A eleição de Donald Trump não é um evento isolado. Ela se inscreve em uma dinâmica que representou, em diversos lugares do mundo, a aparição de respostas populares inéditas, incompreensíveis pelos políticos tradicionais e as elites, invisíveis nas pesquisas e quase nunca percebidas pelas mídias.
Comentam-se as tormentas que representam a eleição de Trump e a vitória do sim no plebiscito britânico sobre a saída da União Europeia pelo peso estratégico dessas duas regiões. Mas não podemos esquecer também do não ao plebiscito na Colômbia, da eleição do muito radical presidente Rodrigo Duterte, nas Filipinas, da eleição presidencial na Áustria, posteriormente invalidada, que viu a oposição de um extremista nostálgico do nazismo e de um candidato ecologista; da Alemanha, onde as eleições regionais confirmaram o crescimento do partido AfD, eurocético e xenófobo, e da República Checa, com o partido ANO 2011, cópia checa do AfD, que ganhou as eleições regionais.
Na Grécia, Espanha e Itália, Syriza, Podemos, Ciudadanos e Cinco Estrelas são movimentos novos e antissistemas, de esquerda ou centro-direita, que conquistaram amplos espaços.
Analisar esses movimentos como uma clássica onda conservadora, reação global às diversas conquistas sociais das últimas décadas, é um erro importante. São movimentos profundamente populares que saúdam a perda de empregos e de condições dignas de vida, são os contestatórios do neoliberalismo que desencadeou a crise de 2008 e os órfãos de uma esquerda que abdicou dos seus princípios diante das exigências do mercado financeiro. São cidadãos que, utilizando o vocabulário brasileiro, rejeitam tanto Dilma/Levy quanto Temer/Meirelles por ser duas faces da mesma política e do mesmo desprezo social.
A eleição do Trump é o retorno a um capitalismo original, protecionista, com redução dos acordos internacionais e lançamentos de projetos desenvolvimentistas, protegendo a indústria e a tecnologia nacionais. As elites intelectuais não foram capazes de olhar para quem vive ao lado delas. Autoconvenceram-se de que todo mundo pensava e se comportava como elas. Partiram para a globalização, a depredação do que resta do Estado e a procura de hipotéticos recursos internacionais. Não viram quem ficava desamparado pelo caminho.
A esquerda institucionalizada e os sindicatos transformados em máquinas administrativas deixaram o monopólio da presença social ativa nas classes mais desfavorecidas para as igrejas. O projeto desenvolvimentista fez aliança com a ideologia desses grupos e incorporou seus discursos xenófobos e sexistas. Trump é uma figura polêmica, com uma trajetória pouco compatível com um discurso moralizador, mas escolheu um vice conhecido por ser o porta-voz dos evangélicos americanos.
Bernie Sanders, voz respeitada da esquerda americana nesse processo eleitoral, declarou: “Na medida em que o sr. Trump é sério sobre a sua vontade de desenvolver políticas que melhorem a vida das famílias de trabalhadores neste país, eu e outros progressistas estamos preparados para trabalhar com ele. No caso de ele prosseguir com as suas políticas racistas, sexistas, xenófobas e antiambientalistas, nos oporemos vigorosamente a ele”. Apenas ouvimos comentários da esquerda institucional sobre esta declaração. Não existe uma fatalidade que une políticas desenvolvimentistas e discursos reacionários e excludentes. Os sucessos de Syriza e Podemos mostram que o retorno a políticas ativas de esquerda, baseadas na democracia direta e na mobilização social, abre um caminho progressista e moderno.
*François Huteau é cientista político e economista, doutor pelo Institut Etudes Politiques de Paris (Sciences-Po)
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