Em meio a uma quinta-feira corrida, entre uma visita a uma escola em Cidade Tiradentes e uma horta comunitária em Guaianases, ambas na zona leste de São Paulo, a reportagem da Brasileiros conseguiu pegar uma carona no carro oficial de Ana Estela Haddad.
Durante a conversa, falamos sobre o programa São Paulo Carinhosa, que foi criado por Ana Estela, como uma maneira inovadora de pensar a cidade para as crianças, abrangendo cultura, educação, saúde e lazer. “Foi surpreendente perceber a grande aceitação, era uma coisa que estava faltando. Outro dia vi fotos da avenida Paulista aberta e tinha um bebê engatinhando. Você vê as crianças de patins, patinete, jogando bola.”
Questionada sobre o período de transição com a nova prefeitura, a primeira- dama se mostrou preocupada em relação às sete secretarias que devem ser extintas pela equipe de João Doria, que também pretende anexar as Secretarias de Direitos Humanos e da Mulher à pasta de Desenvolvimento Social. “A Secretaria de Desenvolvimento Social tem um peso, uma densidade, uma complexidade de sistema muito grande. Então, incorporar mais coisas é bem complicado”, disse.
Por outro lado, ela analisou de forma positiva o mandato de Fernando Haddad e afirmou que os paulistanos passaram a encarar a cidade como parte de sua casa. Ela acredita que as bandeiras emblemáticas da campanha de Doria, como o fechamento das ciclovias, o fechamento das avenidas e a questão da velocidade, devem ser reestudadas. “Curiosamente, depois das eleições surgiram várias matérias positivas sobre políticas implementadas pelo prefeito. Quarenta entidades fizeram uma manifestação pedindo que não terminasse o programa “De Braços Abertos”, a questão da velocidade. Eu soube pelo secretário de Saúde, Alexandre Padilha, que a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-americana da Saúde estavam preparando uma nota técnica a ser enviada ao atual prefeito, cumprimentando pela medida de diminuição da velocidade e pelos impactos positivos que causaram e pedindo ao próximo prefeito que a medida não seja suspensa.”
Por fim, Ana Estela se mostrou preocupada diante do avanço conservador ao redor do mundo. “É uma perda e um retrocesso para muitas ações e políticas que vinham acontecendo no mundo todo. Nos Estados Unidos com Barack Obama, na Europa com a União Europeia, aqui no Brasil com Lula e Dilma. Vamos torcer para que a sociedade possa ter incorporado os benefícios que essas políticas trouxeram e lutem contra os retrocessos”.
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Gostaria que a senhora analisasse o programa São Paulo Carinhosa desde o início de sua implementação até agora.
Os primeiros seis meses foram de conversar com as secretarias.– são 14 secretarias que participam do programa — e identificar no programa de governo, dentro do que já estava previsto, o que a gente poderia fortalecer e ampliar no sentido de incidir sobre a questão da infância na cidade. Colocar a questão da infância na agenda do plano de governo de uma forma transversa, intersetorial. Em agosto o prefeito assinou um decreto que institui o programa. Ele (Haddad) teve uma inspiração no Brasil Carinhoso, do governo federal, e a gente também se baseou muito no Plano Nacional da Primeira Infância, feito pela Rede Nacional da Primeira Infância, que congrega aproximadamente duzentas entidades brasileiras, construído de forma integrada com a política nacional de saúde e da criança, política nacional de educação infantil, de cultura, de esporte, e assim por diante. A ideia não é criar uma caixinha separada, mas é fazer o trabalho em harmonia. Se a cidade for boa para as crianças, ela vai ser boa para qualquer pessoa. Hoje 20% das atividades de cultura são direcionadas às crianças. “Foi surpreendente perceber a grande aceitação, era uma coisa que estava faltando. Outro dia vi fotos da avenida Paulista aberta e tinha um bebê engatinhando. Você vê as crianças de patins, patinete, jogando bola.”
Vocês chegaram a conversar com a nova prefeitura para saber sobre o futuro do programa?
Por enquanto, a transição está nos grandes temas e ainda não chegou em temas específicos. Com a criação do programa temos a Coordenação da Infância e do Adolescente, uma coordenação que tem uma importância muito grande, pois faz uma interface com o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, que atende uma legislação nacional e o próprio ECA (Instituto da Criança e do Adolescente). Então, a importância de ter uma área nessa gestão que pense nessa política ajuda muito a organizar o trabalho e os projetos, que são apoiados por recursos públicos. O fato de a Secretaria de Direitos Humanos ser incorporada pela Secretaria do Desenvolvimento Social, como está previsto, é preocupante. A Secretaria de Desenvolvimento Social tem um peso, uma densidade, uma complexidade de sistema muito grande. Então incorporar mais coisas é bem complicado.
Como vê o fim da Secretaria de Direitos Humanos?
Quando não tem uma área dentro da gestão para pensar essas políticas… Não se trata de muitos recursos, mas de um setor que está articulando a participação social. Por exemplo, trabalhar a infância e a adolescência em articulação com a educação, com a saúde, a cultura, e isso vai dando uma liga, porque a tendência de cada setor é trabalhar de forma mais estanque. Então, eu acho que faz falta.
Qual sua opinião sobre as propostas feitas por Doria durante a campanha?
O que eu tenho percebido é que ele está revendo algumas questões que foram bandeiras de campanha e que possivelmente o fizeram vencer as eleições. Ele foi andar com ciclistas na ciclovia e mudou um pouco sua ideia em relação ao fim das ciclovias. Ele tinha falado que iria pôr fim às avenidas abertas aos domingos, ou deixar de um lado só. Recentemente, ele visitou a Paulista e reviu essa posição. Tem havido manifestações da sociedade civil organizada. Quarenta entidades fizeram uma manifestação pedindo que não terminasse o programa “De Braços Abertos”, teve uma manifestação de cicloativistas na porta da casa dele (Doria). Sobre a questão da velocidade, eu soube pelo secretário de Saúde, Alexandre Padilha, que a Organização Mundial da Saúde e a Organização Pan-americana da Saúde estão preparando uma nota técnica a ser enviada tanto ao atual prefeito, cumprimentado pela medida de diminuição da velocidade e os impactos positivos que causou, quanto para o futuro prefeito, pedindo que esta medida não mude. A gente percebe que toda resistência inicial que houve, um pouco estimulada pelos meios de comunicação e pela forma de como discutiram a questão, já arrefeceu. Curiosamente, depois das eleições surgiram várias matérias positivas sobre políticas implementadas. Já não se fala mais em “indústria da multa”. Hoje as pessoas já mudam de posição, estão falando que a população, estando educada e respeitando a lei, para de receber multa. Se você não tiver uma penalidade para que as pessoas mudem os seus hábitos, elas não vão mudar. Ninguém vai reduzir a velocidade espontaneamente. É necessário uma regra e uma penalidade para quem infringir a regra, depois isso é incorporado. O atual prefeito costuma dizer que boa parte dos problemas que a gente tem na cidade é causada por nós mesmos e pelas atitudes que temos. A gente precisa refletir sobre as atitudes que favorecem a convivência, o espaço coletivo, o respeito ao coletivo. Na medida em que o direto individual está prejudicando o coletivo, ele precisa ser revisto.
Qual foi a marca deste mandato?
Foi pensar a cidade viva, a cidade saudável, promotora de saúde, educação, a cidade como a sua casa. A casa da gente não é só o lugar que a gente mora, é necessário entender a cidade como um espaço a ser cuidado por todos, um espaço de convivência das pessoas. Então, quando você tem cultura na rua, rompendo as barreiras entre perifeira e centro, apoiada e bem divulgada, o incentivo ao empreendimento dos jovens, a questão de Wi-Fi livre nos ônibus e nas praças, o acesso à tecnologia, a iluminação LED, que contribui com economia e sustentabilidade, além de melhorar a segurança, a cidade passa a ser vista de outra forma
E a participação feminina durante a gestão de Fernando Haddad?
Temos várias secretarias com mulheres. A presença é importante pois traz um olhar complementar diferente. Nem melhor nem pior, é uma forma diferente de tratar as questões, de construir o processo de liderança. A criação da Secretaria da Mulher, espelhada na Secretaria Nacional da Mulher, que infelizmente foi descontinuada, permitiu que pudéssemos captar recursos nacionais e implementar políticas nacionais aqui no município, além de cuidar das questões da mulher, nas questões de emprego, empreendedorismo, de violência. A secretaria fez várias parcerias, uma delas é a participação da Guarda Civil Metropolitana na Guardiã Maria da Penha. A Guarda Civil passou a circular e visitar as residências onde tem mandado em medida cautelar ou onde já ocorreu casos de violência doméstica. E a visita contribuiu muito para reduzir a incidência dessa violência. Os serviços móveis que foram criados para atender a mulher vítima de violência foram muito importantes, eles andam pelos bairros, onde existem os maiores casos relatados, e fazem esse serviço móvel desde a motorista até a delegada, a profissional de saúde. É um grupo só de mulheres, o que cria um acolhimento, um espaço para a mulher expor seus problemas de forma mais favorável.
Gostaria que comentasse a atual onda conservadora ao redor do mundo?
A gente tem assistido a um processo em termos mundiais. Tem havido uma preocupação com alguns movimentos na Europa, nos Estados Unidos com as eleições recentes, uma certa volta ao conservadorismo, ao nacionalismo, à proteção de barreiras. A preocupação que a gente tem é que isso possa estimular um menor apoio à diversidade, um menor grau de tolerância entre as diferenças, e se isso se concretizar dessa forma é uma pena. Uma perda e um retrocesso para muitas ações e muitas políticas que vinham acontecendo no mundo todo. Nos Estados Unidos com Barack Obama, na Europa com a União Europeia, aqui no Brasil com Lula e Dilma. Vamos torcer para que a sociedade possa ter incorporado os benefícios que essas políticas trouxe
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