Aliado da ditadura, presidente do Senado e peça-chave na política de distensão arquitetada pelo general-presidente Ernesto Geisel, o senador Petrônio Portella recebeu em seu gabinete a atriz holandesa Sylvia Kristel, que fazia sucesso mundial com o filme erótico Emmanuelle. Ao final da visita, registrada por uma dezena de fotógrafos, em outubro de 1977, Portella comentou: “Achei-a melhor na tela”. O filme Emmanuelle, é bom lembrar, estava proibido no Brasil. Sem relevância histórica, o episódio foi relatado pelo jornalista Elio Gaspari no livro A Ditadura Acabada para mostrar como Portella, discretíssimo em relação às articulações de Geisel, ocupava espaço público com uma agenda espetaculosa.
A Ditadura Acabada é o quinto volume da série escrita por Gaspari sobre o regime implantado no Brasil pelo golpe civil-militar de 1964. Para fechar a coleção, que começou a ser publicada em 2002, o jornalista fez uma crônica de fôlego a respeito da transição para a democracia. No mesmo estilo preciso e de fácil leitura que marcou os volumes anteriores, o livro abrange da fase final do governo Geisel até o dia 15 de março de 1985, quando o último presidente da ditadura, o general João Figueiredo, deixou o Palácio do Planalto por uma porta lateral para não entregar a faixa presidencial ao civil José Sarney. Nessa fase, implodiram tanto a economia quanto a própria ditadura, ao mesmo tempo que eclodiram movimentos de rua, como a campanha por eleições diretas para presidente.
Outro episódio emblemático do período que Gaspari narra em detalhes ocorreu na manhã seguinte à explosão de uma bomba no estacionamento do Riocentro, que reunia milhares de pessoas para um show comemorativo ao 1º de Maio de 1981. Secretário particular do presidente João Figueiredo, Heitor Aquino Ferreira telefonou para o chefe, para informá-lo sobre o atentado. Figueiredo comemorou: “Até que enfim os comunistas fizeram uma bobagem”. Meia hora depois, o secretário ligou de novo: “Presidente, há indícios de que foi gente do nosso lado”.
A bomba tinha explodido antes da hora planejada, dentro de um carro ocupado por dois militares, mais precisamente no colo de um deles. Por trás da ação terrorista frustrada estava a linha-dura do Exército, que não se conformava com a possibilidade de uma abertura política no País. Com avanços e recuos, a redemocratização acabou construída, como Gaspari esmiúça em A Ditadura Acabada. No final do livro, em ritmo de thriller, o jornalista apresenta a trajetória de 500 personagens que marcaram o período.
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