O filho do súdito

A bordo do navio Kasato Maru, os primeiros 793 imigrantes japoneses chegaram ao Brasil no dia 18 de junho de 1908. Dez anos depois, outro velho cargueiro, o Wakasa Maru, atracou no porto de Santos com mais uma leva de 1.800 imigrantes vindos do Japão para trabalhar nas lavouras de café do Brasil. Os passageiros que formaram fila na alfândega, naquele dia 17 de julho de 1918, podiam se considerar sobreviventes. Eles participaram da mais trágica viagem da emigração japonesa de todas as registradas. Entre eles estava Massateru Hokubaru, que, com 13 anos, viajara para cá com os tios e com eles passara 84 dias dentro do navio, na viagem de Kobe, no Japão, até Santos, no Brasil. Massateru ocupou naquele tempo todo um espaço de 45 por 90 centímetros no porão do Wakasa Maru, e viu homens e mulheres morrerem de um surto de meningite. Cerca de 60 foram jogados ao mar. Massateru é pai do jornalista Jorge J. Okubaru, de O Estado de S. Paulo e autor de O Súdito (Banzai, Massateru!).

O livro de Jorge é uma descrição da imigração japonesa no Brasil, mas vai muito além disso. Ele é, também, um retrato rico e detalhado do Japão como potência do final do século XIX e começo do século XX. Um país que impôs uma derrota à China em 1895 – até então a maior força da Ásia – e, com isso, revelou sua transformação de um país feudal em um império expansionista. O pai de Jorge, Massateru, nasceu na ilha de Okinawa em novembro de 1904. Jorge cita George H. Kerr para descrever o arquipélago de Ryukyu, cuja maior e mais importante ilha é aquela onde seu pai nasceu: “A natureza nunca foi generosa nessas ilhas”, diz o historiador norte-americano. Assolada por tufões que podem chegar a quase 50 por ano, os ventos atingem até 270 quilômetros por hora.
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Okinawa, até pouco antes do nascimento de Massateru, era um reino independente, pacífico, com personalidade e orgulho próprios. Seus habitantes tinham características bem diferentes das do resto do Japão, tanto físicas quanto culturais, e também por isso eram discriminados naquele império florescente. Até o idioma de Okinawa era diferente.

No ano em que Massateru, seu pai, nasceu, o Japão travava uma guerra com a Rússia. Em 27 de maio de 1905, os navios japoneses dizimaram a frota russa no Estreito de Tsushima, que separa o Japão da Coréia. O imperador Mutsuhito, que escolhera chamar seu período de poder de Era Meiji (a era do governo iluminado), fez questão de anunciar que o Japão se tornara a primeira potência a derrotar a Rússia, coisa que nem Napoleão conseguira.

A chegada de Massateru ao Brasil não diminuiu a angústia da viagem. Pouco antes de o Wakasa Maru aportar em Santos, aconteceu a pior geada já registrada até hoje no País, que destruiu uma parte considerável das fazendas de café de São Paulo, destino da maioria daqueles imigrantes. Havia muito pouco café para colher, as condições de trabalho eram bem ruins e a remuneração tão baixa a ponto de eles se sentirem escravizados. Para completar o quadro, 1918 foi o ano da gripe espanhola, uma pandemia que atingiu cerca de 65% da população. No Rio de Janeiro foram registradas mais de 14 mil mortes e, em São Paulo, 2 mil.

A saga do pai de Jorge continuou depois da Segunda Guerra, quando ele foi preso por pertencer a uma organização nacionalista japonesa que se recusava a reconhecer que o Japão perdera a guerra e foi acusada pela morte de compatriotas que admitiam a derrota.

Jorge J. Okubaro nasceu em Araraquara em julho de 1946. Estudou engenharia, ciências sociais e jornalismo. Seu livro, o relato de uma vida atribulada, é bastante minucioso, incisivo e emocionante. E pode-se dizer que trata, em primeiro lugar, da imigração okinawana para o Brasil e, depois, da imigração japonesa.


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