Créditos finais

O ator britânico Kit Harington, que intrpreta Jon Snow, um dos protagonistas de "Game of Thrones" - Foto: Divulgação
O ator britânico Kit Harington, que intrpreta Jon Snow, um dos protagonistas de “Game of Thrones” – Foto: Divulgação

Com o fim de mais uma temporada de Game of Thrones, o canal pago norte-americano HBO pode festejar altos números de audiência e o fato de ter consolidado uma audiência global ao sincronizar suas filiais no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, o canal cancela a segunda temporada da série Vinyl, sua grande aposta para substituir a saga fantástica. O que nos leva a um dilema: qual é a grande série hoje, se tirarmos Game of Thrones do páreo? O vácuo decorrente dessa pergunta é sintoma de um possível diagnóstico: a era de ouro da TV moderna chegou ao fim.

Tudo começou nos anos 1990, quan­do alguns criadores perceberam que era possível sair da fórmula batida dos seriados. Twin Peaks trazia um celebrado diretor de cinema para criar uma franquia para a TV em uma época em que isso era considerado um rebaixamento. Com o surrealismo típico do diretor David Lynch, a história que começava com a pergunta “quem matou Laura Palmer?” não era apenas um thriller policial. Arquivo X continua a desenvolver essa linguagem transgênero apertando um nervo sensível ao público, ao lidar com teorias paranoicas, conspiração governamental e extraterrestres. A intrincada teia de histórias criadas em torno da série também dava origem a um universo particular, cada vez mais difícil de ser compreendido caso você não acompanhasse seus episódios. Arquivo X ainda se beneficiou da popularização da world wide web no início dos anos 90 e não é exagero dizer que a internet – e uma incipiente audiência global – ajudou a transformar a série cultuada num fenômeno pop. Já a aparentemente inofensiva Buffy – A Caçadora de Vampiros abria várias premissas que funcionavam como um conjunto. Para começar, seus protagonistas formavam uma turma de estudantes do segundo grau. A proximidade com os fãs aumentava com os fóruns de internet, nos quais os produtores podiam conferir, com profundidade, o impacto de cada novo episódio ou personagem. Esse contato aumentou quando a série estimulou que os fãs criassem suas histórias e cogitassem teorias, o que ajudou a tornar o universo narrativo da série – o Buffyverse – algo bem complexo.

Em comum, as três séries tinham uma novidade, um cargo que não existia anos antes na TV: o de showrunner, o “dono” e principal autor da série. David Lynch era dono e autor de Twin Peaks, Chris Carter dono e autor de Arquivo X e Joss Wheddon dono e autor de Buffy. Era um prenúncio para a dita era de ouro, que começa a aparecer em seriados como The West Wing e 24 Horas, mas que chegou de fato com Sopranos, a série de David Chase sobre a ascensão de um bandido de médio porte de Nova Jérsei no mundo do crime organizado. Seu grande trunfo residia na produção, que amarrava todas as partes da história do melhor jeito possível: grandes personagens vividos por um elenco magistral, pulso firme na direção e acabamento de primeira. Chase sacrificou inclusive parte de seu orçamento para ter clássicos do rock na trilha. Sua ambição é compatível com a profundidade dramática de seus roteiros. A série ainda mudava a cronologia padrão do formato. Os episódios não tinham mais intervalos comerciais e as temporadas duravam 13 capítulos, e não 22 ou 24. A preocupação com a qualidade fez a série ganhar público e crítica, além de prêmios a cada nova temporada. Foi o suficiente para a HBO apostar em produtos equivalentes, que mais pareciam longos filmes com dezenas de horas. Eram apostas altas, mas ver a ordem de lançamento dessas séries é como acompanhar a discografia dos Beatles nos anos 60 – só hits: Sex & the City, The Wire, ­Deadwood, Entourage, Girls, Roma, Extras, Big Love, In Treatment, True Blood, Boardwalk Empire.

O impacto da HBO fez canais de TV a cabo buscarem voos mais altos. O Syfy ousou ao recriar Battlestar Galactica como um épico político no espaço. O Showtime tinha séries sobre gays e lésbicas (Queer as Folk e The L Word), serial killers (Dexter), boemia decadente (Californication) e séries de época (Tudors e Borgias). A AMC foi ainda mais radical e fez uma série sobre um professor de química que larga tudo para fabricar metanfetamina (Breaking Bad), outra sobre zumbis (Walking Dead) e uma sobre os bastidores da publicidade nos anos 60 (Mad Men). A TV do século XX nunca faria programas desta natureza.
A TV aberta, por sua vez, não sabia o que fazer. Se por um lado surfavam na onda dos reality shows, na ficção faziam séries supérfluas que não duravam mais que duas temporadas. A grande exceção é Lost, de J.J. Abrams, que expande ainda mais a audiência global através da internet ao mesmo tempo que entra para a história ao definir a data de encerramento no meio de sua existência.

A consagração desta fase de ouro coincide com a chegada do serviço de vídeos sob demanda Netflix e seu subsequente investimento em produções próprias. Embora não tenha lançado nenhuma série à altura das citadas, o formato on demand permite que o público assista à série na hora em que quiser, tirando o momentum coletivo que as séries anteriores provocavam em seus últimos episódios. O Netflix também é responsável por acelerar outra tendência: buscar grandes nomes do cinema para ancorar séries inteiras. E esse foi o grande problema de Vinyl: bancou-se apenas as grifes de Martin Scorsese e Mick Jagger e todo o resto ficou em segundo plano.

Muito da decadência atual das séries é culpa do excesso de oferta e dos nichos cada vez mais específicos que são abordados, além da possibilidade de se assistir a qualquer episódio na hora em que se quer e em qual aparelho quiser. Talvez seja só uma entressafra, mas fico com a impressão de que saímos dessa fase áurea pelo simples fato de já termos atravessado a mudança tecnológica que proporcionou essas experimentações de linguagem. A ver.


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