A Associação Brasileira Mostra Internacional de Cinema (ABMIC) funciona em um pequeno espaço perto da rua Augusta, região central de São Paulo. É lá que Renata de Almeida e equipe recebem, catalogam, assistem, selecionam e organizam os filmes que serão exibidos na 36a edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece entre os dias 19 de outubro e 1o de novembro, a primeira sem Leon Cakoff. “É difícil continuar sem Leon”, diz ela, referindo-se ao marido e criador do festival cinematográfico, morto no ano passado em decorrência de um melanoma. No entanto, ela ressalta que continua um projeto que também é dela. “Esse é o meu trabalho. Aprendi muito com Leon, e ele aprendeu comigo. Mas essa etapa passou.”
É fato que Renata ajudou a trazer para o Brasil cineastas de peso – Wim Wenders, Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar, só para citar alguns – e filmes que fizeram a cabeça de gerações de espectadores. “Não me sinto em dívida nem credora de nada. Também não tenho a obrigação de manter a mostra. Vou trabalhar enquanto for possível, enquanto houver patrocinadores e, especialmente, público.”
Por enquanto, a ideia é manter as estratégias de sempre – como de costume, a programação completa dos filmes só será divulgada dias antes do lançamento da nova edição. No final de setembro, Renata falava apenas sobre algumas atrações do evento, como a exposição Luz Instantânea, que vai reunir no MASP polaroides do cineasta russo Andrei Tarkovsky (1932-1986), e a exibição com trilha sonora ao vivo do primeiro Nosferatu, filme de 1922, de F.W. Murnau – um clássico do expressionismo alemão que será exibido no Parque Ibirapuera, que traz imagens de terror que ainda surpreendem.
Além da organização do evento cinematográfico, Renata mantém as gravações do programa Mostra Internacional de Cinema na Cultura, criado por ela e Leon, exibido semanalmente na TV Cultura. Ela confessa estar muito empolgada com esse trabalho. “Percebo que não é que as pessoas não querem assistir a um tipo de filme. Na verdade, esse determinado filme não chega às pessoas”, diz.
Apaixonada por cinema desde criança, Renata carrega o título de Destaque Cultural de 2011, concedido pelo Prêmio Governador do Estado, e é vencedora do Prêmio Especial da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) deste ano. “Acho que foi o empurrãozinho para eu continuar realizando a mostra”, revela. Mas ela sabe que, por trás da Mostra Internacional de Cinema, tem muita dedicação envolvida. “A mostra não existe por si só. Todos os anos, é um trabalho, uma batalha.”
O festival e Cakoff
Leon Chadarevian nasceu em Alepo, na Síria, mas veio para o Brasil com a família quando tinha 8 anos. Pouco mais de uma década depois, tornou-se crítico de cinema no extinto Diários Associados. Criou o sobrenome Cakoff para burlar a censura do País e foi com ele que Leon marcou a história do cinema brasileiro. A mostra foi criada em 1977 para homenagear os 30 anos do MASP – Cakoff era diretor do departamento de cinema do museu. Aconteceu, pela primeira vez, em outubro, quando foram exibidos 16 longas e sete curtas-metragens de 17 países. No evento, os espectadores podiam votar no filme que considerassem o melhor – essa votação acontece até hoje.
Renata de Almeida tinha 12 anos na primeira edição da mostra. Depois de estudar Rádio e TV na FAAP, em São Paulo, ela se mudou para Nova York, onde estudou cinema e conheceu Leon Cakoff. De volta ao Brasil, em 1989, passou a integrar a equipe do evento. “Foi uma relação misturada”, ela diz. Tinha a mostra e a família que Renata e Leon também construíram com os filhos, Jonas, 14 anos, e Tiago, 10.
O QUE DIZEM DO FESTIVAL
“Tenho de salientar a importância da mostra para quem faz e gosta de cinema, a bravura de Leon por não ter desistido esses anos todos, quando o mais lógico seria ele ter jogado a toalha, e a certeza de que Renata vai continuar com a mostra no mesmo padrão, porque faz isso há tanto tempo e tem bom gosto… Mas talvez a única observação pouco feita é que, apesar de a mostra estar maior e mais diversa, creio que no início ela teve um papel mais importante. Nos anos 1970, não havia o mercado de vídeo e DVDs, muito menos Torrent. A única maneira de assistir a outras cinematografias por aqui era mesmo na mostra. Era ali ou nunca.”
Fernando Meirelles, cineasta
“É um orgulho ter um filme selecionado para uma mostra desse porte, ainda mais na minha estreia, um documentário sobre o artista Hélio Oiticica, que durou dez anos para ficar pronto. Só de participar já é um reconhecimento porque a mostra é importante, impulsionando também vários negócios na área cinematográfica. Espero que a mostra continue crescendo e adquirindo cada vez mais importância internacional.”
César Oiticica Filho, diretor do documentário Hélio Oiticica
“Acho, sem exagero, que a mostra é o melhor festival de cinema, pelo menos para um cineasta, porque é onde me atualizo. Eu já admirava o Leon antes de ele fazer a mostra, como crítico. O gosto dele sempre foi eclético, era um amante do cinema e conseguia ver uma coisa boa em qualquer filme. Quando se ama muito o cinema e consegue ver sempre alguma coisa em qualquer filme, isso norteia uma curadoria e faz com que ela seja democrática, mas não necessariamente sem critério. Esse é o grande diferencial da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Renata vai continuar isso, tenho certeza. Ela também é uma grande amante do cinema, com um olhar mais particular. Estou curioso para ver essa edição organizada por ela.”
Bruno Barreto, cineasta
“Fiquei feliz em ter meu filme selecionado para a mostra, que eu amo. É uma honra estrear Chamada a Cobrar no evento, que é a grande vitrine do cinema.”
Anna Muylaert, diretora
“Acompanho a mostra e sei a dimensão que ela tem. Exibir meu primeiro longa, o documentário Kátia, na mostra é, no mínimo, um sonho. Estar na mostra traz uma visibilidade muito boa para o filme e eu não podia desejar coisa melhor. A mostra formou gerações de amantes do cinema e, embora aconteça em São Paulo, repercute no País todo. Uma grande contribuição à cultura.”
Karla Holanda, diretora
“Quando a mostra começou, há mais de 30 anos, eu estava na FAU e lá virou uma febre assistir aos filmes. O que quero dizer é que ela, desde o começo, causou grande impacto em São Paulo e nas pessoas que gostam de cinema. Todo o trabalho que Leon fez foi muito sério e relevante para a cidade. Leon ajudou a formar o gosto pelo cinema em uma geração inteira e isso é um trabalho incrível que ele deixou para cidade. E Renata o entendia completamente, era o braço direito, o coração dele. Por isso, acho que ela vai dar uma continuidade ao trabalho que eles desenvolveram juntos. Fico triste de o Leon não estar mais aqui com a gente. Este é o primeiro ano sem ele na mostra, mas Renata vai dar conta do recado e fazer com que a mostra exista por muito tempo ainda.”
Paulo Morelli, cineasta
Deixe um comentário