90 anos de Batatinha, um mestre do samba da Bahia

O sambista Batatinha, que completaria, hoje, 90 anos, em retrato de fevereiro de 1983, feito por Madalena Schuartz
O sambista Batatinha, que completaria, hoje, 90 anos, em retrato de fevereiro de 1983, feito por Madalena Schuartz

Oscar da Penha, ou melhor, Batatinha, um dos mais importantes compositores do samba baiano, nasceu há exatos 90 anos, em 5 de agosto de 1924 (leia um resumo biográfico do artista e ouça a íntegra do programa MPB Especial Sambas da Bahia, exibido em 1974 na TV Cultura, que reuniu Batatinha, Riachão e Ederaldo Gentil).

Batatinha morreu em 3 de janeiro de 1997, aos 73 anos, vitimado por um câncer de próstata.
No mês anterior a sua partida, nosso editor, Gonçalo Junior, e o compositor e produtor baiano Paquito tiveram oito encontros com o artista, para dar início ao que seria uma biografia. A seguir, um relato de Gonçalo sobre esses encontros com uma das figuras centrais para a história do samba brasileiro.   

Samba triste  

Em 6 de dezembro de 1996, não estou certo da precisão da data, eu e o amigo Paquito fomos mais uma vez à casa do compositor baiano Oscar da Penha (1924-1997), o Batatinha, no bairro da Saúde, em Salvador. Paquito, além de compositor e cantor, é um dos caras que mais entendem de música no Brasil – basta ver sua coluna semanal do site Terra Magazine. E é produtor de primeira linha. Naquele momento, ele cuidava de um ambicioso projeto: gravar um disco em que Batata cantava com grandes nomes da MPB. No elenco de estrelas já gravadas estavam Caetano Veloso e Gilberto Gil. Havia pressa. Aos 72 anos, o artista lutava contra um câncer de próstata. Sabíamos que ele fazia quimioterapia, mas não tínhamos a menor ideia da ideia da gravidade de seu estado.

Era o oitavo domingo seguido que fazíamos aquele ritual de chegar em sua casa às 10h da manhã. Conversávamos por duas horas e íamos embora antes de servirem o almoço. Não havia pressa nas entrevistas – sempre interrompidas por uma das filhas para que tomasse remédio pontualmente. Tudo era muito esmiuçado, casos contados e recontados, dúvidas tiradas. Por isso, naquele domingo, quando ele disse que havia tocado com um garoto petulante e cheio de personalidade chamado Raul Seixas, no Cine Roma, na Cidade Abaixa, no começo da década de 1960, pedimos para ele parar por ali. Ainda havia dez minutos de fita, mas fomos enfáticos: “Vamos deixar essa para domingo que vem, é uma passagem importante”. A interrupção se devia também ao cansaço. Depois de uma hora, Batatinha demonstrava exaustão, a memória não parecia precisa.

Nunca mais aconteceria a entrevista seguinte, infelizmente. Na terça, ele foi internado às pressas. Mesmo assim, achamos que ele se recuperaria para falar do tal encontro com Raul. Não saiu com vida do hospital, um mês depois, em 3 de janeiro de 1997. Todo esse material deveria ser usado em uma biografia que eu escreveria a quatro mãos com Paquito. Cinco capítulos foram escritos, mas desencontros e o fato de vivermos desde então em cidades diferentes nos levaram a interromper o projeto. Os últimos 30 anos de vida de Batatinha seriam recuperados com depoimentos de amigos e farto material publicado na imprensa de Salvador que consegui juntar. Hoje, não sei se é mais um projeto viável, a não ser que o Congresso aprove a lei das biografias, o que nos pouparia de uma longa e cansativa negociação com os muitos herdeiros de Batatinha, como é praxe hoje.

Batatinha se mostrava visivelmente feliz em nossas conversas. Ter sua história contada em livro e um disco com grandes artistas que ele admirava eram uma compensação ainda em vida de uma existência inteira dedicada à música. Mesmo com dores, seguia falando. Ajeitava-se na cadeira, pedia ajuda à memória da filha, tão gentil que nos acompanhava e servia sucos. Dele ouvimos histórias maravilhosas, contadas com bom humor, vividas nos modestos empregos que teve e na luta para superar o preconceito racial e fazer seu samba ser gravado e respeitado. Conheceu Antonio Carlos Magalhães, por exemplo, quando era oficce-boy no Diário de Notícias e o futuro governador trabalhava na redação do jornal – não lembro o que ele fazia. Desde aquela época, via semelhanças entre seu estilo e o de um baiano ilustre, Assis Valente, o pai do samba melancolia, o samba triste. Com baixa instrução, assim como Cartola, outro adepto da corrente tristeza, era um artista instintivo, um poeta genial.

Histórias que espero um dia colocar em livro. Por enquanto, fica a lembrança no dia do seu aniversário de 90 anos e do legado de sua obra, marcada pelo talento e pela coerência de não fazer concessões aos modismos que tanto costumam seduzir os artistas da música. Uma data que deveria ser o dia do samba baiano, aliás.

ASSISTA A ÍNTEGRA DO PROGRAMA ENSAIO EXIBIDO EM 1995


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