O Exército iraquiano se posiciona no alto das montanhas em Dohuk, Iraque

No dia de folga da equipe internacional da associação Freunde der Erziehungskunst Rudolf Steiner (Amigos da Arte de Educar de Rudolf Steiner), que está trabalhando em campos de refugiados em Zahko, no Iraque, um passeio no parque de Dohuk, cidade vizinha, é proibido. O motivo: o Exército iraquiano começa a se posicionar no alto das montanhas e uma ofensiva pode acontecer a qualquer momento.

Reinaldo Nascimento, o único brasileiro nesse time, é voluntário da associação alemã há cinco anos. Esta é a quarta vez que está no Iraque, mas já participou de 11 intervenções em oito países. A associação Freunde der Erziehungskunst Rudolf Steiner atua em campos de refugiados em regiões de conflito e em locais que passaram por grandes desastres naturais. 

Em Zahko, que fica a 80 km de Mossul, Nascimento e o grupo trabalham em campos de refugiados. Capturada pelo Estado Islâmico em 2014, Mossul é a peça mais importante no califado que o grupo terrorista tenta implantar com a ocupação e consequente eliminação de fronteiras de parte da Síria e do Iraque. A tentativa de retomada do controle de Mossul por uma coalização de forças oficiais iraquianas vindas de Bagdá, de soldados do Curdistão baseados em Erbil e de milícias xiitas apoiadas pelo Irã, com o apoio aéreo e logístico norte-americano, faz da cidade o palco de uma guerra sangrenta. Um verdadeiro inferno.

Leia, a seguir, o relato que Nascimento faz de seu dia de descanso.

Zahko e Dohuk, 11 de novembro de 2016.

Quando comecei o meu trabalho com o time internacional, eu achava muito estranho ter um dia de folga. Achava e tinha certeza de que precisávamos trabalhar e atender sempre as crianças, os jovens e todos os que precisassem. E aí está a verdade: Nós também precisamos nos cuidar.

Somos pessoas normais. Muitos nos chamam de loucos, de corajosos, de malucos. Alguns colegas são criticados por deixarem seus filhos em casa para cuidar dos filhos dos outros. Outros querem colocar em nossas cabeças que esta guerra não é nossa e que este lado do mundo está ferrado mesmo! Que queremos aparecer, etc.

Hoje, depois de cinco anos no time internacional e 11 intervenções em oito países, aprendi que cuidar de si é crucial para fazer parte desse time. É preciso ceder e dizer não quando realmente não dá mais. Muitos colegas sofrem no começo, pois, como eu, acham que precisam estar o tempo inteiro trabalhando e prestando auxílio e, muitas vezes, o corpo não aguenta. É muito normal ficarmos doentes: diarreia, dor de cabeça, dor de barriga, etc. É muita coisa e, muitas vezes, muita miséria e desgraça num lugar só!

Com Minka, divido toda a responsabilidade desta intervenção. Ela é a chefe e, na ausência dela, por qualquer motivo, assumo. Minka e o professor Bernd sempre me disseram que para cuidar dos outros é preciso estar bem. É preciso se higienizar psicologicamente. E fazemos isso sempre que possível…

Hoje, foi o nosso dia de folga! Grandioso! O difícil é aceitar que sexta é o mesmo que domingo e que domingo já é o segundo dia da semana. Uma confusão desastrosa.

Pudemos dormir até as 9h. Decidimos ir para Dohuk, cidade vizinha onde já trabalhei! É uma cidade cercada por montanhas, o que proporciona muita segurança aos seus moradores e refugiados.

Quisemos visitar algumas ruínas e ao, chegarmos à entrada do parque, no alto da montanha, fomos barrados, pois o Exército iraquiano já está posicionado lá. Ninguém entra! Isso realmente significa que as coisas vão tomando seus rumos e uma ofensiva deve estar muito próxima. Aqui dizem que 70 mil pessoas conseguiram fugir de Mossul. Para nós, já significa que é bem provável que voltemos em dezembro para atender essas crianças e jovens.

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Exército iraquiano posicionado

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Zahko

Decidimos ir para a represa de Dohuk. Um lugar lindo! Infelizmente quando pensamos no Iraque e agora na Síria, a maioria só pensa em desgraça… Eu sou apaixonado pelo Curdistão. Adoro a comida, as montanhas, a bagunça nas ruas parece o Largo Treze de Maio, em Santo Amaro, São Paulo, nos anos 1990.

Claro que a cultura é bem diferente, os caras me beijam o tempo todo aqui, mas nunca os vi beijando suas esposas. Respeito a cultura aqui e, no entanto, sofro com algumas coisas em relação às mulheres.

O que quero dizer é que o país tem uma beleza impressionante. Ruínas em todos os cantos, pontes de mais de dois mil anos, templos religiosos incríveis construídos nas montanhas e tantos outros lugares. É possível ficar viajando por aqui por anos e não daremos conta de ver a quantidade de belezas. Mas aqui as preocupações são outras. Há dois anos busco cartões postais e ainda não achei.

Hoje, conseguimos fazer uma caminhada de duas horas pelas montanhas. Depois fomos conhecer o escritório dos Amigos da Arte de Educar. De lá fomos tomar um café num local muito aconchegante e depois jantamos no apartamento onde vivem Jessica e Raphaela.

Na volta, claro que fiquei pensando em como seria bonito poder caminhar com algumas crianças e jovens por essas montanhas. Hoje, falar em montanhas é duro para muitos refugiados, principalmente os Yaziadis que viviam nelas e não têm a menor ideia se um dia poderão voltar para lá!

Represa de
Represa de Dohuk

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Dohuk

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Montanhas de Dohuk

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Ruías de Dohuk

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Dohuk

Há muito que fazer por aqui. A situação, por mais esperançoso que sou, não será fácil. O Estado Islâmico é conhecido por chegar impondo medo e terror e por sair, quando não expulso, por não deixar nada em pé: o grupo destrói tudo o que pode e ainda coloca minas por todos os lugares.

Amanhã, Mana, um colega-amigo, que voltou da guerra, prometeu participar do seminário e já me mandou o recado que gostaria de tomar um logo chá comigo! Como gostaria que ele só ficasse conosco em vez de estar todos os meses com esta arma não mão…

Desejo que todos vocês descansem bem. Andem descalços na rua mesmo. Convide aquele amigo de que você tem saudade, mas sempre acha que ele está ocupado demais para tomar um café!

Reinaldo

P.S. O Brasil ganhou da Argentina. Como fiquei sabendo? Quando desci para entregar a chave do quarto, os dois recepcionistas vieram me abraçar e dizer que eu era o melhor jogar do mundo! Eu melhor jogador do mundo? Eles então me explicaram que o Brasil ganhou de 3 x 0 da Argentina e que eu fui o melhor jogar em campo. Estou ferrado mesmo.

Nota da redação: Reinaldo Nascimento já contou para a reportagem que, muitas vezes, é confundido com o jogador Ronaldinho Gaúcho. 


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