretamente no processo de impeachment, essas mesmas decisões, seu teor e o tempo em que foram tomadas evidenciam que o tribunal desempenhou um papel determinante no desenrolar da crise política que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff.

Por enquanto, a Operação Lava Jato atingiu sobretudo o PT e seus quadros, mesmo com notícias e delações envolvendo outros partidos políticos. Superar a névoa de seletividade que ronda a atuação do Ministério Público e do Judiciário é essencial para que as decisões do tribunal tenham legitimidade. Há ainda, entretanto, muito para acontecer nas investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal. A recente decisão permitindo a execução provisória da pena após condenação em segunda instância deve, também, produzir impactos nas investigações conduzidas por Moro. Com o tempo, teremos condições de averiguar o papel que a Operação Lava Jato e o Supremo desempenharam no País: se de catalisadores da crise ou meios para superá-la.

*Eloísa Machado de Almeida, professora da FGV Direito SP. Coordenadora do Supremo em Pauta

Leia o especial: Lava Jato, a Derrota do PT e o Futuro da Esquerda

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