Viagem pelo Chile, um país em reconstrução

SANTIAGO DO CHILE – “Óptima evaluación técnica post terremoto”, promete o anúncio publicado pela imobiliária Bravo e Izquierdo na revista de domingo do jornal La Tercera. Foi a única referência que encontrei na imprensa sobre o terromoto que abalou o país na madrugada de 27 de fevereiro deste ano, deixando quase 800 mortos.
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Mais uma vez, este país de 15 milhões de habitantes, com renda per capita (US$ 10,5 mil) maior do que a do Brasil (US$ 7,9 mil), abalado por grandes terremotos a cada 25 anos, está fazendo do limão uma limonada. Com recursos públicos e, principalmente, privados, as regiões abaladas pelo tremor, que chegou a 8,8 pontos na escala Richter, estão sendo reconstruídas com o emprego de novas tecnologias em tempo recorde.

Em menos de seis meses, depois do terremoto e do tsunami que atingiu as cidades da Costa do Pacífico, e com uma sucessão presidencial no meio, o país vive num clima da mais absoluta normalidade, transformado num imenso canteiro de obras, com modernos prédios sendo erguidos por toda parte, tanto na capital como no interior.

A começar pelo aeroporto de Santiago, que foi bastante atingido pelo terremoto e passou duas semanas fechado, onde restam apenas pequenos consertos a fazer, são raros os sinais da tragédia na capital, que abriga quase metade da população do país. Além dos sistemas de água, luz e comunicações, que precisaram ser refeitos em grande parte da cidade, os maiores prejuízos aconteceram dentro das casas e edifícios, não dá para ver de fora.

O epicentro do terremoto se deu na cidade de Constitucion, 500 quilômetros ao sul de Santiago, mas praticamente todo o país sofreu com os abalos. Entre os maiores prejudicados estão os trabalhadores da indústria da pesca, que é muito forte no Chile. Embora tivesse viajado a passeio, sem nem levar o notebook, logo comprei um caderno de anotações para, na volta, poder contar a vocês o que vi neste país com ares europeus, onde não ia faz mais de vinte anos.

Como estava hospedado na casa de José Graziano, o primeiro ministro do Fome Zero, meu velho colega de campanhas eleitorais com Lula, que já está há quatro anos no Chile como diretor regional da FAO (orgão da ONU de combate à desnutrição) para América Latina e Caribe, aproveitamos o belo dia de sol no sábado para visitar uma região pesqueira na região de Santo Domingo, a 120 quilometros de Santiago, na direção do Pacífico.

Pegamos a Ruta del Sol, uma belíssima estrada margeada por vinhedos e plantações de frutas e legumes, e seguimos até o distrito de Llolleo, no município de San Antonio, onde fica o Sindicato dos Trabalhadores Independentes e Pescadores Artesanais.

Ali ainda são visíveis as marcas da destruição. Logo na entrada, formou-se um grande lago, a poucas quadras do mar, onde antes havia um condomínio, o Ojo de Mar, com 120 casas de veraneio. Foram todas destruídas. Colchões, geladeiras, móveis, pedaços de telhados, brinquedos, está tudo boiando na água até agora. Muitos imóveis que resistiram ao tsunami e ao terremoto estão à venda.

O jovem pescador Luis Arnijo, de 20 anos, estava na praia montando a rede no bote a remo com mais seis colegas, às 3h30 da madrugada de 27 de fevereiro, quando a água quente começou a brotar da areia e se formaram ondas gigantes de até 17 metros de altura. Cinco pescadores morreram naquela madrugada.

Sem se mostrar abalado com a tragédia, ele conta que a vida dos pescadores já voltou ao normal. Agora é epoca de pesca de robalo, um peixe nobre, de bom preço no mercado. “Às vezes, conseguimos trazer mais de mil quilos de pescado”.

Na entrada da sede do Sindicato dos Pescadores, encontramos o diretor David Alberto Quiroz Ortiz, 65 anos, consertando uma rede junto com alguns colegas. “Estamos recomeçando”, diz ele, resumindo um sentimento que se espalha por este país que não entrega os pontos.

Trabalhando no mar desde os 13 anos, como o avô e o pai, sempre com botes a remo, David vive até hoje da pesca de corvina, robalo, toyo, pejegallo, vendidos no mercado de San Antonio ou levados para Santiago, quando a produção é maior. São 110 pescadores aqui na boca do rio Maipo, que se queixam da dificuldade para pescar. “O movimento telúrico mudou toda a geografia, a gente precisa se reacostumar para saber onde está o peixe. A produção caiu mais de 50%”.

Para ajudar os pescadores chilenos neste “recomeço”, a FAO já destinou uma verba superior a US$ 1 milhão, segundo Alejandro Flores Neiva, um mexicano responsável pelo setor de aquicultura e pesca. O maior problema dos pescadores da região no momento, além das mudanças no mar provocadas pelo tsunami, são os condomínios fechados que impedem o acesso dos botes.

Até agora, de acordo com o presidente do sindicato, Oswaldo Duarte Echeverria, não chegou nenhuma ajuda oficial do governo chileno, mas a FAO prometeu ajudá-los e já está em entedimentos com a sub-secretaria de Pesca do Ministério da Economia para fazer um recadastramento dos pescadores de Llolleo.

As fendas na terra destruiram também parte de um parque infantil ao lado do sindicato. Próximo dali vimos a todo vapor as obras de reconstrução da Ponte Lo Gallardo, com mais de dois quilômetros de extensão, construída a 500 metros das ruínas da antiga ponte, destruída pelo terremoto de 1960.

Fomos também ao importante porto de Valparaiso, cidade vizinha da turística Vinã Del Mar, onde Garrincha deu seus shows na Copa do Mundo de 1962 em que o Brasil se sagrou bicampeão do mundo. Em toda parte, brasileiros são maioria nas excursões dos turistas que não se abalaram com o terremoto e continuam chegando às estações de esqui, que agora estão abrindo suas temporadas de inverno.

Se alguém ainda estiver temeroso, pode vir tranquilo porque o terremoto já faz parte da história e o próximo só deve acontecer daqui a 25 anos. Uma sugestão: fazer uma visita às vinícolas e, principalmente, aos seus belos restaurantes, como o da Viña Casa Del Bosque, no Valle Casablanca, onde servem um cordeiro da Patagônia que vale a viagem.

Nem só de Copa do Mundo e eleições é feita a vida. Foram cinco belos dias de viagem, graças à hospitalidade do velho Graziano e de sua mulher, a jornalista Paola Ligasacchi, que nos mostraram um pouco das belezas chilenas, onde vive um povo amável que trata muito bem os brasileiros. Chega de escrever. Daqui a pouco, tem Brasil na Copa. Vida que segue.

Em tempo: demorei um pouco para escrever este texto porque voltei na noite de segunda-feira e fui direto para o hospital. Descobri que quebrei uma costela. Parece mentira, mas não foi numa estação de esqui – foi antes de sair de casa, para ir ao Valle Nevado, na hora de calçar a bota. Dei um mau jeito e ploc Já perdi a conta de quantas costelas quebrei na vida. Coisa de velho Nada grave. Já estou em casa. Só dói quando respiro


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