Nos anos 1960, a tradutora e intérprete alemã Margarethe Hamich se mudou com o marido para a pequena Bietigheim, no sudoeste da Alemanha, mais de uma década antes de sua junção à vizinha Bissingen. “A cidade era muito feia. Falei que ficaria no máximo três anos, mas cá estou eu”, afirma a octogenária Margarethe, hoje também uma guia especializada na joia da coroa do lugar, as construções medievais feitas com enxaimel, estruturas de hastes de madeira, encaixadas em posições horizontais, verticais ou inclinadas, com paredes de barro ou tijolos. Com cerca de 42 mil moradores, Bietigheim-Bissingen faz parte de uma rota criada pelo órgão oficial de turismo da Alemanha (DZT, na sigla em alemão) nos anos 1990, que percorre cerca de cem cidades ao longo de três mil quilômetros, de Stade, à beira do rio Elba, no norte do país, a Meersburg, no Lago Constança, no sudoeste.
Ao todo existem mais de 2,5 milhões de construções do gênero na Alemanha. A Brasileiros visitou algumas delas, não somente em Bietigheim-Bissingen, mas também em Besigheim, Schorndorf, Blaubeuren, Pfullendorf, Esslingen, Biberach e Meersburg, num dos seis segmentos da Fachwerkstrasse (o nome da rota em alemão), que abriga 26 cidades com enxaimel, em construções que datam do século 13 ao 19. Em todas, as técnicas construtivas e os detalhes arquitetônicos funcionam como uma moldura para o interessante retrato histórico oferecido pela rota.
As casas mais antigas do trecho ficam em Biberach e Esslingen. Na primeira, algumas das casas com enxaimel revelam, por meio da divisão de seus cômodos, como era a vida doméstica e citadina nesses pequenos povoados alemães, nos séculos 14 e 15. Por exemplo: uma característica marcante era o andar térreo reservado ao abrigo de animais, ao armazenamento de alimentos e à atividade econômica de seu proprietário, como a panificação ou o curtume, de que a família inteira participava. Os dormitórios ficavam nos andares superiores e o banheiro ainda era elemento praticamente ausente do vocabulário arquitetônico. Um pequeno apêndice fazia as vezes de WC, com escoamento para o vão entre as casas. Tempos insalubres.
Outro destaque de Biberach é a Weberberg, área da cidade que no século 16 chegou a reunir cerca de 400 teares, ocupando 1/4 da população. Um dos highlights do roteiro do enxaimel, o lugar se tornou um ímã para profissionais como ceramistas, escritores, designers e arquitetos.
Em Esslingen, por sua vez, a antiga praça do mercado da cidade abriga um grandioso exemplar de enxaimel, onde fica a Kessler-Haus, mais antiga fabricante de espumantes (Sekt, em alemão) do País, e a primeira de vinhos do gênero fora da França. Aberta em 1826, a Kessler ocupa um complexo com adegas e construções que datam do início do século 13, e que já haviam pertencido à Igreja. O lugar ideal para Georg Christian Kessler aplicar os conhecimentos de produção de champanhe, aprendidos diretamente com Barbe-Nicole Clicquot, a famosa viúva.
Já em Bietigheim-Bissingen, a casa-museu Hornmoldhaus, antiga residência do escrivão e oficial de justiça Sebastian Hornmold (1500-1581), revela a transição entre dois estilos de enxaimel, do alemânico (fim da Idade Média) para o francônio (início da Idade Moderna), com elementos construtivos passando a ter função meramente ornamental, como a cruz de Santo André, um “X” de madeira muitas vezes aparente na estrutura.
Mas não só isso. Lá dentro, uma maquete revela como é o esqueleto de hastes da construção, ainda sem o preenchimento de paredes com barro ou pedra. As pinturas nas paredes e no teto da Hornmoldhaus falam um pouco do estilo de vida na Alemanha durante a Renascença. Além de ornamentos florais, dos brasões da família Hornmold e da Casa de Wurtemberg, há desenhos que criticavam a Igreja Católica e o clero. Criada nos anos 1980, a casa-museu tenta contar um pouco dos 1.200 anos de história da cidade.
Na pequena Blaubeuren, mais história. As águas do lago Blautopf (panela azul, em alemão) servem de cenário para construções de enxaimel do século 15, muitas delas à beira dos canais que cortam a cidade. Há também pré-história: Blaubeuren abriga em seu principal museu a Vênus de Hohle Fels, a mais antiga figura feminina feita pelo homem, a partir de marfim de mamute. Descoberta em 2008, a Vênus tem entre 35 mil e 40 mil anos. E faz o enxaimel parecer até recente.
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