Amazan de Campina

Este nosso País é tão fantástico que por onde a gente passa, mesmo sem procurar muito, acaba encontrando um monte de personagens com histórias para contar. No final de maio, quando Brasileiros foi fazer uma reportagem sobre os preparativos para o “maior São João do mundo”, o de Campina Grande, na Paraíba, visitado por mais de dois milhões de pessoas neste ano, tropicamos em um sanfoneiro chamado José Amazan Silva, 47 anos, ex-lavrador criado em Jardim do Seridó, que não só toca como também fabrica o instrumento. Aliás, melhor ainda: ele montou, há sete anos, em Catolé do Zé Ferreira, na saída da cidade para o sertão, a única fábrica de sanfonas em funcionamento no Brasil.

“Já passou a fase do perigo de fechar”, comemora Amazan, à frente dos seus 22 funcionários que fabricam artesanalmente cerca de 100 instrumentos por ano. Às margens da BR-230, uma placa anuncia que ali fica a Fábrica de Acordeon Leticce – o melhor do mundo. Entramos na Rua Faustina Lúcia e, ao final dela, encontramos uma história tão boa que não coube na edição especial de festas juninas publicada no mês passado. Como prometemos, a vida de Amazan e sua fábrica de sanfonas vai agora contada.
[nggallery id=14897]

Em uma tarde de sábado, antes da abertura oficial da grande festa que atravessou todo o mês de junho e o levaria a tocar em 22 cidades do Nordeste, o artista-industrial, que tem oito filhos e 28 discos de forró (22 CDs e 6 de vinil) gravados, abre as janelas e caminha pelo galpão vazio para mostrar às visitas a linha de produção de sanfonas. É forte o cheiro de cola e madeira no depósito onde estão estocados os materiais: cedro, andiroba, pinho, alumínio, papelão, couro, tecido, celuloide para acabamento, aço. “A gente só compra fora a matéria-prima. O resto vai fazendo aqui, até as ferramentas. É uma indústria onde tudo ainda é feito à mão”, orgulha-se.

Amazan não chegou a conhecer o pai. Foi criado na roça, em Jardim do Seridó, só pela mãe, Letice, que deu nome à fábrica. “Coloquei um “c” a mais só para dar um charme, Leticce…”, explica. Teve três irmãs, uma já morreu. Começou a trabalhar com 7 anos, carregando água do açude em lombo de jumento, que vendia nas casas vizinhas, e buscando lenha para o fogão da família. Na época da colheita do algodão, ia para o sítio e ajudava a mãe na lavoura, o que o levou a abandonar cedo a escola. O sanfoneiro hoje famoso ficou nessa vida até os 14 anos, quando saiu de casa. Casou-se pela primeira vez com 17, logo ganhou um filho, e foi trabalhar como pedreiro em Campo Grande. Até aí, nada muito original.

O que faria toda a diferença mais tarde foi o instrumento que aprendeu a tocar ainda menino com um primo chamado Hamilton, que deixou uma sanfona velha em sua casa por um tempo. Em maio de 1977, compôs sua primeira música, e não parou mais. Na casa da mãe não tinha televisão, sofá, geladeira, nem mesa tinha. O único bem era um radinho de pilha em que ele gostava de ouvir forró.

Quando Hamilton decidiu ir embora, ia levar a sanfona junto com ele, mas dona Letice não deixou. Trocou a sanfona pelo radinho de pilha. Para ouvir rádio, a família passou a ir à casa dos vizinhos. Amazan gostava mesmo era de Luiz Gonzaga, o Gonzagão, mais popular cantador nordestino de todos os tempos. Ao mesmo tempo que trabalhava como pedreiro em Campina Grande, ele passou a tocar, toda sexta-feira, com o Trio Nordestino, em uma roda de samba do Casa Velha Bar. Era o “Crube da Sexta“, sua estreia no mundo artístico.

Não deu muito certo. Dois anos depois, voltou para trabalhar como pedreiro no Jardim Seridó. E por lá talvez ficasse para sempre, se não tivesse inscrito uma música sua no festival promovido pela Fundação Artístico Cultural Manoel Bandeira. Amazan classificou-se entre os finalistas e, ao sair do palco, foi chamado por Gerson Brito, professor de dança e presidente do grupo folclórico Tropeiros da Borborema.

“Estamos precisando de um sanfoneiro e gostei muito da sua apresentação”, disse-lhe o professor. Não foi preciso falar duas vezes. Amazan aceitou o convite na hora, trabalhou cinco anos no grupo e nunca mais precisou ganhar a vida como pedreiro. Estima que de lá para cá tenha composto 180 músicas. Entre elas É hoje que só chego amanhã, com João Gonçalves, que lhe abriu as portas do sucesso, como se dizia na época. Acompanhava-o uma sanfoninha velha, da marca Sinfonia, cheia de problemas, e era difícil achar técnico para consertar.

A dificuldade o obrigou a entender como funciona uma sanfona e a fazer ele mesmo os reparos. Logo, outros artistas começaram a procurá-lo e a fama de “consertador” se espalhou. “Posso dizer que salvei a pátria de muitos sanfoneiros…”, recorda. Uma vez, foi obrigado a refazer todos os baixos de uma sanfona que ficou arrebentada em um acidente de carro. O serviço foi muito elogiado por um amigo, Elídio, que ele lhe deu a ideia: “Por que você não monta uma fábrica?”.

Amazan saiu da conversa tão determinado que chegou em casa e falou para si mesmo: “Pois eu vou abrir uma fábrica de sanfona”. Em 2003, ele já vivia só da música e de uma criação de bodes que não tinha dado muito certo. No mesmo galpão onde guardava forragem e uma máquina de moer capim para os bodes, com algumas reformas e ampliações, surgiria aos poucos a fábrica de sanfonas. Contratou um marceneiro, por orientação dele comprou algumas máquinas, serra de fita, plaina, equipamentos básicos. “Eu disse a ele, e ele topou: vamos fazer sanfona!”

No começo, arrumou umas sanfonas sucateadas para “destrinchar o material” e entender o seu funcionamento. Depois, foi a São Paulo, percorreu o Brás para cima e para baixo, em busca de matérias-primas para sua fábrica. Nada. Foi para o Rio, também perdeu a viagem. Decidiu, então, arriscar tudo e viajar até a Itália, terra das maiores e melhores fábricas de sanfonas do mundo.

Outubro de 2003. “Comprei uma passagem e fui, mesmo sem saber falar uma palavra em italiano. Fui parar em Castelfidardo, onde tem muitas fábricas.” Deixou a mala no Hotel Paco e foi para o Bar Joly, onde ficou sabendo que trabalhavam umas brasileiras. Uma delas, para sua sorte, era de Campina Grande. “O destino estava traçado. Eu precisava de intérprete e ela tinha uma amiga, a Diana, que era boa nisso. Foi minha sorte. Em três dias, percorri todas as fábricas, aprendi a fazer sanfona. Comprei dois instrumentos e vim com as malas cheias de peças.”

A primeira sanfona não deu certo. Até que saísse uma perfeita em condições de ser vendida no mercado, em junho de 2005, Amazan e o marceneiro contratado, mais outros funcionários que foram chegando, apanharam bastante. No ano passado, vendeu 60 sanfonas de 120 baixos com ressonância. “Se minha sanfona não é a melhor do mundo, pelo menos é igual às italianas.” Os preços variam entre R$ 8,5 mil e R$ 16 mil. A fábrica também produz foles de oito baixos vendidos a R$ 3,3 mil. Até hoje, porém, o sanfoneiro ganha mais como artista do que como industrial. Amazan é um desses muitos brasileiros que não se queixam da vida, vão à luta.


Comentários

2 respostas para “Amazan de Campina”

  1. ola amazan , gostaria de saber qual o preço para trocar as vozes de uma sofona 48, de 52 vozes , por favor entre em contado comigo para que possamos converça … obrigado

  2. Avatar de leidjane oliveira
    leidjane oliveira

    parabens te amo de sua fã sobrinha leid.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.