Briga de cachorro grande

Quatro de julho marca o dia da independência dos Estados Unidos. E o que poderia ser maior demonstração de patriotismo, que uma competição entre comedores de cachorros-quentes? Há 95 anos, em Coney Island, no Brooklin, milhares de pessoas se reúnem para ver o embate entre bocas de cabra de elite. Uma dúzia de competidores provam, em 10 minutos, que a voracidade pode ser elevada à categoria de esporte. O “Nathan’s International July Fourth Hot Dog Eating Contest” é uma espécie de Copa do Mundo da modalidade. Leva o nome do suposto criador do sanduíche, originário dali mesmo, no parque de diversões praiano de Nova York. Esperava-se, como sempre, um confronto entre cavalheiros (ainda que algumas damas também participem da disputa). Neste 2010, porém, faltou nobreza ao evento.

Existem regras claras sobre o modo correto para a disputa. Para arbitrar sobre isso, foi criada a “International Major League of Eating” (Liga Internacional de Comedores, numa tradução aproximada). Trata-se de órgão regulador que é uma espécie de FIFA dos fominhas. E os poderes da Liga não se restringem à ingestão de hot dogs, mas se estendem desde o consumo competitivo de cachorros-quentes, até o de cães (em diversos estados de cozedura). E é bom mesmo que a instituição esteja a postos, pois a rivalidade entre os atletas é encarniçada. E foi essa fome de glórias que motivou um escândalo na disputa deste ano. Ao final da lambança, o rebu terminou em bafafá e xilindró.

Os grandes campeões da modalidade têm rivalidade que ultrapassa as fronteiras do saudável e cai em um fanatismo indigesto. O ex-recordista Takeru Kobayashi, representando o Japão, era disparado o grande astro desse esporte. Pequenino e magro, o homem não indica pelo porte físico sua espantosa capacidade. Na verdade, ele é um verdadeiro aspirador de hot dogs, tendo batido a marca histórica de 60 unidades devoradas em 10 minutos cravados. Sua técnica inovadora envolve engolir a salsicha por inteiro, ao mesmo tempo que molha o pão em um copo d’água, para dissolvê-lo e facilitar a ingestão. Ao final de sua performance, o craque terá 60 cilindros de carne boiando numa sopa de pão, em seu estômago. Deixemos de lado a questão da saída desta armada depois da prova.

Acontece que “Koby” – como é carinhosamente chamado o prodígio nipônico – há três anos encontrou seu nêmese. Trata-se do herói americano – dali mesmo no Brooklin – Joey Chestnut. Ele vem batendo o samurai da degustação, tendo inclusive arrebatado o recorde da categoria, no ano passado, com a marca de 68 dogs, em 10 minutos cravados. Koby ficou em meros 64 e meio. Pior: o novo campeão ainda ameaça o imperador japonês em seu próprio quintal, na competição de consumo de ostras, realizada anualmente em Tóquio. Chestnut provou-se um polivalente da boca grande, erguendo os canecos nas provas de ovos cozidos e pizzas. Sua técnica não tem muita arte, ele enfia tudo entre as mandíbulas, dá uma mastigada e engole. Trata-se de uma espécie de “voracidade de resultados”.

A coisa chegou a tal ponto que, nesse ano de 2010, Koby não se inscreveu para o torneio de Coney Island. Os torcedores ficaram decepcionados com a notícia, pois esperavam que a rivalidade entre os principais atletas incentivasse Chestnut a bater a marca dos 70 cachorros-quentes nos 10 minutos regulamentares. Mas ninguém perdeu por esperar, pois sob o sol a pino e calor de 39 °C à sombra inexistente, armou-se um confronto. Pouco antes de o juiz dar o apito inicial da contenda, o japonês que estava na plateia subiu ao palco e tentou devorar uns hot dogs das montanhas à disposição. Queria participar na marra. Mas o árbitro apitou penalidade máxima, retirou seu cartão vermelho e expulsou o craque. A polícia foi acionada e o elemento saiu de braço dado com dois soldados.

Chestnut venceria a competição com meros 54 dogs, muito abaixo da meta esperada. Tomando goladas de “Pepto Bismol” – uma espécie de leite de magnésia americano – o campeão ianque declarou que fez apenas o necessário para ganhar, sem se desgastar desnecessariamente. Por seu lado, Koby provou ser um verdadeiro “Maradona” da modalidade: foi fominha na captura dos refletores e objetivas. Encarcerado, ele passou a noite nas galés. Na manhã seguinte, encarou o juiz da Corte de Manhattan, que o liberou sem exigir fiança, mas indicando a data para o julgamento na acusação de “Distúrbio da Paz”. O ex-campeão foi às barras do tribunal ainda envergando seu uniforme: calção e camiseta negros, como convém a um ninja.

Na saída da Corte, Kobayashi declarou à multidão de repórteres que havia se empolgado com os gritos dos fãs pedindo a sua participação no torneio. “Eu só queria mostrar quem é o verdadeiro campeão e atender aos apelos da torcida”, disse, imodesto. Revelou também que estava com fome, pois havia comido apenas um sanduíche misto frio durante sua estada na cadeia. Imagina-se que tenha desbancado o estoque da casa “Gray’s Papaya”, uma das mais famosas “hotdoguerias” de Nova York. Ficou-se também com a nítida impressão de que o negócio do japonês era mesmo uma manobra publicitária, pois em sua camiseta lia-se: “Free Koby”. O que demonstra seu intento de ser preso, em um plano concebido anteriormente à ação tresloucada. Quem sabe, ele está em campanha para transformar a ingestão cronometrada de cachorros quentes em um esporte olímpico.


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