Na última terça-feira (29), a maioria da primeira turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime, ao julgar um habeas corpus contra a prisão preventiva de cinco pessoas que trabalhavam numa clínica clandestina no Rio de Janeiro. A decisão gerou uma forte reação na bancada evangélica da Câmara dos Deputados e pressionou o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que quer se reeleger. A disputa pela cadeira de Presidente da Câmara está prevista para fevereiro de 2017.
Maia desengavetou, então, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 58/2011, parada desde 2011, que trata da ampliação da licença maternidade em casos de nascimento prematuro, pelo tempo em que o recém nascido estiver internado. Criou às pressas uma comissão especial para legislar sobre o tema, que deve ser instalada até a semana que vem.
“A comissão está montada não para aprovar o texto original”, afirma a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “O sentido é usar essa comissão para mexer na Constituição e proibir completamente o debate sobre o aborto”, alerta.
A estratégia das deputadas progressistas é tentar evitar a instalação da comissão para que haja tempo de discussão qualificada, uma vez que a tendência é que os fundamentalistas tenham maioria.
Em defesa da instalação da comissão, Maia acusa o STF de legislar no lugar do Congresso. “A criação da comissão especial é uma resposta dizendo: entendemos que há uma prerrogativa que foi usurpada da Câmara, do Congresso, e vamos cumprir nosso papel. Se entendemos que houve uma interferência no Congresso Nacional nosso papel é legislar, seja ratificando ou retificando a decisão do Supremo”, completou Maia.
Jurisprudência
A decisão da Primeira Turma do STF foi tomada com base no voto do ministro Luís Roberto Barroso. Ele alegou que a criminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, o direito à autonomia, à saúde e o à integridade física e psíquica.
“Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, criminalizar a mulher que deseja abortar gera custos sociais e para o sistema de saúde, que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inseguros, com aumento da morbidade e da letalidade”, decidiu Barroso.
“A interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. Durante esse período, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno. Por tudo isso, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos Artigos 124 e 126 do Código Penal, para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre”, disse o ministro.
Na próxima semana, com a possível instalação dessa comissão e com discussões acaloradas, a laicidade do Estado será novamente testada. Será possível ver se a atuação dos parlamentares corresponde a representar a sociedade ou a interesses pessoais e políticos.
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