“Xamãs de todo o mundo, espalhem-se”
(Roberto Piva, em “Estranhos sinais de saturno”)
Provavelmente, o escritor americano Jack Kerouac, considerado o rei dos beatniks, nem tenha tomado conhecimento do fato, mas a geração beat teve no Brasil – e ainda tem – um representante do mais alto calibre. Seu nome é Roberto Piva. Inspirado pela revolução dos anos 1960 e fazendo uso de uma poética surrealista, Piva retratou em versos alucinados uma São Paulo psicodélica, imersa em desejo e loucura. O resultado foi parar em seu primeiro livro, o antológico Paranoia, lançado em 1963 (reeditado recentemente pelo Instituto Moreira Salles). Assim, nosso nobre poeta beatnik começou a semear, também em terras tupiniquins, uma literatura em que vida e poesia brincam livremente.
Uma demonstração da força da obra de Piva poderá ser conferida no evento Viva Piva!, que será realizado neste sábado (6), em São Paulo. Artistas e amigos, que se nutriram com a poesia libertária de Piva, reúnem-se para oferecer uma justa homenagem e, mais do que isso, prestar auxílio ao poeta, que enfrenta diversos problemas de saúde. Aos 73 anos, Piva sofre do mal de Parkinson, foi submetido recentemente a uma angioplastia e necessita de ajuda para despesas médicas e pessoais.
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O evento que acontecerá no Centro Cultural B_arco, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, terá entrada gratuita, mas serão colhidas doações espontâneas. As editoras Globo, Azougue e o Instituto Moreira Salles cederam exemplares dos livros Obras Reunidas, três volumes com toda a poesia de Roberto Piva (Editora Globo), Entrevistas de Roberto Piva (Azougue Editoral) e a nova edição do primeiro livro dele, Paranoia (Instituto Moreira Salles), com fotos de Wesley Duke Lee acompanhando os poemas, semelhante à primeira edição . A renda dos livros irá integralmente para o poeta. “Sua vida libertária não o permitiu se preocupar com o INSS”, brinca o amigo e organizador do evento, o poeta Celso de Alencar, que o conhece desde 1975.
Outro amigo das antigas e grande admirador é o poeta Antonio Fernando de Franceschi, editor dos Cadernos de Literatura Brasileira, da Fundação Moreira Salles. Ele afirma ter sido um dos primeiros a encontrar Piva. De fato, com ele, e outros poetas, Piva fez seu primeiro voo poético na Antologia dos Novíssimos (Massao Ohno, 1961). “Hoje poderíamos publicar a antologia dos velhíssimos”, ironiza. Com ares de saudade, Franceschi fala da época e do contexto em que conheceu Piva, em 1958. “Havia um grupo de pessoas muito interessante, e São Paulo era ainda uma cidade acolhedora, que permitia relações mais civilizadas”.
“Por sua qualidade e densidade, o livro Paranoia foi o marco fundamental de uma geração”, diz Franceschi. Mas, segundo ele, somente a leitura de toda a obra de Piva pode revelar a dimensão real da literatura do poeta. “No conjunto, foi o resumo de uma geração, ele com sua poesia deu sentido a um momento fortemente marcado pelos anos 1960”, acrescenta.
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Antes de Piva. Depois de Piva
Além da poesia visceral, os valores que ele representava com sua postura diante da vida foi o que gerou a identificação de muitos que viriam depois dele, observa Franceschi. “Ele usou a poesia para o confronto, e foi fundamental quando se opôs à burguesia. Com seu estilo libertário, alcançou em sua vida uma admirável confluência entre vida e poesia.”
Considerado hoje um divisor de águas da poesia brasileira, Piva e seu livro Paranoia, não tiveram o mesmo tratamento na época de seu lançamento. “Quase não há registros de seu lançamento, e nenhum crítico, por muitos anos, o examinou”, conta Claudio Willer, que assina a apresentação de uma antologia de Piva que será publicada na Costa Rica. O motivo para o tratamento gélido das elites culturais de então era a liberdade que explodia nos versos de Piva. “Não se admitiam palavrões, sexo e ofensas aos bons costumes”, recorda Willer.
“Mas ainda que não houvesse um único palavrão ou blasfêmia em Paranoia, também não teriam entendido nada”, reitera. O obstáculo, segundo ele, não era apenas a agressividade, mas o não enquadramento em nenhuma das correntes poéticas nas quais a poesia se ancorava até então.
Participam do evento Alberto Marsicano, Cláudio Willer, João Silvério Trevisan, Celso de Alencar, Antonio Fernando de Franceschi, Lourenço Mutarelli, Roberto Bicelli, Juca Reiners Terron, Rodrigo de Haro, Oswaldo Rodrigues, Xico Sá, Nelson de oliveira, Frederico Barbosa, Marcelino Freire, Ademir Assumpção, Edvaldo Santana, Claudio Daniel, Fábio Weintraub e Mário Bortolotto.
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